Acórdão nº 511/16.6PKLSB.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelPIRES DA GRAÇA
Data da Resolução21 de Fevereiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Como consta do relatório do acórdão recorrido, proferido nos autos de recurso penal 511/16.6PKLSB.L2, pela 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: : “AA, filha de ... e de ..., nascida a ... de 1973, natural da freguesia de ..., em ..., foi acusada, pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, de 1 (um) crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelos artigos 131 e 132, n.ºs 1 e 2, alíneas b) e h) do Código Penal e de 1 (um) crime de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 152, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Código Penal. A arguida através de acórdão proferido no processo 511/16.6PKLSB, da comarca de Lisboa –Lisboa-Instância Central-1ª Secção Criminal-J5, foi alvo das seguintes condenações: - a) condenar a arguida AA pela prática, como autora material, na forma consumada em concurso real, de 1 (um) crime de violência doméstica previsto e punido nos termos do disposto no artigo 152, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão; b) condenar a arguida AA pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de 1 (um) crime de homicídio qualificado previsto e punido nos termos dos artigos 131 e 132, n.ºs 1 e 2, alínea b) do Código Penal, na pena de 14 (catorze) anos de prisão, absolvendo-a da qualificativa prevista na alínea h) do n.º 2 do artigo 132 do Código Penal, pela qual vinha acusada; e) condenar a arguida AA em cúmulo jurídico na pena única de 14 (catorze) anos e 8 (oito) meses de prisão; (…) A arguida encontra-se na presente data sujeita à medida de coacção de OPHVE.

Não se conformando com a sentença proferida, veio a arguida no pretérito, devidamente identificada nos autos interpor recurso daquela sentença a folhas 765 até 781, o qual foi devidamente apreciado por este Tribunal através de acórdão proferido em 9 de Março de 2017, através do qual se determinou julgar parcialmente provido o recurso interposto pela arguida, declarando-se nulo o acórdão recorrido, no tocante à operação da fundamentação da medida concreta das penas parcelares, bem como da fundamentação da pena única nos termos do disposto no artigo 379º nº 1 al.a) e c), com referência ao artigo 374º nº 2, ambos do CPP, determinando-se a feitura de novo acórdão pelo mesmo Tribunal e relator que o elaborou, circunscrito à medida concreta das penas parcelares, nos termos supra descritos naquele acórdão, bem como depois da operação da pena única através do cumulo jurídico, nos termos do artº 77º do CP, suprindo-se por conseguinte os vícios atrás referidos.

Foi proferido novo acórdão pelo Tribunal “ a quo”, no seguimento do ordenado, o qual se encontra devidamente exarado a folhas 478 até 1019.

Deste acórdão veio a arguida interpor recurso [..]” E, julgando o recurso, veio aquela Relação decidir por acórdão de 27 de Outubro de 2017: “1.Julgar não provido o recurso interposto pela arguida e ora recorrente, devidamente identificada nos autos, confirmando-se na integra o acórdão recorrido; 2.Custas a cargo da arguida, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC ( artº 513º nº 1 do CPP) 3.Notifique-se, e também pessoalmente arguida e D.N.”: Inconformado, recorreu a arguida para este Supremo, apresentando a motivação de recurso, com as seguintes: “CONCLUSÕES: 1. As decisões recorridas não respeitaram o comando do Tribunal da Relação de Lisboa, que ordenou a repetição da sua elaboração, desde logo porque, a bem da verdade, continuam a não ser consideradas factos que deviam ter sido, de acordo com o Acórdão a que o Tribunal a quo estava adstrito, depois porque, mais importante, dessas circunstâncias atenuantes deviam ter sido, com o devido respeito, retiradas conclusões que objectivassem uma redução de pena – que não foi considerada.

  1. Nesses precisos termos, desde já se requer que na análise ao presente recurso, sejam tidas em conta essas questões, com as seguintes implicações: 3. Ou através de comando que ordene o Tribunal a quo a rectificar, de facto, a decisão proferida, considerando as circunstâncias atenuantes; 4. Ou através de Acórdão que revogue o acórdão proferido em primeira instância, confirmado na segunda, não se considerando, o que se admite sem conceder, por imperativo de pelo patrocínio, as questões que a seguir se colocarão, substituindo a pena aplicada por outra que considere a necessária atenuação, em conformidade com o exposto no primeiro Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

  2. Dos autos não resultam provados os crimes em agenda. Bem pelo contrário, resulta provado que a arguida não cometeu o crime de violência doméstica e resulta evidenciado que a arguida terá actuado, no facto qualificado como homicídio, em legítima defesa.

  3. Na verdade, há dois factos dados como provados que servem de baliza a todo o processo que aqui se traz e que, no fundo, não podem ser abandonados pelo jurisprudente – como foi feito, com todo o respeito, pelo tribunal a quo: 7. PONTO 4 da matéria provada – A arguida e o ofendido BB discutiam e batiam-se mutuamente, sendo na maior parte das vezes por razões de ciúme mútuo e por questões monetárias.

  4. PONTO 16 da matéria provada – De regresso a casa, por volta das 06 horas do dia 23 de Março de 2016, e já no interior da residência começaram a discutir por questões relacionadas com falta de dinheiro e por ciúmes, discussão travada em tom de voz elevado e enquanto a arguida andava de um lado para o outro atrás do ofendido BB, este repetia várias vezes: “mas o que é que eu te fiz?” 9.

    Como se apreende de uma leitura atenta da matéria de facto provada no presente, não ressalta nenhum evidente (nem, em abono da verdade, menos evidente) que demonstre a exigência qualitativa de resultado – vitima mais ou menos permanente.

  5. A necessidade, a exigência, de um resultado para que se consuma o crime de violência doméstica, ao contrário da decisão recorrida, não só não se verifica no presente processo, como não se verificou na realidade dos factos – o que resultou da prova testemunhal.

  6. Ao decidir como decidiu, nesta questão, o acórdão recorrido violou o artigo 152.º 1 alínea a) e n.º 2 do Código Penal, devendo, por isso, ser substituído por douto Acórdão que revogue a incriminação da arguida.

  7. A arguida defendeu, desde a primeira hora, que actuou em legítima defesa, considerando dois factores: que sofria agressões permanentes e que, não menos importante, no dia e hora aqui em análise foi vítima de uma tentativa de homicídio, ou de agressão, por parte de seu marido, através da tal faca que trespassa este processo e que é por diversas vezes referida no acórdão recorrida e que, por isso, se defendeu.

  8. Mas não podemos deixar de manifestar um desconforto – que é o mínimo que se pode dizer – perante um acórdão que condena uma mulher, Mãe extremosa de quatro filhos, que sofreu as agruras de uma vida complexa e violenta, sem que lhe seja dado o benefício da dúvida.

  9. O benefício da dúvida deve prevalecer e essa especifica dúvida deve beneficiar a arguida.

  10. Pelo que os factos, todos, que estão provados no presente, as fotografias do local, as declarações da arguida referidas no acórdão e todas as outras declarações, também referidas no acórdão recorrida, levam a que se considere a aplicação, ao presente, da legítima defesa, referida no artigo 32.º do Código Penal – máxime, o artigo 33.º do Código Penal, na modalidade de excesso de legítima defesa.

  11. Assim ao decidir como decidiu, nesta questão, o acórdão recorrida violou os artigos 32.º, 33.º e o artigo 131.º e 132.º n.ºs 1 e 2, alínea b) do Código Penal, devendo, por isso, ser substituída por douto Acórdão que revogue a incriminação da arguida.

  12. Atento todo o exposto, a vida da arguida, as suas condicionantes e, especialmente, as circunstâncias específicas em que o crime se terá perpetrado, não se verifica a qualificação do mesmo, caso não se considere a legítima defesa, o que se admite, sem conceder, por imperativo de pleno patrocínio.

  13. Bem pelo contrário, o crime em agenda, caso se considere assim, terá sido praticado num momento de especial vulnerabilidade da arguida, que, movida pelo momento, pelas circunstâncias, terá actuado daquela maneira – e não de outra, por infortúnio.

  14. Pelo que, sem mais considerandos, a decisão recorrida viola os artigos 131.º e 132.º n.ºs 1 e 2, alínea b) do Código Penal, devendo, por isso, ser substituída por douto Acórdão que revogue a incriminação da arguida nos termos aplicados.

  15. Na determinação da pena concreta a aplicar, deve o tribunal atender a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do crime, depuseram a favor do arguida ou contra ela (art. 72.º, n.º 2 do C.P.).

  16. Ao decidir como supra se expendeu, o tribunal a quo violou os arts. 70.º e 71.º do C.P.

  17. O acórdão recorrido interpretou, assim, erradamente o disposto no art. 72.º do C.P. pois não valorou as circunstâncias concretas que militam a favor do arguida.

  18. Todavia, um outro aspecto não pode deixar de merecer a atenção do recorrente: a falta de sensibilidade judicativa que, também em sede de determinação da pena, foi timbre do tribunal recorrido.

  19. Na ponderação da pena a aplicar, deve o julgador atender a uma sanção que deva ser aplicada ao prevaricador – sendo certo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (cfr. art. 40.º, n.º 2 do CP” – por forma a prevenir que este venha a pautar a sua conduta extravasando o juridicamente permitido, devendo, por isso mesmo, servir a pena objectivos de ressocialização.) 25. Assim, ao atender apenas a necessidades de prevenção especial que, conforme resulta dos autos e do texto do próprio acórdão não existem, o tribunal a quo violou o disposto nos arts. 70.º e 71.º do C.P.

  20. Nestes termos, o acórdão recorrido viola os artigos 32.º, 33.º, 70.º, 71.º, 72.º, 152.º 1 alínea a) e n.º 2, 131.º e 132.º n.ºs 1 e 2, alínea b) do Código Penal, devendo ser ser substituído por douto Acórdão que revogue a incriminação da arguida.

    Termos em que...

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