Acórdão nº 1248/14.6YRLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução14 de Dezembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA RT, sociedade sedeada em …, Hungria, e BB, sociedade sedeada em Paris, intentaram e fizeram seguir contra CC, Lda, com sede em Lisboa, a presente acção, no Tribunal Arbitral competente, pedindo que a mesma seja julgada procedente e, consequentemente, a ré condenada a abster-se de, em território português, ou visando a comercialização em Portugal, importar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer o medicamento genérico contendo Levonorgestrel 1,5 mg - nomeadamente o identificado no pedido de AIM publicado pelo Infarmed em 10.05.2013 para o medicamento Levonorgestrel 1,5 mg - sob qualquer designação ou marca, durante a vigência da EP 1448207, bem como a não transmitir a AIM, peticionando ainda a fixação de sanção pecuniária compulsória.

A ré defendeu-se, por excepção e por impugnação, tendo a final pugnado pela total improcedência da acção, assentando a sua defesa basicamente na excepção de nulidade da Patente Europeia n.° 1448207, por carecer de requisitos de patenteabilidade (método de tratamento) e ausência de novidade e actividade inventiva.

As autoras responderam à matéria de excepção de nulidade da referida Patente Europeia n.° 1448207 sufragando o entendimento de que a competência para apreciar e declarar a nulidade de uma patente compete ao Tribunal da Propriedade Industrial e não aos tribunais arbitrais -aduzindo ainda argumentos para sustentar a validade da referida patente.

Findos os articulados, o Tribunal Arbitral procedeu ao saneamento do processo, tomando posição sobre a competência para conhecer da alegada invalidade da patente europeia n.° 1448207, invocada pela ré, a título de excepção, tendo declarado a incompetência do Tribunal para apreciar e conhecer da excepção de invalidade da Patente Europeia n.° 1448207, deduzida pela demandada na sua contestação.

Tal decisão assentou na seguinte fundamentação: É verdade que, no âmbito desse procedimento, aos demandados (requerentes das AIM's) é assegurado o direito de defesa. Mas seria estranho que, relativamente a patentes em fim de vida, os requerentes de AIMs viessem invocar a respectiva invalidade para sustentar a procedência do pedido - tendo tido amplas oportunidades para o fazer em momento anterior - assim como seria estranho, muito estranho mesmo, que o pudessem fazer relativamente a patentes com prazos de vigência muito extensos, estando mais do que a tempo de impugnar a respectiva validade perante os tribunais judiciais competentes, em acção rodeada de especiais cautelas e em que podem intervir todos os interessados. Admiti-lo, seria abrir a porta para se contornar a limitação estabelecida pelo art. 35.° n.° 1 do CPI, privando esta disposição de grande parte do seu significado, pelo menos no que se refere às patentes de medicamentos. Com efeito, em elevado número de casos, os interessados na comercialização de medicamentos genéricos não teriam qualquer interesse em lançar mão da acção de nulidade, prevista naquele preceito legal, já que lhe será mais proveitoso (até pela vantagem competitiva que lhes advirá de uma eventual decisão favorável) recorrer ao subterfúgio consistente em requerer a concessão imediata de AIM para, suscitando a reacção do titular dos direitos exclusivos, atacar por via oblíqua a validade da patente e fazer apreciar a questão no âmbito de um processo que, na sua tramitação e extensão subjectiva, não se equipara à acção de nulidade regulada por lei.

De resto, a própria expressão literal do art. 2° da Lei n.° 62/2011 parece contradizer essa asserção. Aí se refere que os «litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial (...) relacionados com medicamentos de referência (...) e medicamentos genéricos (...) ficam sujeitos a arbitragem necessária» (sublinhado nosso; cfr. também, o art. 3.° n.° 1). Não se afigura, pois, ficar abrangida a discussão sobre a existência ou a validade da própria patente. Até porque se trata de um procedimento que se pretende célere e que, por isso, não se compadece com o aprofundamento dessa questão.

Não parece, portanto, ter sido intenção do legislador deslocar para os tribunais arbitrais todos os aspectos do contencioso gerado em torno de pedidos de AIM que envolvam a violação de patentes que se encontrem em vigor.

Salvo o devido respeito, não se revela também procedente o argumento, aduzido pela demandada, segundo o qual este Tribunal se vinculou a apreciar a questão da validade da Patente Europeia n.° 1448207 quando adoptou a Acta de Instalação por que se rege a presente arbitragem. Com efeito, a disposição deste documento a que a demandada se reporta limitou-se a prever a possibilidade de um aumento dos encargos da arbitragem (respeitantes aos honorários dos árbitros), caso fosse «suscitada qualquer excepção de invalidade ou de ineficácia de uma patente» ou houvesse «incidentes da instância». Ora, como se verifica pela necessidade de elaboração do presente despacho, a simples invocação da excepção de invalidade da patente determina um acrescido labor ao tribunal, na medida em que implica a análise e decisão sobre um delicado problema de arbitrabilidade e de competência do tribunal. Terá sido isso (e apenas isso) que se pretendeu acautelar com a referida disposição, sem fazer qualquer pré-juízo sobre o sentido da resposta que o Tribunal iria dar ao problema.

Seria, de resto, inédito que uma disposição tendente a regular o modo de determinação dos encargos de uma arbitragem pudesse, por si mesma, facultar um alargamento do respectivo objecto. Este surge claramente delimitado no ponto 7 da mesma Acta de Instalação, onde se afirma que o «objecto do litígio decorre do que consta do fax enviado pelas demandantes à demandada, em anexo a esta acta, e consiste no exercício dos direitos que as demandantes invocam, nomeadamente os constantes do disposto no artigo 101.° do Código de Propriedade Industrial e que, no caso concreto, decorrem da Patente Europeia n.° 1448207, sendo o medicamento de referência o "Norlevo", relativos aos medicamentos genéricos com a substância activa "Levonorgestrel", constantes da lista publicada pelo Infarmed - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP, na respectiva página electrónica, em 10.05.2013, e que se contenham no âmbito da Lei n.° 62/2011, de 12 de Dezembro».

Ora, como aparenta ser óbvio, as regras do ponto 39 da Acta de Instalação subordinam-se ao objecto do litígio definido pela disposição que acaba de se transcrever, não podendo constituir qualquer indicação sobre o sentido da decisão do tribunal a respeito da admissibilidade ou não do alargamento deste último para além dos limites que o tribunal considerar compreendidos «no âmbito da Lei n.° 62/2011, de 12 de Dezembro».

Acrescenta-se uma última nota para salientar o facto de, como atrás se observou, a controvérsia que divide as partes incidir sobre uma Patente Europeia cujo período normal de vigência se estende até ao ano de 2022. A demandada, querendo fazê-lo, está muito a tempo de sujeitar a validade da PE n.° 1448027 ao escrutínio do tribunal competente para esse efeito: o Tribunal da Propriedade Intelectual. A decisão que ora se profere não coloca, portanto, minimamente em causa a efectividade da tutela jurisdicional dos direitos que a demandada se arroga. Aliás, a tese que sustenta a competência dos tribunais arbitrais para apreciar a questão da invalidade das patentes a título incidental é que poderá suscitar enormes reservas quanto à salvaguarda desse direito, na medida em que, a proceder tal entendimento, caso o titular de uma AIM não invoque a excepção de invalidade no âmbito da acção arbitral necessária, poderá ver precludir o direito de o fazer mediante pedido autónomo, em consequência do disposto no art. 489º, nº1, do CPC (que impõe que todos os meios de defesa devem ser deduzidos na contestação).

Este acórdão teve voto de vencido em cuja declaração se pode ler "... entendo que o Tribunal Arbitral deveria ter admitido a sua competência para julgar, a título incidental, a dita excepção..."- com base na seguinte linha argumentativa: Essa competência é, acima de tudo, uma exigência dos princípios do contraditório e do processo justo que a Constituição da República Portuguesa garante no art. 20.° n.° 4; pois de outro modo o demandado numa acção fundada na alegada violação de patente ficaria inibido de contraditar factos essenciais invocados pelo demandante como causa de pedir, restringindo-se assim de modo intolerável os seus direitos de defesa. Os fundamentos do Processo Civil português reclamam, pois, a meu ver, o reconhecimento aos Tribunais Arbitrais da competência para conhecerem e julgarem, a título incidental, a excepção de invalidade da patente deduzida pelos demandados nas arbitragens necessárias instituídas pela Lei n.° 62/2011.

É precisamente por isso que o art. 91.° n.° 1 do Código de Processo Civil estabelece que o Tribunal competente para a acção o é também para conhecer das questões que o réu suscite como meio de defesa; regra esta que vale também, atentas as razões que a fundamentam, para a arbitragem. (...) Este argumento é, desde logo, contrariado pelo facto, a que se aludiu acima, de em diversos Estados Membros da União Europeia se admitir hoje a competência dos tribunais arbitrais para conhecerem incidentalmente da validade de patentes. (...) A isto se deve acrescentar que o risco de decisões contraditórias sobre a questão da validade da patente, a que se faz referência no dito despacho em apreço, é devidamente acautelado pela previsão, no art. 3.° n.° 7 da Lei n.° 62/2011, de que das decisões arbitrais proferidas nas arbitragens instauradas ao abrigo deste diploma legal cabe recurso para o Tribunal da Relação competente, assim se assegurando a uniformização da jurisprudência sobre as matérias decididas pelos referidos tribunais. Pelo que este argumento contrário à competência arbitral para julgar a oponibilidade de uma patente tem de ser tido como imprudente. (...) Não...

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