Acórdão nº 135/12.7TBMSF.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA SOTTOMAYOR
Data da Resolução16 de Fevereiro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - Relatório Autores: - AA e mulher, BB.

Réus: - CC e mulher DD; e - Caixa de EE, CRL.

Alegam os autores, em síntese, que celebraram com os 1.ºs réus um contrato promessa de compra e venda, mediante o qual prometeram comprar dois prédios que identificam, dos quais foram de imediato investidos na respetiva posse, tendo pago de sinal e princípio de pagamento um total de € 95.000,00.

Os promitentes vendedores recusam-se a celebrar o contrato definitivo, motivo pelo qual os autores deixaram de ter qualquer interesse na manutenção do referido contrato, pretendendo ser pagos do sinal em dobro.

Concluindo pela procedência da ação, pedem que: - se declare resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado em14 de Junho de 2012; - sejam os 1.ºs réus condenados a pagar aos autores a quantia de € 190.000,00, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação até integral pagamento; - seja reconhecido aos autores o direito de retenção sobre os referidos prédios para garantia do seu crédito e juros vincendos; - sejam os réus condenados a reconhecer tal direito de retenção sobre os referidos prédios.

Na contestação que apresentou, afirma a Caixa de EE (adiante CEE) que o referido contrato promessa não passa de um estratagema planeado entre os outorgantes para os 1.ºs réus se eximirem às suas responsabilidades e não perderem os imóveis hipotecados, bem sabendo que estavam a prejudicar a CEE.

Neste sentido, nunca os autores entregaram qualquer quantia a título de sinal ou estiveram na posse dos referidos bens imóveis.

Conclui pois pela improcedência da ação e condenação dos autores e 1.ºs réus como litigantes de má fé.

Na réplica, reiteram os autores a sua versão dos factos, afirmando que tinham efetivamente conhecimento da existência da hipoteca, mas afirmavam os 1.ºs réus que o valor em dívida era muito inferior, tendo pois agido de boa fé, mantendo de resto disponibilidade para celebrar a escritura definitiva de compra e venda, mediante o pagamento do remanescente do preço acordado.

Procedeu-se a julgamento com observância do legal formalismo, não se tendo suscitado nem verificado quaisquer exceções, nulidades ou questões prévias de que cumprisse conhecer e que obstassem ao conhecimento do mérito da causa.

A final foi proferida sentença que julgou a ação procedente nos seguintes termos: «1.

Declara-se resolvido o contrato promessa de compra e venda, celebrado em 14 de Junho de 2012, entre os promitentes vendedores CC e mulher DD e os promitentes-compradores AA e mulher BB.

  1. Condenam-se os 1.ºs réus CC e mulher DD a pagar aos autores AA e mulher BB a quantia de €190.000,00 (cento e noventa mil euros), correspondente ao dobro do sinal, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

  2. Reconhece-se aos autores, para garantia do seu crédito e juros vincendos, o direito de retenção sobre os prédios objecto do contrato promessa: - prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão e andar com um anexo, sito no ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 41/19850805 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 963; e - prédio rústico, composto de vinha demarcada do Douro, oliveiras e árvores de fruto, sito no ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º … e inscrito na respectiva matriz sob o artigo15.

  3. Condenam-se todos os réus, CC e mulher DD, e Caixa de EE, CRL, a reconhecerem tal direito de retenção dos autores sobre os referidos prédios».

    A ré, instituição bancária, não se conformando com o decidido, interpôs recurso de apelação, em que impugnou a matéria de facto e colocou três questões de direito: 1) pressupostos da resolução do contrato de promessa de compra e venda e do direito de retenção; 2) violação do princípio da proporcionalidade e da confiança previstos nos artigos 18.º e 2.º da CRP, ao reconhecer o direito de retenção como garantia real prevalente à hipoteca; 3) litigância de má fé dos autores.

    O Tribunal da Relação de Guimarães proferiu acórdão, julgando improcedente a apelação e confirmando a decisão recorrida. Inconformada a ré interpõe recurso de revista excecional, ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 672.º do CPC, o qual foi admitido pela formação prevista no art. 672.º, n.º 3 do CPC, para que seja decidida a seguinte questão: «(…) saber se a prevalência do direito de retenção do promitente comprador deve ser sempre reconhecida, ou apenas em determinadas situações, quais sejam aquelas em que o promitente comprador tenha contratado na qualidade de consumidor (quanto a quaisquer bens) e para a habitação própria e permanente (quanto a prédios urbanos)».

    Na sua alegação de recurso, a ré formula as seguintes conclusões: «1- A questão a que se reporta o litígio consiste na prevalência do direito de retenção reconhecido ao promitente-comprador com traditio sobre o direito do credor garantido por hipoteca. Uma vez que a hipoteca é a garantia geralmente utilizada para os financiamentos concedidos para aquisição de primeira habitação, evidente se torna que a questão em apreço é de maior relevância social, uma vez que se reporta a um bem de primeira necessidade e a um direito essencial da vida em sociedade (habitação) pois, na medida em que essa garantia não seja segura pode estar em causa a concessão/obtenção dos referidos financiamentos e a correspondente possibilidade de aquisição própria e a constituição de novas famílias, assim nos parecendo “estarem em causa interesses de particular relevância social” – al. b) do n.º1 do art. 672.º do CPC.

    2- O mesmo se justifica pelo facto de a hipoteca ser a garantia mais utilizada para a maior parte dos financiamentos com muitas outras e as mais diversas finalidades, estando por isso em causa a segurança de uma grande porção do tráfego jurídico em geral.

    3- Por outro lado, igualmente se nos antolha “estar em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito” – al. a) do mesmo dispositivo legal, pois trata de saber se a prevalência do direito de retenção do promitente comprador deve ser sempre reconhecida, ou apenas em determinadas situações, quais sejam aquelas em que o promitente comprador tenha contratado na qualidade de consumidor (quanto a qualquer bem) e para a habitação própria permanente (quando a prédios urbanos).

    4- Não deverá ser reconhecido o direito de retenção, muito menos com prevalência sobre a hipoteca previamente constituída a favor da recorrente, nem em relação ao prédio rústico, nem em relação ao prédio urbano, uma vez que a razão que levou o legislador a optar por essa prevalência, segundo o preâmbulo do DL 379/86, de 11 de Novembro, foi a protecção dos consumidores no mercado de habitação, por considerá-los a parte mais débil, sendo que tal ratio deve estar sempre presente na interpretação e aplicação dos normativos desse diploma a todos os casos concretos como o que constitui objecto da presente acção.

    5- Este entendimento foi seguido pelo Ac. Do STJ, de 25/11/2014, que assentou a sua decisão no Ac. de Uniformização de Jurisprudência de 4/2014, de 20/03/2014, publicado no DR, I Série, n.º 95, de 19/05/2014, que apesar de não o dizer expressamente, não pode deixar de entender-se que se reporta exclusivamente ao promitente-comprador que detenha, simultaneamente, a qualidade de consumidor.

    6 - Acresce que o legislador, ainda que no preâmbulo do referido Decreto-Lei, fez a distinção entre os prédios rústicos e urbanos e, entre estes, os destinados a habitação.

    7 - Os AA. supostamente prometeram comprar um prédio rústico e um prédio urbano, assumindo expressamente que este não era para sua habitação, pois habitam na cidade de Amarante e referiram que nunca pernoitaram naquela casa, a qual, por isso, não seria para ser utilizada como habitação própria permanente, não estando assim abrangidos por aquela protecção criada pelo legislador, além de que, dos factos provados também não consta que a casa em questão fosse adquirida para esse fim.

    8 - Quanto ao prédio rústico, para além de obviamente não se destinar à habitação, os AA. deixaram bem claro que o mesmo se destinava à exploração agrícola, chegando mesmo a concretizar que a sua intenção era nele implantar uma produção de cogumelos para comercializar, tal como referido pelas testemunhas que sobre isso depuseram e mostraram ter conhecimento e que merecem credibilidade ao Tribunal.

    9 - Por tudo quanto fica exposto se conclui que os AA. na celebração do contrato-promessa em causa não contrataram na qualidade de consumidores, por isso não podendo beneficiar da referida protecção legal (direito de retenção) face ao incumprimento dos promitentes vendedores e em detrimento da hipoteca previamente constituída para garantia do crédito da recorrente.

  4. Assim não se tendo entendido e decidido, tanto a sentença da 1.ª instância como o acórdão da Relação traduzem incorrecta interpretação e aplicação ao caso das pertinentes disposições legais, nomeadamente dos arts. 410.º, 755.º, 759.º do C. Civil, bem como violação dos princípios da confiança e da proporcionalidade e constantes dos arts. 2.º e 18.º, n.º 2 da CRP, respectivamente, pelo que, Após a “apreciação liminar sumária” prevista no art. 672.º do C.P.C., deve o presente recurso ser admitido e, na sua procedência, ser revogado o acórdão recorrido, bem como a sentença de 1.ª instância e em sua substituição ser proferida outra que julgue a acção totalmente improcedente, assim resultando, a nosso ver, devidamente aplicada a lei e realizada a Justiça».

    Os autores não apresentaram contra-alegações.

    Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que se define o objeto do recurso, as questões a decidir são as seguintes: I – Pressupostos do direito de retenção do promitente-comprador, nomeadamente, a qualidade de consumidor deste; a natureza do prédio...

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