Acórdão nº 5619/08.9TBMTS-B.P1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelFÁTIMA GOMES
Data da Resolução09 de Janeiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1. AA - , Lda.

deduziu embargos de terceiro por apenso à acção executiva que o Banco ... SA instaurara contra BB, CC, DD e EE, Lda., pedindo que se determine o levantamento da penhora do imóvel que identifica e que se encontra penhorado nos autos de execução, com o consequente cancelamento do respectivo registo.

Os embargos seguiram os seus trâmites e a final foi proferida decisão que os julgou improcedentes por não provados.

Não se conformando com o decidido, a embargante interpôs recurso de apelação, tendo o Banco embargado apresentado contra-alegações.

2.

O Tribunal da Relação veio a julgar a apelação procedente por provada e, consequentemente, revogou a decisão recorrida ordenando o levantamento da penhora efectuada nos autos quanto ao dito imóvel e o cancelamento do respectivo registo, correspondente à Ap. n.º 568, de 21/02/2011.

3.

Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso de revista o Banco ... SA.

Nas conclusões do recurso diz (por transcrição): “1. Vem o presente recurso de revista interposto do douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto que julgou procedente a Apelação, por provada, e, consequentemente, determinou a revogação da douta sentença proferida em 1ª instância.

  1. Ao assim julgar, o douto Acórdão, de que aqui se recorre, violou designadamente o disposto nos artigos 9.º, 601.º, 817.º e 819.º, todos, do Código Civil (CC) e artigos 831.º e 735.º, ambos, do Código de Processo Civil (CC).

  2. Como resulta da matéria de facto provada, o registo da penhora do imóvel efetuado nos autos principais de execução a favor do Banco aqui Recorrente ocorreu em 21/02/2011, sendo que, posteriormente, em 23/02/2011 o Executado, BB, e a Embargante/Recorrida celebraram a escritura de compra e venda, nos termos da qual o primeiro vendeu à segunda o imóvel penhorado nos autos.

  3. E, na ótica da tese propugnada no douto Acórdão em causa, nada na Lei impede a eficácia de tal venda ocorrida fora dos limites da ação executiva.

  4. O certo é que no caso dos autos, quando a penhora foi registada ainda não se havia operado a transferência da propriedade do imóvel para a Embargante/Recorrida, pois o contrato prometido só viria a ser celebrado em data posterior.

  5. Nessa medida, a celebração do contrato prometido é inoponível à penhora registada à ordem dos autos e não podia o Executado, nem a Recorrida ignorar a existência da penhora anterior e optar pela transmissão do imóvel.

  6. Não discorda a aqui Recorrente que a oponibilidade erga omnes do contrato-promessa com eficácia real determina a invalidade ou ineficácia dos atos jurídicos realizados em sua violação.

  7. No entanto, como é sabido, na esteira de grande parte da doutrina e jurisprudência, o contrato promessa apenas cria a obrigação de contratar, a que corresponde o direito de crédito da contraparte de exigir o seu cumprimento, produzindo mero efeito obrigacional de concluir um futuro contrato sem produzir efeitos reais.

  8. De forma que, a celebração de um contrato promessa com eficácia real, enquanto instrumento jurídico que se limita a conferir o direito à celebração do contrato prometido, não obsta à penhora e venda do bem no processo executivo.

  9. Apenas obriga a que esse direito seja reconhecido no processo de execução, isto é, que o direito de aquisição de que goza o promitente comprador seja atendido no momento da realização da venda executiva.

  10. Pois, como resulta do preceituado no artigo 913.º CPC, se o bem tiver sido prometido vender em contrato promessa com eficácia real, o promitente comprador pode exercer o direito de execução específica no processo de execução fiscal, sendo-lhe feita diretamente a venda, dado que ele dispõe de um direito real de aquisição sobre o bem penhorado que foi colocado à venda.

  11. A referência expressa à promessa com eficácia real corresponde exatamente ao segmento da norma que se apresenta operante no contexto deste recurso, na medida em que a própria Lei prevê expressamente um meio próprio e específico para a satisfação do direito alegado pela Recorrida.

  12. O cerne da questão esta, pois, em saber como conciliar o exercício do direito à execução específica da promessa com eficácia real sobre o bem penhorado com o direito do exequente de obter o pagamento da dívida exequenda com o produto da venda do bem.

  13. Essa resposta é evidente e está expressamente consagrada na Lei.

  14. Qualquer pretensa ofensa do direito a celebrar o contrato definitivo, encontra solução no transcrito artigo 831.º do CPC (anterior artigo 903.º).

  15. Portanto, à questão formulada no douto Acórdão em recurso: Se o promitente comprador, em contrato promessa de compra e venda dotado de eficácia real que viu registada penhora depois do registo daquele contrato promessa, estava impedido de outorgar escritura publica com o promitente vendedor referente à compra e venda prometida, por ter que exercer o seu direito no âmbito da respectiva execução, a resposta só pode ser positiva, tendo em conta o precisamente o estatuído no artigo 903.º do CPC.

  16. O que é admitido no próprio Acórdão do Tribunal da Relação do Porto na parte em que lê: “Não fora a norma do artigo 903.º do CPCivil (atual artigo 831.º) a resposta a tal questão não poderia deixar de se positiva”.

  17. E o recurso ao mecanismo vindo de referir, nos casos abrangidos pela sua previsão, é obrigatório.

  18. Até aqui parece que o vindo de expor é, em certa medida, corroborado pelo Acórdão recorrido, dado que “dúvidas não existem relativamente ao necessário exercício da execução específica na própria execução” – cfr. fls 866 verso do Douto Acórdão. (Sublinhado e negrito nossos).

  19. O que não se entende e é incompreensível - salvo o devido respeito - é a aceção logo a seguir propugnada pelo Tribunal Recorrido no sentido de limitar tal necessidade, de exercício da execução específica na própria execução, às situações em que execução esteja em fase de venda.

  20. Sendo incompreensível a forma forçada e subjetiva com que o Tribunal recorrido fundamenta a inaplicabilidade daquele regime, ao entender que “se não poderá impor ao promitente comprador que espere, por vezes, largos anos, para exercer o seu direito ao cumprimento voluntário,…» ou «…que espere pela venda judicial do bem em função da penhora que sobre ele incide”.

  21. Antes de mais: será que aos “olhos” da Justiça, no caso sub judice, é a posição do promitente comprador que merece maior tutela? Será a expectativa sobre a aquisição de um bem merecedora de maior tutela do que a expectativa de se ver ressarcido de um crédito? 23. Ao socorrer-se de tal interpretação restritiva do artigo 903.º do CPC (atual 831.º), o Tribunal recorrido incorreu em errada interpretação da Lei.

  22. Na interpretação da Lei, dever-se-á necessariamente atender, em primeiro lugar ao elemento literal da lei, excluindo desse modo a interpretação que não tenha na letra da norma um mínimo de correspondência 25. Por outro lado, não podem ser olvidados os elementos o sistemático, o histórico e o teleológico, reportados essencialmente à unidade do sistema jurídico e à justificação social da lei.

  23. Com efeito, no artigo 9.º do CC consagram-se os princípios gerais sobre o método de interpretação das leis, visando o legislador, desse modo, conciliar, o interesse da retidão e do progresso da ordem jurídica, mediante a presunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas, assim como a certeza do direito, com a decorrente segurança do comércio jurídico, assentes na presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequado.

  24. Segundo a doutrina tradicional, o intérprete, socorrendo-se dos elementos interpretativos acabados de referir, acabará por chegar a um dos seguintes resultados ou modalidades de interpretação: interpretação declarativa, interpretação extensiva, interpretação restritiva, interpretação revogatória e interpretação enunciativa.

  25. Na interpretação restritiva, que é a que interessa, o intérprete chega à conclusão de que o legislador adotou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que se pretendia dizer.

  26. Só poderá justificar-se uma interpretação restritiva se no atendimento do teor literal, nos termos genéricos em que surge formulado, o sentido achado na letra se mostra contraditório com outro já existente, ou mesmo se a lei a interpretar contém em si uma contradição, mostrando-se ultrapassado o fim para que foi criada a norma, 30. E tal tem que decorrer, de forma percetível, do texto da Lei, retirando-se, ainda que indiretamente, uma alusão ao sentido que o intérprete venha acolher, resultante da interpretação.

  27. Situação que aqui não ocorre.

  28. A Lei é clara e expressa ao estipular que “Se os bens houverem, por lei, de ser entregues a determinada entidade, ou tiverem sido prometidos vender, com eficácia real, a quem queira exercer o direito de execução específica, a venda ser-lhe-á feita diretamente” 33. Do seu enunciado não resulta que seja permitido uma interpretação restritiva no sentido de limitar a obrigatoriedade de recurso ao necessário exercício de execução específica na própria execução às situações em que nesta se esteja na fase de venda.

  29. Ou seja, não pode concluir-se que o legislador se exprimiu de forma ampla e genérica, quando se queria reportar a uma determinada situação jurídica.

  30. E essa conclusão sai reforçada se atendermos aos demais elementos a ter em conta na interpretação da Lei; Ou seja, aos elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica.

  31. Tal interpretação violaria, desde logo, o disposto nos artigos 601.º do CC, 817.º do CC e 735.º CPC, - permitindo-se que, em determinados casos - rectius, nas situações que não se esteja na fase de venda - o registo de uma promessa de alienação, com eficácia real, sobre um bem do devedor determinasse a sua exclusão do âmbito da universalidade do seu património que responde pelas dívidas.

  32. Estar-se-ia, pois, a coartar, senão mesmo esvaziar, a aplicabilidade prática do...

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