Acórdão nº 1039/13.1TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelGONÇALVES ROCHA
Data da Resolução31 de Maio de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1--- AA intentou a presente acção com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra Instituto Nacional de Aviação Civil, I.P. pedindo que: i. Lhe seja reconhecido direito ao pagamento dos subsídios de isenção de horário de trabalho correspondentes ao período em que exerceu funções de titular de órgãos de estrutura/dirigente do réu, entre 2 de Março de 2000 a 12 de Março de 2009; ii. Seja o réu condenado a pagar-lhe os aludidos subsídios de isenção de horário de trabalho, no montante global de € 92.903,14 (noventa e dois mil, novecentos e três euros e catorze cêntimos), acrescidos dos correspondentes juros de mora vencidos até à data da propositura da presente acção, no montante de € 35.040,49 e dos juros de mora vincendos, à taxa legal em vigor, devidos a partir da data da propositura da presente acção e até à data do efectivo pagamento do capital em dívida; iii. Seja o réu condenado no pagamento de todas as despesas resultantes da presente acção a liquidar a final, incluindo, taxa de justiça, custas e pagamento dos honorários de patrocínio.

Alegou para tanto que, em 04.06.1986, foi nomeada como técnica de Aviação Civil do quadro da Direcção Geral de Aviação Civil, tendo sido informada, através do ofício nº 256-99/PCA, que seria integrada no INAC, na Carreira I – Técnico Superior, Categoria II – Técnico Superior II, escalão D, nível 19, com efeitos retroagidos a 15 de Novembro de 1999.

Desde 02 de Março de 2000 a 12 de Março de 2009 exerceu funções de chefia em regime de comissão de serviço e de isenção de horário, não tendo o réu pago os correspondentes subsídios de isenção de horário de trabalho.

Como a audiência de partes não redundou na sua conciliação, veio o réu contestar, por excepção, invocando a prescrição dos juros; e, por impugnação, sustentando que não pagou os subsídios porquanto não foram cumpridos os requisitos formais exigidos para a sua atribuição.

O autor respondeu à matéria da excepção.

Foi proferido despacho saneador onde foi julgada improcedente a excepção da prescrição, tendo o tribunal dispensado a selecção da matéria de facto invocando a simplicidade da causa.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento, tendo as partes acordado quanto à matéria de facto.

E seguidamente foi proferida sentença, que contém o seguinte dispositivo: “3.1. Nos termos e fundamentos expostos e atentas as disposições legais citadas, julga-se a acção parcialmente procedente, e, em consequência decide-se: 3.1.1. Reconhecer o direito da autora AA ao subsídio de isenção de horário de trabalho desde 02 de Março de 2000 a 20 de Março de 2008.

3.1.2. Condenar o réu Instituto Nacional de Aviação Civil a pagar à autora a quantia de € 82.243,26 (oitenta e dois mil, duzentos e quarenta e três e vinte e seis cêntimos), acrescida de juros de mora às sucessivas taxas legais desde a data de vencimento de cada prestação até integral e efectivo pagamento.

3.2. Custas da acção a cargo da autora e réu na proporção de 20% e 80% respectivamente (art. 527º NCPC)”.

Inconformado, apelou o Réu, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa acordado em revogar a sentença recorrida, absolvendo o Réu do pedido.

É contra o assim decidido que a A nos traz a presente revista, cuja alegação remata com as seguintes conclusões: “1.O Acórdão do Tribunal da Relação, ora impugnado na sua decisão e respectiva fundamentação incorreu em violação de lei substantiva, por erro de julgamento nas suas diversas vertentes (erro de interpretação, erro de determinação da norma aplicável e erro de aplicação do direito), ou seja o Acórdão ora recorrido incorre em erro de interpretação e subsunção jurídica, que veio a afectar o conteúdo da decisão.

  1. Erros que constituem fundamento específico de revista, por força do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 674.° do CPC.

  2. Entendeu o Tribunal da Relação que tendo a ora Recorrente transitado da antiga Direcção Geral da Aviação Civil (DGAC), e não tendo optado pela celebração de um contrato individual de trabalho, não lhe era aplicável o regime jurídico do contrato individual de trabalhar regime onde alicerça a sua pretensão, razão pela qual não lhe é devido o subsídio de isenção de horário de trabalho que reclama.

  3. Entende a Recorrente que, ao contrário do que sustenta o Tribunal “a quo”, à relação material controvertida que a leva a requerer o pagamento dos subsídios de isenção de horário de trabalho, se aplica precisamente o regime jurídico privado do Código do Trabalho e que tal facto nada tem a ver com o seu vínculo de origem e nem com a sua situação de requisitada no INAC, mas sim com a celebração “ex novo” de um contrato de trabalho, na modalidade de comissão de serviço (único vínculo contratual que estabeleceu com o INAC), que se rege pelo direito privado.

  4. Entende a Recorrente que o Tribunal da Relação assenta toda a sua fundamentação na confusão entre o conceito de vínculo juslaboral e regime jurídico aplicável à relação material decorrente da prestação efectiva de trabalho, concluindo serem incindíveis os conceitos e que decorre, inevitavelmente, da natureza do vínculo, o correspondente regime jurídico aplicável à relação laboral, o que aponta para um conceito tradicional da separação entre trabalhadores da função pública e do privado que hoje está a ser legal e doutrinariamente abandonada.

  5. Esta tem sido, aliás, como é do conhecimento geral, uma política que tem vindo a ser seguida pelo Estado, que vem criando entidades públicas com autonomia administrativa e financeira, mantendo-‑lhes a natureza pública, mas definindo no próprio ato de criação das mesmas, que o seu funcionamento se rege por regras próprias de regime privado, nomeadamente em matéria laboral.

  6. Foram surgindo ao longo do tempo, diplomas que introduziram a figura do contrato individual de trabalho na Administração indirecta e que mantêm a previsão da existência de funcionários sujeitos a um regime estatutário.

  7. Foi, exactamente, neste contexto de mudança, que ocorreu a transição institucional da antiga DGAC (administração directa do Estado) para o INAC (administração indirecta do Estado).

  8. O Instituto Nacional de Aviação Civil (INAC) foi criado pelo Decreto-Lei nº 133/98, de 15 de Maio, estando o seu pessoal sujeito ao regime do contrato individual de trabalho conforme opção do legislador, logo denunciada no preâmbulo do referido decreto, no artigo 4° do decreto preambular e nos artigos 21º e seguintes dos Estatutos do INAC.

  9. O artigo 4° do Decreto-Lei nº 133/98 confere aos trabalhadores da extinta DGAC a possibilidade/direito de optarem pela celebração de um contrato individual de trabalho, com a consequente cessação do vínculo à função pública e não de optarem pelo regime jurídico aplicável ao desenvolvimento da relação laboral que substantivamente iriam estabelecer no âmbito do exercício efectivo de funções no INAC.

  10. Veja-se, ainda o disposto no artigo 21° dos Estatutos do INAC, aprovados pelo Decreto-Lei nº 133/98, no âmbito do qual se extrai, claramente, a opção do legislador quanto à aplicação do Código do Trabalho, independentemente da natureza do vínculo dos trabalhadores que se mantenham a prestar funções no INAC.

  11. Para os funcionários que, como a Recorrente, não optaram pela celebração de um contrato individual de trabalho com o INAC, foi, então, criado um Quadro especial transitório na Secretaria Geral do Ministério do Equipamento ao qual ficaram vinculados estes funcionários públicos (artigo 4º o do decreto preambular aos Estatutos do INAC e Portaria nº 1254/2001, de 30 de Outubro, que criou o referido quadro especial transitório).

  12. Assim, tendo sido determinado, por imposição legal, que todos os trabalhadores ao serviço do INAC teriam com este organismo, uma relação laboral de direito privado, os funcionários públicos que ali se mantiveram a prestar funções, fizeram-no através da figura de mobilidade da requisição, já que não pertenciam ao quadro privatístico do INAC, mas sim a um quadro pertencente à Secretaria-geral do então, Ministério do Equipamento.

  13. Posteriormente, o legislador com a preocupação de garantir a manutenção dos direitos adquiridos dos funcionários requisitados e que a requisição não implicasse uma redução ou diminuição desses direitos, desenvolve e determina as especificidades relativas a estes trabalhadores, designadamente referindo quais as normas da função pública que continuam a ser aplicáveis, o que também “a contrario sensu” permite concluir que, genericamente, o regime aplicável a estes trabalhadores requisitados é o do CT.

  14. Não era, nem nunca foi, intenção do legislador manter a convivência de dois regimes aplicáveis no âmbito da disciplina da prestação do trabalho, embora admitindo a permanência de dois vínculos de origem distintos no exercício das mesmas funções, 16.Ou seja, a Recorrente não pertencia, nem nunca pertenceu ao quadro de pessoal do INAC, mas trabalhou sempre no INAC, apesar do seu vínculo público, de origem, e fê-lo, por recurso ao regime de requisição, tendo sido por essa via, através deste instrumento de mobilidade, que se sujeitou ao regime legal laboral aplicável no INAC, no desenvolvimento da relação laboral efectiva que com este organismo estabeleceu.

  15. Foi, deste modo, determinado, por imposição legal, que todos os trabalhadores ao serviço do INAC teriam com este organismo, uma relação laboral de direito privado, incluindo os funcionários públicos que ali se mantiveram a prestar funções, através da figura de mobilidade da requisição, já que não pertenciam ao quadro privatístico do INAC, mas sim a um quadro pertencente à Secretaria-Geral do então, Ministério do Equipamento.

  16. Portanto, entendemos que o que é relevante nos presentes autos, e concretamente a resposta à questão de saber se a Recorrente tem ou não direito ao subsídio de isenção de horário de trabalho, assente não tanto, na caracterização do seu vínculo jus-laboral ou na definição do regime que lhe está subjacente, mas...

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