Acórdão nº 427/11.2TBCNT.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I - AA intentou a presente acção com processo ordinário contra Comp. de Seguros BB, S.A.

, pedindo o reconhecimento do grau de incapacidade permanente de que está afectada, igual ou superior a 2/3, e a condenação da R. a pagar à beneficiária do seguro, a CGD, S.A., o capital seguro à data da propositura da acção, deduzindo as prestações bancárias pagas a partir de tal data até ao trânsito em julgado da sentença condenatória, e a pagar à A. as prestações bancárias que esta, por sua vez, tivesse de pagar entre a data da propositura da acção até ao trânsito em julgado da sentença condenatória. Pediu, além disso, juros legais desde a citação até integral pagamento.

Em síntese, alegou que lhe foi concedido, a si e ao seu marido, um crédito à habitação, por 30 anos, na quantia de € 75.000,00 pela CGD, em Dezembro de 2002, constituindo hipoteca sobre um prédio urbano como garantia do aludido empréstimo bancário. A C.G.D. subordinou a concessão do crédito à prévia contratação de um seguro de vida junto da R. – actuando aquela como mediadora desta – destinado a garantir o pagamento do valor em dívida, em cada anuidade, caso ocorresse um imprevisto que pusesse em causa a capacidade financeira dos mutuários-segurados. Nesse sentido e sem que a Ré houvesse submetido a aprovação do seguro à realização de quaisquer exames médicos, subscreveu a A. o boletim de adesão ao seguro de vida, no qual figurou como beneficiária-tomadora do seguro a C.G.D, iniciando o contrato a produção dos respectivos efeitos em 30-1-03, garantindo a A. o pagamento máximo em dívida, em cada anuidade, à beneficiária, C.G.D., em caso de morte ou de invalidez total e permanente por doença ou acidente ocorrido à(s) pessoa(s) segura(s).

Nos anos que se seguiram foram diagnosticadas à A. diversas patologias com a fixação de um diagnóstico de espondilose anquilosante, do que resultou dependência em relação a terceiros e a fixação de um grau de incapacidade definitiva de 80%, ficando impedida de exercer a sua profissão ou qualquer outra em que seja necessário movimentar-se ou fazer esforços moderados ou graves.

Contestou a R. alegando que a A. não prestou declarações verdadeiras sobre o seu estado de saúde na data em que foi outorgado o contrato de seguro, determinando erro da R. Concretamente a A., no questionário sobre o seu estado de saúde, declarou não ter antecedentes de reumatismo, gota e espondilose, sendo que sabia que não dizia a verdade, o que levou a que a R. negociasse sob erro sobre o risco, pois que se conhecesse a pré-existência da doença ou a probabilidade de ela se manifestar em plenitude com base em sintomas, não aceitaria o contrato nos termos em que o aceitou.

Após julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção procedente, reconhecendo à A. o grau de incapacidade permanente de 71,27% e condenando a R. a pagar à CGD o capital seguro à data da propositura da presente causa, deduzindo as prestações bancárias que a A. tenha pago a partir de tal data, até ao trânsito em julgado da presente sentença, e a pagar à A. as prestações bancárias que esta mesma demandante tenha pago entre a data da propositura da presente causa até ao trânsito em julgado desta sentença A R. apelou e a Relação confirmou a sentença, salvo na parte em que a R. foi condenada como litigante de má fé.

A R. interpôs recurso de revista - que foi admitido como revista excepcional - em que no essencial se insurge contra o facto de a Relação não ter reapreciado a impugnação da decisão da matéria de facto relativamente aos pontos.

Considera a recorrente ainda que a mera existência da doença que veio a ser declarada, ainda que fosse desconhecida da A., acarretava a ausência de risco e, assim, a nulidade do contrato de seguro, por falta de objecto, nos termos do art. 280º do CC.

Não houve contra-alegações.

Cumpre decidir.

II - Matéria de facto: 1.

Antes de proceder à reapreciação do acórdão recorrido, na parte em que procedeu à aplicação do direito, importa verificar se e em que medida merece acolhimento a revista na parte em que é questionada a decisão da Relação sobre a impugnação da decisão da matéria de facto.

2.

A R. insurge-se contra o acórdão da Relação por considerar que não existia motivo para rejeitar a reapreciação da decisão da matéria de facto com os fundamentos invocados pela Relação, ou seja, com o argumento de que os factos que a R. pretendia que fossem considerados provados não foram sequer alegados.

Advoga a R. que na sua contestação alegou os factos essenciais à exoneração da sua responsabilidade, devendo ser considerados pelas instâncias outros factos que têm natureza complementar ou concretizadora daqueles.

2.1.

Vejamos: A A. alegou na petição inicia o seu historial clínico, com apontamento das doenças que “nos últimos anos” lhe foram diagnosticadas. Alegou ainda o que ficou a constar do ponto 1º da base instrutória, ou seja, que: “A R. não exigiu a realização de exames médicos para emitir o documento escrito referido em E) (apólice de seguro).

Este facto obteve resposta positiva.

Na contestação, a R. Seguradora alegou, além do mais, que a “A., quando efectuou o seguro, tinha já a doença ou doenças que agora invoca, pelo menos embrionariamente, e não declarou estas patologias à R. na efectivação do seguro” (arts. 7º e 8º).

Isto é, a R. alegou a omissão por parte da A. de que padecia e conhecia as doenças que efectivamente vieram a determinar a situação de incapacidade em que agora se encontra, tendo sonegado à R. tal informação de que veio a tomar conhecimento apenas quando foi confrontada com a reclamação do capital na sequência do sinistro, ou seja, na sequência do diagnóstico da doença e da fixação da incapacidade.

Tal matéria foi condensada no ponto 9º da base instrutória com a seguinte redacção: “Aquando da subscrição do contrato de seguro a demandante sabia que padecia das doenças aludidas em 12 a 17 da matéria assente?”.

Quanto a este ponto a Relação considerou provado apenas que: “Aos 22 anos a A. iniciou lombalgia de ritmo mecânico que evoluiu para ritmo inflamatório com atingimento da coluna dorso-lombar”.

No recurso de apelação a R. concluiu que deveria ser dada ao ponto 1º a seguinte resposta: “A R. não exigiu a realização de exames médicos para emitir a apólice de seguro porque as respostas ao questionário dadas pela autora/segurada, não indiciavam qualquer sintoma de doença que requeresse exames complementares ou pedidos de informações aos médicos assistentes da A.”.

Sobre a matéria do ponto 9º a R. aceita que não se provou o alegado conhecimento por parte da A. de que já sofria das doenças em causa. Todavia, a R. pretendia que a Relação considerasse provado que: “A A.

sabia ou tinha obrigação de saber que tinha dores na coluna e nas costas, que recorreu a médicos desde os 16 anos, segundo uma informação médica, e, desde os 22, com lombalgia de ritmo mecânico que evoluiu para ritmo inflamatório, com atingimento da coluna dorso-lombar, segundo outra; como se provou que sabia ou devia saber que andava em consultas externas nos HUC, onde foi diagnosticada a espondilite anquilosante 4 meses após a resposta ao questionário; como se provou que sabia ter uma doença de genética hereditária no sangue de nome talassemia minor (que não tem relação com espondilite anquilosante que lhe veio a ser diagnosticada), que também não declarou nas respostas ao questionário”.

Relativamente a esta pretensão, a Relação concluiu que a matéria que a R. pretendia que fosse considerada provada extravasava o âmbito dos factos controvertidos que integravam a base instrutória, não sendo viável a sua inserção em sede de impugnação da decisão da matéria de facto.

É contra esta posição que a R. se rebela, alegando que não existiam motivos formais para rejeitar as respostas pretendidas a tais pontos de facto.

2.2.

A Seguradora, nos contactos mantidos antes de ser interposta desta acção, afastou a sua responsabilidade, mas apenas por não reconhecer à A. uma situação de invalidez qualificável para efeitos do presente contrato de seguro.

Já na acção veio alegar ainda, como único facto impeditivo do direito invocado pela A., a falsidade das declarações sobre dados relevantes acerca das doenças de que padecia na data em que subscreveu a proposta de adesão ao contrato de seguro. E alegou ainda que se acaso a A. tivesse sido verdadeira na sua declaração teria a possibilidade de recusar a outorga do contrato. Mais concretamente a R. alegou que a “A., quando efectuou o seguro, tinha já a doença ou doenças que agora invoca, pelo menos embrionariamente, e não declarou estas patologias à R. na efectivação do seguro” (arts. 7º e 8º).

Isto é, para afastar a sua responsabilidade, a R. alegou a omissão por parte da A. de que padecia e conhecia as doenças que efectivamente vieram a determinar a situação de incapacidade em que agora...

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