Acórdão nº 849/12.1JACBR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelPIRES DA GRAÇA
Data da Resolução17 de Março de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça _ Nos autos de processo comum com o nº 849/12.1JACBR da comarca de Coimbra, a arguida AA, nos mesmos identificada, foi absolvida da prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art. 131º, 132º, nº 1 e 2, als. c), e), h) e j) do Código Penal e de um crime de peculato, do art. 375º, nº 1, do mesmo diploma.

Foi, ainda, absolvida do pedido de indemnização civil formulado pelo Ministério Público _ Inconformado com a decisão dela recorreu o Ministério Público para o Tribunal da Relação de Coimbra, impugnando “todos os pontos da matéria de facto dados como não provados” e concluindo a final que: “8º - Deve, então, conceder-se provimento ao presente recurso e, revogando o acórdão em apreço, alterar-se a decisão impugnada no que respeita à matéria de facto, nos termos expostos, passando a considerar-se provados os factos considerados não provados.

  1. - Uma vez fixada a matéria de facto, como indicado, deverá condenar-se a arguida AA como autora material, em concurso efectivo, dos crimes de homicídio qualificado, p. e p. nos arts. 131, 132, nº 1, 2, als. c), e), h), j), do C. Penal e de peculato, p. e p. no art. 375, nº 1, do C. Penal, de que se encontrava acusada, na pena única de 25 anos de prisão, sendo: - O crime de homicídio relativo ao facto de ter morto a tiro a avó de seu marido, pessoa de avançada idade, com 80 anos, em circunstâncias reveladoras de especial censurabilidade, designadamente: • Ter sido cometido através da utilização de arma de fogo contra uma pessoa particularmente indefesa, de 80 anos, que se encontrava sozinha, avó de seu marido; • A elevada violência com que foi praticado, em que vítima foi baleada pelo menos com 14 disparos; • Tê-lo feito a arguida movida pela avidez de vir a receber, através do seu cônjuge, neto da vítima, via sua sogra (filha da vítima), parte dos consideráveis fundos financeiros que aquela detinha e de não lhe pagarem, ela e o marido, mais nada por conta dos empréstimos contraídos perante a avó; • Ter revelado premeditação e frieza de ânimo na preparação e execução do crime; • Ter utilizado arma de fogo e munições que subtraiu, acessíveis em razão das suas funções, a uma sua colega no seu local de trabalho.

    - O crime de peculato como crime meio, consistente na subtracção da pistola Glock, calibre 9 mm Parabellum e do carregador nela inserido, este com 14 munições de igual calibre, marca Sellier & Bellot, tipo JHP, de 115 grains, lote 09, arma e munições que estavam distribuídas à Inspectora BB, a exercer funções também na Directoria do Norte da PJ, no mesmo piso e no gabinete quase em frente ao da arguida, apropriação que foi perpetrada tendo em vista assassinar aquela familiar.

  2. - Está ainda a arguida incursa na pena acessória de proibição do exercício de função, da previsão do art. 66, do C. Penal, que deverá ser decretada.

  3. - Deverá o pedido cível formulado pelo Ministério Público, em representação do Estado - Polícia Judiciária - ser julgado procedente, por provado, e ser a arguida condenada a pagar a quantia de € 319,12 (trezentos e dezanove euros e doze cêntimos), correspondente ao valor da pistola Glock e das 14 munições subtraídas, acrescida de juros de mora, desde a data em que foi notificada para contestar o pedido cível, até integral pagamento.” - O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 24 de Junho de 2015, no provimento do recurso decidiu: “1º – Alterar a decisão da matéria de facto, nos termos que constam do ponto «IV – Decisão da matéria de facto, A – Factos provados/B – factos não provados» deste acórdão, que aqui se dão por reproduzidos.

  4. – Condenar a arguida AA pela prática de um crime de homicídio qualificado, dos art. 131º e 132º, nº 1 e 2, al. j), e pela prática de um crime de peculato, do art. 375º, nº 1, todos do Código Penal e aplicar-lhe as seguintes penas: a) de 16 anos de prisão pela prática do crime de homicídio; b) de 4 anos de prisão pela prática do crime de peculato; c) de 17 anos de prisão, correspondente à pena única pela prática dos dois crimes; d) a pena acessória de proibição do exercício de funções por 5 anos.

  5. – Condenar a arguida a pagar ao Estado a quantia de 319,12 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação do pedido de indemnização e até pagamento.

  6. – Determina-se a entrega à arguida do blusão, calças e sapatilhas apreendidos no processo.

  7. – Fixa-se em 6 UC´s a taxa de justiça devida, a cargo da arguida.

  8. – Notifique.

    * Comunique a decisão à Directoria Nacional da Polícia Judiciária – art. 66º, nº 5, do Código Penal.

    * Nos termos dos art. 1º, nº 1, e 8º da Lei nº 5/2008, de 12/2, determina-se que se proceda oportunamente à recolha do perfil de ADN da arguida para inclusão na base de dados respectiva, com prévia informação nos termos do seu art. 9º.” _ Inconformada com o acórdão do Tribunal da Relação, dele interpôs recurso a arguida, para este Supremo Tribunal, pretendendo e requerendo “que se realize AUDIÊNCIA para aí serem debatidos os seguintes pontos da motivação de recurso (cfr. art.º 411º, n.º 5 do CPP): 1 – Inconstitucionalidade do art.º 400º, n.º 1, al. e), do CPP, nas interpretações normativas infra descritas; 2 – Inconstitucionalidade das normas conjugadas dos art.ºs 412.º, n.º 3, 414º, n.º 8, 419.º, n.ºs 1, 2 e 3, al. c), 428º, 431º, al. b) e 432º, n.º 1, al. c) e n.º 2 do CPP, na interpretação normativa infra descrita.

    3 – Inconstitucionalidade das normas conjugadas dos art.ºs 410.º, n.ºs 2 e 3 e 434º do CPP, na interpretação normativa infra também descrita; 4 - Nulidade do acórdão “a quo” por omissão de pronúncia sobre questões que devia ter apreciado (art.º 379.º, n.º 1, al. c) aqui aplicável “ex vi” do n.º 4, do art.º 425.º ambos do CPP); 5 – Nulidade do acórdão “a quo” por falta de fundamentação (art.º 379.º, n.º 1, al. a) aplicável “ex vi” do n.º 4, do art.º 425.º, ambos do CPP); 6 – Violação, pelo acórdão “a quo”, das regras sobre a prova, nomeadamente da prova vinculada e das regras da experiência comum; valoração de provas proibidas e inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 356.º, n.ºs 1, al. b), 2, al. b), 5 e 7, 171.º, n.º 2, 173.º, e 249.º, n.ºs 1 e 2, al. b), todos do CPP, na interpretação normativa infra também descrita; 7 – Na sequência da inconstitucionalidade mencionada no anterior n.º 3, erro notório na apreciação da prova; 8 - Inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 379.º, n.º 1, al. a), 1ª parte, e al. c), 1ª parte, e n.º 2, 414.º, n.º 4, “ex vi” art.º 425.º, n.º 4, todos do CPP, na interpretação normativa infra descrita; 9- Violação do príncipio «in dubio pro reo», na vertente que consubstancia matéria de direito.” _ Conclui a extensa motivação com as seguintes: “CONCLUSÕES: 1.º Vem o presente recurso interposto de todo o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, que, revogando o douto acórdão absolutório proferido pelo Tribunal do Júri da Comarca de Coimbra, condenou a arguida, ora recorrente, em termos que aqui se dão por reproduzidos integralmente para todos os efeitos legais.

    I - QUESTÃO PRÉVIA 2.º A arguida não matou a avó do marido.

    A arguida não se conforma com a chocante e revoltante injustiça que a decisão recorrida consubstancia, nem com o reconfortante aconchego que a mesma significa para uma investigação que sonegou provas, manipulou provas e adulterou as mais elementares regras de prova, e, muito menos, quando tal decisão recorrida permite, incentiva e acalenta idênticas práticas e condutas futuras.

    Quando o acórdão absolutório do Tribunal do Júri – transcrito no acórdão recorrido – deixou claramente transparecer uma actuação da investigação, no mínimo, «distorcida» e contrária a toda a «decência», actuação essa que a arguida apontou a dedo em denúncia criminal, apresentada durante a audiência, por factos muito concretos que constam dos autos e daquela denúncia (transcrita de págs. 211 a 221 da Resposta da arguida ao recurso do Ministério Público na 1.ª instância), Quando a sonegação de provas, a manipulação de provas e a adulteração das mais elementares regras de preservação da cadeia de custódia da prova e da «decência» constam à evidência nos autos, E a decisão dos 2 juízes recorridos (sendo um adjunto) entende não dever «considerar-se, sequer, uma tal possibilidade» (cfr. pags. 199 e 200 do ac. recorrido), não aceitando equacioná-la, «deusificando» a investigação e os seus autores, não querendo afrontar os poderes instituídos, adoptando perante estes uma postura subserviente intolerável num Estado de Direito democrático - o que, obviamente, condicionou todo o raciocínio do tribunal recorrido e conduziu ao evidente e gritante ERRO NOTÓRIO que caracteriza toda a decisão recorrida ao reapreciar a prova - Quando isto acontece, fica-se com medo de viver em Portugal - por ser perigoso.

    Não poderíamos calar, Excelentíssimos Senhores Juízes Conselheiros, esta nossa indignação e revolta e transformá-la, como tantas vezes sucede, num grito apenas interior, surdo, cobarde e, por isso, inconsequente. E a arguida não calará, sendo certo que recorrerá até às últimas instâncias europeias se necessário fôr.

    II – FUNDAMENTOS DO PRESENTE RECURSO 3.º - Inconstitucionalidade do art.º 400º, n.º 1, al. e), do CPP, nas interpretações normativas infra descritas: a) A arguida foi absolvida na primeira instância pelo Tribunal do Júri e, na sequência de recurso do Ministério Público (MP), veio a ser condenada pela Relação de Coimbra, além do mais, nas penas parcelares de 16 anos de prisão (pelo crime de homicídio qualificado) e de 4 anos de prisão (pelo crime de peculato) e, em cúmulo, na pena única de 17 anos de prisão.

    À data do início do presente processo – 21/11/2012 – a redacção do artigo 400º, n.º 1, al. e), do CPP, era a resultante da Lei n.º 48/2007, de 24/09, redacção essa que viria a ser alterada pela Lei n.º 20/2013, de 21/02, em vigor desde 23/03/2013 (redacções que vão reproduzidas na motivação supra); O acórdão absolutório do Tribunal do Júri data de...

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