Acórdão nº 1607/14.4TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelRIBEIRO CARDOSO
Data da Resolução12 de Maio de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1]) 1 – RELATÓRIO AA - … AUTOMÓVEIS TRANSPORTADORES, SA, intentou no Tribunal do Trabalho de Lisboa, ao abrigo do disposto nos arts. 183º e seguintes do Código de Processo do Trabalho, a presente ação declarativa de interpretação de cláusulas de convenções coletivas de trabalho, com processo especial, contra ANTRAM - ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE TRANSPORTADORES PÚBLICOS RODOVIÁRIOS DE MERCADORIAS e FECTRANS - FEDERAÇÃO DOS SINDICATOS DE TRANSPORTES E COMUNICAÇÕES, pedindo que a cláusula 74.ª, n.º 7 do contrato coletivo de trabalho vertical do sector dos transportes rodoviários de mercadorias, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 9, de 08/03/1980, com as sucessivas alterações, seja interpretada no sentido de que as alterações ao Código do Trabalho, aprovadas pela Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho, que suspendeu a aplicação da cláusula 40.ª do mesmo CCTV, deverão repercutir-se no valor mensal atribuído à retribuição especial da cláusula em questão durante o período de suspensão daquela cláusula 40.ª, determinando a sua redução em função da redução do valor atribuído ao trabalho suplementar tal como previsto na lei geral.

Alegou, em síntese, que o valor referido na cláusula 74.ª, n.º 7 do CCTV deve variar de acordo com as alterações legais ou contratuais definidas para o valor do trabalho suplementar pelo que se deverá ter em conta o estabelecido no art. 286º do CT na redação decorrente da Lei nº 23/2012 de 25/6, em conjugação com o art. 7º, nº 4, al. a) da mesma Lei.

As rés foram citadas e ambas alegaram, aderindo a ANTRAM à posição da autora AA.

Já a ré FECTRANS considerou, em resumo, que a cláusula 74ª-7 do CCT não tem a ver com a remuneração a título de trabalho suplementar pelo que a referência ao valor do trabalho suplementar se faz em relação ao estabelecido na cláusula 40ª antes da entrada em vigor da Lei nº 23/2012 de 25/6.

No saneador o tribunal conheceu do mérito da causa tendo proferido a seguinte decisão: “Face ao exposto, julgamos esta acção procedente e consequentemente declaramos que cláusula 74.ª, n.º 7 do Contrato Colectivo de Trabalho Vertical do sector dos transportes rodoviários de mercadorias, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 9, de 08/03/1980, com as sucessivas alterações, deve ser interpretada no sentido de que as alterações ao Código do Trabalho, aprovadas pela Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho, que suspendeu a aplicação da cláusula 40.ª do mesmo CCTV, deverão repercutir-se no valor mensal atribuído à retribuição especial da cláusula em questão durante o período de suspensão daquela cláusula 40.ª, determinando a sua redução em função da redução do valor atribuído ao trabalho suplementar tal como previsto na Lei geral.” Inconformada, a R. FECTRANS interpôs recurso de apelação o qual mereceu a seguinte deliberação por parte da Relação: “Julgar a apelação procedente e, em consequência, revogando-se a decisão recorrida, declara-se que a cláusula 74.ª, n.º 7 do Contrato Colectivo de Trabalho Vertical do sector dos transportes rodoviários de mercadorias, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 9, de 08/03/1980, com as sucessivas alterações, deve ser interpretada no sentido de que as alterações ao Código do Trabalho, aprovadas pela Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho, que suspendeu a aplicação da cláusula 40.ª do mesmo CCTV, não se repercutem no valor mensal atribuído à retribuição especial daquela cláusula durante o período de suspensão da Clª 40ª do mesmo CCT, não determinando a sua redução em função da redução do valor atribuído ao trabalho suplementar tal como previsto no art. 268º da Lei geral (CT).” Do assim decidido, recorre agora a A. AA de revista para este Supremo Tribunal, impetrando a revogação do acórdão, formulando as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([2]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal: «A) A cláusula 74ª/7 do CCTV aplicável ao sector dos transportes rodoviários de mercadorias estipula que “O trabalhador dos transportes internacionais rodoviários de mercadorias tem direito a uma retribuição mensal, que não será inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia”, acrescentando o n.º 8 da mesma cláusula que “A estes trabalhadores, de acordo com o estabelecido no número anterior, não lhes é aplicável o disposto nas cláusulas 39ª (Retribuição de trabalho noturno) e 40ª (Retribuição de trabalho extraordinário)." B) Este Venerando Tribunal fixou já no douto acórdão n.º 7/2010, o sentido e alcance da referida norma convencional, determinando que: “A retribuição mensal prevista no n.º 7 da cláusula 74ª do contrato colectivo de trabalho celebrado entre a ANTRAM - Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias e FESTRU - Federação dos Sindicatos dos Transportes Rodoviários Urbanos, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª série, n.º 16, de 29 de Abril d 1982, tendo como base mínima de cálculo o valor equivalente a duas horas extraordinárias, é devida em relação a todos os dias do mês do calendário." C) Por via do disposto na cláusula 74ª/7 do CCTV em apreço, as partes outorgantes conferiram aos trabalhadores deslocados no estrangeiro o direito a um acréscimo remuneratório e definiram como critério para a sua quantificação o equivalente a duas horas de trabalho extraordinário por dia.

D) As partes outorgantes do CCTV, podendo estipular um qualquer outro valor a atribuir à retribuição especial em causa (poderiam, desde logo, tão só, ter previsto uma percentagem da própria retribuição base), optaram expressa e deliberadamente por estabelecer a sua quantificação por referência à retribuição do trabalho extraordinário.

  1. Não foi alheia a esta opção a circunstância de a compensação prevista na cláusula 74ª/7 - não obstante ser devida independentemente de ser prestado qualquer trabalho extraordinário (ou de este ocorrer para além de duas horas diárias) - não deixar de ser tecnicamente uma retribuição por trabalho suplementar, dado que os trabalhadores TIR estão sujeitos a condições de maior penosidade, não lhe são aplicáveis as disposições contratuais relativas a trabalho noturno e trabalho extraordinário, bem como, a retribuição em apreço tem na sua génese a constatação de que a prestação de trabalho extraordinário por parte desses mesmos trabalhadores seria de difícil controlo (conforme se enfatizou no mencionado acórdão n.º 7/2010).

  2. A formulação do preceito em causa (quer numa perspetiva literal, quer numa perspetiva de unidade do sistema) não foi alheia à intenção de se vir a remunerar efetivamente os trabalhadores abrangidos segundo os critérios de quantificação definidos para o cálculo do trabalho extraordinário.

  3. Não há razão para não fazer oscilar o valor da cláusula 74ª/7 do CCTV em função das variações legal ou contratualmente definidas para a remuneração do trabalho suplementar.

  4. A remissão feita na cláusula 74ª/7 para a remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia, há-de ser encarada, necessariamente, como uma remissão dinâmica, abstraindo da concreta retribuição existente à data da criação da norma, numa intenção clara de que a retribuição especial dos trabalhadores acompanhasse a evolução salarial dos demais trabalhadores no que concerne à prestação de trabalho suplementar, isto porque, manifestamente não seria possível sustentar que uma posterior alteração da cláusula 40ª do CCTV - no sentido de aumentar os acréscimos ali previstos - também não tivesse o correspectivo acréscimo na cláusula 74ª/7.

  5. O legislador, deliberadamente, assumiu o propósito de ver reduzidas as retribuições por trabalho suplementar, no âmbito de aplicação do regime ínsito no artigo 7º da Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho.

  6. À oscilação do valor da cláusula 74ª/7 do CCTV, em função das variações legal ou contratualmente definidas para a remuneração de trabalho suplementar, também não obstará o princípio da irredutibilidade da retribuição ínsito no artigo 129º, n.º 1, alínea d) do Código do Trabalho, porquanto o que se visa proibir no referido preceito legal é a diminuição da retribuição por ato unilateral do empregador e sem qualquer fundamento legal não deixando a própria lei de ressalvar a possibilidade de diminuição da retribuição, quer por imperativo legal, quer por força de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.

  7. A invariabilidade do valor da cláusula 74ª/7 do CCTV, perante as variações legal ou contratualmente definidas para a remuneração de trabalho suplementar, viola o princípio da igualdade constitucionalmente consagrado, dado que não parece razoável que uma mesma entidade empregadora - neste caso, uma empresa do sector dos transportes -, mantenha ao seu serviço trabalhadores cujo valor do trabalho suplementar - dado que defendemos que a cláusula 74ª/7 é o título jurídico de atribuição, aos trabalhadores TIR, do direito ao pagamento das eventuais horas suplementares - se encontra imutável e outros trabalhadores que passaram a ver o valor do seu trabalho suplementar reduzido, por força da suspensão da cláusula 40ª do CCTV.

  8. Os motivos que levaram à aprovação da Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho concretamente, no que toca à redução dos acréscimos remuneratórios devidos pela prestação de trabalho suplementar, têm inteiro cabimento na redução que, por essa via, se opera no montante da retribuição especial prevista na cláusula 74ª/7.

  9. A solução mais conforme à vontade do legislador - quer partindo da análise do texto, quer ponderando o elemento decisivo de interpretação (unidade do sistema jurídico), no confronto com o princípio da igualdade, ínsito na Constituição da República Portuguesa - será aquela que aponta no sentido da redução deliberada do valor do trabalho suplementar se vir a repercutir igualmente em todas as componentes retributivas dele dependentes, como é o caso da cláusula 74ª/7.

  10. Ao decidir como decidiu, violou o...

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