Acórdão nº 473/14.4T8LRA.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução18 de Janeiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

AA, Sociedade Vendedora de Acessórios, Lda, instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB, Componentes e Máquinas Industriais, S.A., CC, DD, e BB Imobiliária, Investimentos e Gestão de Imóveis, S.A.

, pedindo a condenação dos RR. solidariamente a pagarem à A. as seguintes quantias: “a) montante de € 90.000,00 (noventa mil euros), correspondente ao valor contratualmente estipulado na Cláusula Quinta, n.º 4 do referido Contrato Promessa; b) montante de € 60.000,00 (sessenta mil euros), correspondente ao acréscimo mensal de € 2.500,00 que a Autora pagou à 1.ª Ré durante 24 meses (de Julho de 2012 a Junho de 2014); c) montante de € 23.326,06 (vinte e três mil, trezentos e vinte e seis euros e seis cêntimos), referente aos juros de mora vencidos até à presente data (10.10.2014); d) juros de mora vincendos, à taxa legal em vigor entre as empresas comerciais, desde a presente data (10.10.2014) até efectivo e integral pagamento”.

Como fundamento alegou, em síntese, ter a 1ª R. celebrado, em 10 de Julho de 2009, com a sociedade FF - Máquinas, Máquinas e Equipamentos Unipessoal, Lda, contrato denominado de “Promessa de Arrendamento não habitacional com opção de compra”, por cujos termos a BB, Componentes e Máquinas Industriais, S.A. prometeu arrendar à segunda contraente FF-Máquinas os prédios urbanos ali identificados.

Por contrato de cessão da posição contratual, celebrado em 31 de Agosto de 2010, a referida FF-Máquinas transmitiu à A. a sua posição no contrato celebrado com a BB, Componentes para Máquinas Industriais, S.A., a qual veio posteriormente a vender os prédios prometidos arrendar à 4.ª R. sem que, todavia, tivesse dado prévio conhecimento à demandante da celebração deste negócio.

Mais alegou que o aludido contrato promessa de arrendamento celebrado entre a FF-Máquinas como promitente arrendatária e a BB, Componentes para Máquinas Industriais, S.A. como promitente senhoria, se enquadrava num contrato mais amplo celebrado entre as mesmas partes, denominado “Contrato promessa de compra e venda com vista à aquisição de Negócio de peças OEM” e de “Negócio de assistência técnica”, consubstanciado na celebração do “Contrato Promessa de cessão de quotas, trespasse de estabelecimento e compra e venda de imóveis” junto com a p.i. como doc. nº 3. Nos termos aqui estabelecidos as partes outorgantes acordaram entre si a celebração de uma série de contratos visando a aquisição pela FF-Máquinas, Lda. dos negócios de comercialização de peças OEM e de assistência técnica, à data desenvolvidos pela BB. Assim, e para além do aludido contrato promessa de arrendamento, as partes previram e estabeleceram a outorga de contratos de cessão de quotas referentes a várias sociedades, e de um contrato de trespasse, sendo que, na pática, com a celebração de tais contratos, a FF-Máquinas adquiria à 1.ª R. as sociedades através das quais esta última explorava as actividades de comércio de peças OEM e de assistência técnica a equipamentos industriais e arrendava os imóveis nos quais tais empresas se encontravam já instaladas e a laborar.

Foram celebrados entre as partes todos os contratos definitivos previstos - tanto os relativos às cessões de quotas como o contrato de trespasse - com a excepção do contrato de arrendamento prometido tendo por objecto os três imóveis nele identificados. Este último contrato não foi celebrado face à inexistência da respectiva licença de utilização. Todavia, considerando o interesse da promitente arrendatária na utilização dos três imóveis em causa ou, até, eventualmente, na aquisição dos mesmos, uma vez que albergavam as instalações das sociedades adquiridas, acedeu aquela na celebração do contrato-promessa, informando, no entanto, a 1.ª R., que só aceitaria a outorga de tal promessa na condição desta última (e o seu administrador, o R. CC) diligenciar(em) no sentido da adaptação dos imóveis ao exercício das actividades que a promitente arrendatária aí pretendia desenvolver, a saber, a “exploração da actividade de prestação de assistência técnica a máquinas para construção civil e obras públicas, comercialização de peças e equipamentos e serralharia”, obtendo para tanto a pertinente licença.

Sucede, porém, que, desde a entrega do imóvel à promitente arrendatária, em Julho de 2009, até à data do termo do contrato, a 1.ª R. não realizou quaisquer trabalhos ou obras de alteração ou beneficiação nos três imóveis arrendados, mantendo-se os mesmos nos exactos termos em que foram entregues à primeira.

Por carta datada de 14/04/2012, o 2.º R. comunicou à A. a obtenção da licença de utilização dos imóveis identificados no contrato promessa de arrendamento. Todavia, não só da mesma constava ter sido emitida apenas para a actividade de “Oficinas de Componentes Industriais”, como respeitava somente a um dos imóveis, tendo a A. ficado com sérias dúvidas quanto à regularidade da licença emitida, uma vez que não haviam sido realizadas pela 1ª R. quaisquer obras de adaptação dos imóveis tendo em vista a obtenção do respectivo licenciamento para os fins pretendidos.

Face às dúvidas suscitadas, solicitou a A. vários esclarecimentos à 1ª R., bem como o envio de cópias das plantas e demais elementos relativos aos edifícios, solicitação nunca atendida. Tendo então a A. procedido a diligências várias, descobriu que a promitente senhoria, 1ª R., procedera à anexação dos três prédios prometidos arrendar, criando uma descrição única, tendo de seguida procedido à alienação do imóvel assim obtido à sociedade BB Imobiliária – Investimentos e Gestão de Imóveis, S.A. (4ª R.), nada tendo comunicado à A., a despeito de esta ser titular do direito de opção na compra dos identificados imóveis.

Tendo ainda procedido à consulta do processo de licenciamento na Câmara Municipal de …, verificou a demandante que, para além da licença emitida não permitir o exercício da actividade de comercialização de peças, equipamentos ou serralharia, os projectos e relatórios apresentados pela promitente senhoria para efeitos de obtenção do alvará de utilização apresentavam diversas imprecisões relativamente à realidade dos edifícios existentes, com destaque para a relevante omissão da existência de fibrocimento e amianto na cobertura da oficina.

Por tal motivo a A. comunicou à 1ª R., por carta datada de 06/07/2012, que não aceitava a licença de utilização que lhe fora enviada, tendo então solicitado o montante compensatório de € 90.000,00 previsto no número quatro da Cláusula Quinta do Contrato Promessa de Arrendamento, que disse pretender manter em vigor até ao final do prazo inicial contratualmente estabelecido, mas com a redução do valor da renda mensal para € 7.500,00, de acordo com o ali igualmente estipulado.

Em resposta, a 1ª R. enviou à A. a comunicação junta como doc. nº 6, acompanhada de nova licença de utilização, recusando o pagamento do montante de € 90.000,00 reclamado e, igualmente, a redução da renda mensal, ameaçando com o despejo, o que levou a A. a continuar a pagar os € 10.000,00 mensais, sem embargo de ter comunicado à 1ª R. que se reservava o direito de posteriormente reclamar desta a devolução das diferenças pagas.

Com efeito, conforme veio a ser posteriormente verificado pela Câmara Municipal de … em vistoria que teve lugar em 2014, o imóvel não possuía as características mínimas necessárias à emissão do alvará de utilização, sendo que a única justificação para a emissão de tal licença reside no facto da mesma ter sido emitida exclusivamente com base nas informações e documentos entregues pela 1ª R. na Câmara Municipal, sem que esta tenha exercido qualquer actividade fiscalizadora, fazendo fé nas declarações do técnico responsável pela direcção técnica da obra, subscritor dos projectos.

O incumprimento contratual por parte da 1ª R. concede à demandante o direito de accionar a cláusula 5.ª, tendo portanto direito ao montante de € 90.000,00 ali previsto e à restituição dos montantes pagos em excesso a título de rendas, que ascendem a € 60.000,00, até à data da cessação do contrato (em 10/07/2014), uma vez que, por carta datada de 03/05/2013, a 1ª R. comunicou à A. a denúncia do mesmo para o termo do período inicial.

A 1ª R. recusa serem devidas as quantias reclamadas, defendendo a validade da licença de utilização, o que justifica a presente demanda. Contestaram os RR. e, defendendo-se por excepção, invocaram a incompetência material do Tribunal da Comarca de …, antes defendendo ser o foro administrativo o competente, por estar em causa a validade da emissão de alvará pela Câmara Municipal de …, tendo ainda a R. BB Imobiliária – Investimentos e Gestão de Imóveis, S.A., arguido a sua ilegitimidade, por não ter sido parte no contrato nem ter assumido qualquer responsabilidade pelo cumprimento do mesmo. Em sede de impugnação defendeu a validade do alvará, para além do facto de a A. ter sempre utilizado os três edifícios, sem qualquer entrave ou perturbação de ordem administrativa municipal ou qualquer outra, tendo até encetado negociações com o legal representante da BB para fazer cessar o contrato em execução e celebrar um outro de arrendamento para vigorar até 2019. Acrescentou que a única razão de ser da obtenção do alvará foi a da previsibilidade da aquisição dos imóveis, e não propriamente o arrendamento, contrato para o qual não era necessária a sua exibição, concluindo inexistir qualquer fundamento para a condenação da contestante no pagamento das quantias reclamadas.

A A. respondeu à matéria da excepção da incompetência em razão da matéria, pugnando pela sua improcedência.

Foram solicitados esclarecimentos à A., que apresentou articulado em obediência ao determinado, vindo a R., no exercício do contraditório, insurgir-se quanto ao facto daquela ter excedido, em seu entender, os limites definidos pelo despacho proferido, mais pedindo a sua condenação como litigante de má-fé, com atribuição de indemnização a seu favor, que pretende de...

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