Acórdão nº 551/13.7TVPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução07 de Dezembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA, SA, instaurou uma acção contra BB - Comp. de Seguros de Crédito, SA, pedindo a sua condenação no pagamento de € 80.203,72, com juros calculados à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento. Alega, para o efeito, que celebrou com a ré um contrato de seguro de crédito; que participou à ré em 9/12/2010 a “ameaça de sinistro” traduzida na “suspensão de pagamentos” da cliente CC Supermercados, SA, cuja insolvência veio a ser declarada; que, não obstante ter reclamado o seu crédito no processo de insolvência, nada recebeu; que, portanto, “formalizou a participação do sinistro à ré, relativamente às facturas em que havia manifestado a dita ‘ameaça de sinistro´”, remetendo toda a documentação “contratualmente fixada como necessária para a regularização do sinistro”; que a ré, alegando que “o valor reclamado no processo de insolvência” era “superior ao valor das mencionadas facturas e que constituem o objecto do sinistro” se “recusou a pagar a quantia devida em virtude da garantia de crédito que prestou à autora” (80% do valor reclamado).

A ré contestou. Em síntese, alegou que a autora não lhe deu conhecimento do montante real do crédito, quando comunicou a ameaça de sinistro – era superior ao comunicado –, nem lhe forneceu documentação e informações repetidamente solicitadas, imprescindíveis para a ré “analisar a cobertura (ou não) do contrato de seguro de crédito” e a cujo fornecimento estava contratualmente obrigada; que essa falta se manteve por tempo superior ao prazo de seis meses contratualmente acordado, a contar da notificação pela BB para o efeito, sob pena de a BB poder “proceder ao encerramento dos respectivos processos sem admitir ou regularizar o sinistro, nem processar qualquer indemnização” (nº 2 do artigo 11º das Condições Gerais); que, portanto, operou a caducidade do direito invocado pela autora; que, de qualquer modo, a indemnização nunca poderia exceder € 70.044,24, tendo em conta as exclusões contratuais (franquia, IVA a cobrar aos clientes).

A acção foi julgada improcedente, pela sentença de fls. 137. Em síntese, o tribunal entendeu, nos termos do disposto na cláusula 11º das condições gerais do contrato, que “caducou o direito da autora em ver-se ressarcida pela ré dos prejuízos (sinistros) ocorridos”, uma vez que se verifica que “a autora comunicou um sinistro à ré no valor de 100 mil euros, a ré veio a saber que o sinistro era superior a 200 mil euros, apesar de diversas solicitações para o efeito não esclareceu tais divergências no prazo contratualmente fixado (mesmo após prorrogação), pelo que, usando do direito que lhe assistia, a ré comunicou à autora o encerramento do processo sem o pagamento de qualquer indemnização”.

A autora recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, que, pelo acórdão de fls. 211, confirmou a decisão de improcedência, mas porque entendeu que o efeito da falta de fornecimento da informação pedida se traduzia antes na invocação da excepção de não cumprimento de uma obrigação contratual, justificando a recusa da ré em proceder ao pagamento da indemnização à autora: “em função dessa falta a ré podia recusar o cumprimento da obrigação de indemnização do sinistro mas essa recusa tem como causa jurídica a falta de informação e não a falta de qualquer dos elementos constitutivos do direito à indemnização, pelo que não assume a natureza de excepção material que impeça em definitivo o direito, extinguindo-o, mas de mera excepção de não cumprimento (…)”.

A autora recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça; mas o então relator não admitiu o recurso, por despacho que veio a ser revogado em conferência.

Tendo entretanto cessado funções o relator, houve nova distribuição.

Cumpre, portanto, conhecer do recurso.

  1. Nas alegações apresentadas, deixando agora de lado as que respeitam à questão da admissibilidade do recurso, a recorrente formulou as seguintes conclusões: «I - A recorrente não se conforma com o teor do Acórdão recorrido por considerar que o mesmo, salvo o devido respeito, padece de nulidade por excesso e pronúncia e erro de julgamento, violando a lei e errando na aplicação da lei do processo; (…) IV - Aliás, o Acórdão recorrido reconhece que a recorrida seguradora nunca invocou "expressamente" tal excepção [de não cumprimento] o que contraria a lei e o entendimento já expresso por este Mais Alto Tribunal no sentido de que "Para alem de articular factos que possam integrar a matéria de excepção de não cumprimento, deve ainda o Réu demonstrar, inequivocamente, que dela se pretende fazer valer".

    V - Pelo que, o Acórdão recorrido é nulo por excesso de pronúncia; VI - O Acórdão recorrido entendeu que no contrato de seguro de crédito o segurado está onerado com um amplo dever de informação a favor da seguradora, sem ter afirmado que a recorrente tenha violado ou posto sequer em causa tal dever; VII - Bem andou o Acórdão recorrido quando considerou que o segurado apenas tem de fornecer informações relativas aos créditos objecto da ameaça de sinistro, preenchendo assim os elementos constitutivos do seu direito à indemnização, e não de outros eventuais créditos; VIII - Afirmando expressa e assertivamente que "A informação prestada pela autora é absolutamente suficiente para a seguradora ter por identificado o crédito seguro...", e por isso concluiu que "(...) em rigor, não estava verificada nenhuma das situações previstas no n° 2 do artigo 11° (do Contrato de Seguro, leia-se)" – Cláusula invocada pela recorrida para a sua exoneração – e motivar a caducidade do direito da recorrente e em que a fundamentação da sentença da 1.

    a Instância assenta; IX - Outrossim, a alegada necessidade de comprovação de outros créditos ou dívidas que o Acórdão recorrido suscita – necessidade que recorrida não manifestou nos autos –, é absolutamente inconsequente e superabundante, pois não foram invocadas pela recorrida as causas de exoneração prevista nos termos do n.° 5 do artigo 3o das condições gerais; X - Sendo certo que, a referida necessidade de mais informação a prestar pela recorrente não foi acompanhada, na alegação e prova pela recorrida, da existência de uma eventual prorrogação de prazo sem o seu consentimento, o que foi constatado e reconhecido pelo Acórdão recorrido; XI - Pelo que, do teor do próprio Acórdão recorrido resulta que não se verifica nenhum dos fundamentos invocados pela recorrida seguradora com vista à improcedência da acção, ainda que numa inconsciente invocação da excepção de não cumprimento por não se estarem reunidos os seus requisitos; XII - Na verdade, no entendimento que expendeu, o Acórdão recorrido faz impender sobre o tomador do seguro um ónus absolutamente desequilibrado relativamente à seguradora, legitimando esta a incumprir a sua obrigação até que se considere satisfeita de dados, informações ou documentos, mesmo que aquele não esteja obrigado a fornece-los; XIII - Assim, a jurisprudência fixada no Acórdão recorrido, acaba por ser inaplicável aos presentes autos, uma vez que a matéria de excepção em que o mesmo assenta não foi validamente invocado pela recorrida, e nem existem factos que a fundamentem; XIV - A recorrida não invocou factos que configurem alguma das situações previstas no art.° 11.° das Cl. Gerais que poderiam fundamentar a exoneração da recorrida seguradora; XV - Nos termos do disposto nos art°s 426.° e 427.° do C. Com, os contratos de seguro são regulados pelas estipulações constantes da apólice que não sejam proibidas por lei, devendo os mesmos ser pontualmente cumpridos; XVI - O artigo 1o das respectivas condições gerais da apólice estabelece que a recorrida se obriga a indemnizar a recorrente dos prejuízos sofridos em consequência da verificação do risco de crédito, por ocorrência de um dos factores previstos no n.° 1 do artigo 2°, relativamente aos créditos decorrentes da actividade indicada nas condições particulares da apólice, abrangidas pelo seguro; XVII- Pelo que, ao abrigo das referidas normas e nos termos dos art.°s 1.°, 2.°, 3.° e 5.° da C. Gerais da apólice, é devida a indemnização à recorrente pela recorrida, não havendo fundamento para a exoneração da recorrida no seu pagamento; XVIII - Assim, o Acórdão recorrido violou o disposto nos art.°s 426.° e 427.° do C. Com, 342.° e 409.° e 429.° do Código Civil, e art.° 615.° e 666.° do CPC.

    Termos em que deve a presente Revista ser recebida e julgada procedente, e revogado o douto Acórdão recorrido e substituído por outro que julgue a acção totalmente procedente, com as legais consequências.» Nas contra-alegações, para além de sustentar a inadmissibilidade do recurso, a recorrida defendeu a respectiva improcedência.

    O acórdão do Tribunal da Relação do Porto de fls. 277 pronunciou-se no sentido de não se verificar a nulidade do acórdão de fls. 211, uma vez que se limitou a retirar consequências jurídicas da qualificação que deu a factos alegados pela ré na sua defesa, e dos quais a ré pretendeu extrair uma consequência (a “consequência máxima possível”) de maior alcance do que aquela a que o tribunal chegou: “No Acórdão não nos afastámos nem desses factos (os que traduzem o incumprimento da obrigação de prestação de informações pelo segurado) nem da questão para a qual os mesmos foram alegados (de saber se em virtude desses factos a seguradora ficou...

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