Acórdão nº 125/97.8IDSTB-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelVINÍCIO RIBEIRO
Data da Resolução28 de Fevereiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I. RELATÓRIO a) Pedido «AA, arguido nos autos à margem referenciados, vem, mui respeitosamente, apresentar a sua Petição de Habeas Corpus Nos termos e pelos seguintes fundamentos: 1. Por decisão transitada em julgado no dia 06-01-2004, pela prática dos seguintes crimes: 1 crime de Fraude fiscal, p.p. pelo art.º 23º do Dec. Lei n.º 20-A/90 e Dec. Lei 394/93, de 24/11, praticado em 04-01-1995; 1 crime de Abuso de confiança fiscal, p.p. pelo art.º 24º do Dec. Lei n.º 20-A/90 e Dec. Lei 394/93, de 24/11, praticado em 04-01-1995; o arguido foi condenado na pena única e global de 2 anos, cuja execução foi suspensa pelo período de quatro anos.

  1. Contudo, a referida suspensão tinha como condição a imposição de pagamento a Autoridade Tributária, no prazo de 2 anos o valor de 106.804,77 euros 3. Por douto despacho que transitou em julgado em 20.06.2010, foi revogada a suspensão da referida pena.

  2. Salvo o devido respeito, deve-se dizer que a aplicação da pena efectiva de prisão, resultante da revogação da suspensão concedida, mostra-se como inadmissível.

    Senão vejamos, 5. Computando o lapso temporal decorrido, no caso concreto, desde o trânsito em julgado da decisão de revogação da pena suspensa (ocorrido em 20.06.2010), altura em que se iniciou o prazo de prescrição da pena de prisão e o cumprimento dos mandados de detenção do arguido para cumprimento de pena (ocorrido em 20.12.2017) é manifesto que já decorreu o prazo prescricional a que alude o art. 122, nº 1, al. d) do CP 6. Ora, como se refere, entre outros, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de outubro de 2010 (publicado em www.dgsi.pt), “a suspensão da execução da pena como pena de substituição que é pressupõe que a sentença que a aplica determine, previamente, a pena principal (de prisão) concretamente aplicável ao caso e que vai ser substituída e só a revogação da suspensão determinará o cumprimento dessa pena principal (de prisão).

    “Assim, só com a decisão que revogue a pena substitutiva de suspensão e determine a execução da prisão se inicia o prazo de prescrição desta pena principal.” Importa, no entanto, que tal decisão de revogação seja proferida dentro do prazo prescricional da pena suspensa, autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída (cfr. em idêntico sentido, o acórdão do STJ de 13 de fevereiro de 2014 e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4 de julho de 2013, in www.dgsi.pt).

  3. Ora, tendo a decisão de revogação da suspensão sido proferida depois do decurso do prazo de prescrição da pena de substituição, em 20.06.2010 (data do trânsito em julgado do despacho revogatório) iniciou-se novo prazo de prescrição, pelo que a pena prescreveria em 20 de Junho de 2014.

  4. A partir do momento em que a suspensão da execução da pena de prisão foi revogada, e atempadamente, a pena que o arguido passou a ter que cumprir é a de prisão, como a pena de prisão só pode ser cumprida a partir do trânsito em julgado do despacho que operou aquela revogação é a partir dessa data que se contam os 4 anos da prescrição da pena.

  5. Efectivamente, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/10/2013 o art. 122.º do CP estabelece no seu nº 2 que “O prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena”, que pode não ser, necessariamente, o dia em que transitar em julgado a sentença condenatória (Cf. P. P. de Albuquerque, in “Comentário do Código Penal”, pág. 384).

    No caso de condenação em pena suspensa que depois é revogada, “a decisão que aplica a pena” resulta duma conjugação, da fixação na sentença condenatória, da pena de prisão substituída, com a decisão que revoga a suspensão. Dada a indispensabilidade desta decisão revogatória, para que a pena de prisão se aplique, o prazo de prescrição só pode contar-se a partir dela.

  6. Dispõe o artigo 122°, n° 1, al. d), do Código Penal que as restantes penas que não cabem nas alineas a) b) e c) daquele artigo, que prescrevem no prazo de 4 anos.

  7. Isto porque é de extrema importância que o instituto de prescrição mantenha um intocável coesão que inspire um sentimento de Segurança Jurídica, não se deixando atingir por formalismos e expedientes contrários às garantias constitucionais do arguido.

  8. O habeas corpus é uma providência excepcional que visa garantir a liberdade individual contra os abusos de poder consubstanciados em situações de detenção ou prisão ilegal, com suporte no artigo 31° da CRP, que o institui como autêntica garantia constitucional de tutelada liberdade.

  9. No caso em apreço, conhece aplicabilidade o fundamento da alínea b) – prisão por facto pelo qual a lei a não permite.

  10. Decorridos que sejam os períodos das diversas alíneas do n° 1 deste artigo e do n° 3 do artigo 126°, sem que tenha sido executada a pena, não é razoável o prolongamento do constrangimento ao criminoso por um crime cuja repercussão social vai diminuindo pelo esquecimento em que o envolve o tempo decorrido. E mais: “a prescrição ocorre pelo simples lapso de tempo“ –Código Penal Anotado – Manuel Leal Henriques e Manuel Simas Santos.

  11. Assim sendo, não pode deixar de se reconhecer fundamento à presente providência de habeas corpus.

  12. Sendo ainda de realçar que, o arguido desde a data da sua condenação se afastou definitivamente da prática de crimes, estando perfeitamente inserido, social e familiarmente 17. Pelo que a condenação que agora se pretende ser-lhe aplicável sempre lhe traria consequências negativas indesejáveis, nomeadamente, decorrentes da convivência com outros reclusos.

  13. Tendo, assim, ocorrido a prescrição da pena, a prisão não está pendente, não podendo ser executada. Não havendo pena de prisão exequível, a situação de prisão do requerente é ilegal, fundando-se em facto pelo qual a lei a não permite.

    Nestes termos e nos mais de direito que v. Exa mui doutamente suprirá, deverá a presente Petição HABEAS CORPUS ser julgado procedente, por provada, e em consequência determinar-se a imediata restituição do Arguido à liberdade, uma vez que este se encontra recluso em cumprimento de pena prescrita.

    Pelo exposto, requer-se a V.as Ex.as o deferimento do peticionado habeas corpus, declarando ilegal a prisão e ordenando a libertação imediata do Requerente, e se fará JUSTIÇA!» b) Informação Pelo Mmo Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Criminal de Almada, Juiz 1, foi prestada, em 22/2/2018, a informação prevista no n.º 1 do art. 223.º do CPP do seguinte teor: «Nos termos dos arts.222º e 223º nº1 do Cód.Proc.Penal informa-se VªExa que o arguido Carlos Alberto Mendes Oliveira foi julgado e condenado nos presentes autos por acórdão proferido a fls.416 a 424 transitado em julgado em 6 de Janeiro de 2004 (certidão de fls.426) pela prática de três crimes de fraude fiscal e nove crimes de abuso de confiança fiscal na pena única de...

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