Acórdão nº 30031-A/1979.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Abril de 2011
Magistrado Responsável | HELDER ROQUE |
Data da Resolução | 07 de Abril de 2011 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA AA e esposa, BB, propuseram a presente acção especial de divisão de coisa comum contra CC e marido, DD, pedindo que, na sua procedência, se ponha termo à compropriedade, efectuando-se a adjudicação ou a venda do imóvel, alegando, para o efeito, e, em resumo, que, por partilha deferida em inventário, por óbito de EE, os autores adquiriram 1/3 do prédio rústico, denominado “L................ ou B............... e, posteriormente, por compra, adquiriram, sucessivamente, mais 1/3 e 1/6 do mesmo prédio, sendo, actualmente, comproprietários de 5/6 deste prédio, pertencendo o restante 1/6, também, em regime de compropriedade, aos requeridos.
Porém, os autores não pretendem continuar a permanecer em compropriedade com os requeridos, mas não foi possível pôr termo à mesma situação, pela via extrajudicial, sendo certo que o prédio não é divisível em substância, em virtude de o fraccionamento não ser, legalmente, permitido.
Por morte do requerido DD, foram habilitados como seus herdeiros a requerida CC e ainda FF, GG e HH.
E, por morte do autor AA, foram habilitados como seus herdeiros a primitiva autora BB e ainda II e JJ.
Na contestação, a requerida CC concluiu pela improcedência do pedido formulado pelos autores, alegando, para tanto, e, em síntese, que, em 1979, adquiriu, juntamente com o falecido marido, 1/6 do prédio em referência, tendo, desde então, entrado na posse e fruição de parte determinada deste prédio, correspondente ao referido 1/6 que, em 1980, muraram, vindo a construção a ser licenciada, por alvará emitido em 1987.
Ao entrar na posse da referida parcela e ao murá-la, a requerida e o seu falecido marido fizeram-no, em nome próprio, tendo, desde essa data, mantido essa posse, pública e pacífica, e havendo adquirido, deste modo, o direito de propriedade sobre a mesma, por usucapião.
Ainda que assim se não entendesse, não seria de aplicar a proibição do fraccionamento, constante do disposto no artigo 1376º, do Código Civil, porquanto o prédio em causa não deve ser classificado como rústico, mas sim como urbano.
A sentença julgou “improcedente a excepção peremptória invocada e procedente a acção concluindo serem a A. e os habilitados no lugar do primitivo A. juntamente com a R. e os habilitados no lugar do primitivo R. comproprietários do prédio rústico objecto dos autos e ainda pela indivisibilidade material do mesmo prédio”.
Desta sentença, os requeridos interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a apelação, confirmando a decisão impugnada.
Deste acórdão da Relação de Lisboa, os requeridos interpuseram agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, formulando as seguintes conclusões, que, integralmente, se transcrevem: 1ª - O acórdão da Relação de Lisboa radica numa má interpretação e aplicação dos artigos 1265°, 1377° e 1406° do Código Civil, razão pela qual entende ser a presente revista admissível.
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- Os Venerandos Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, partindo do disposto no artigo 1406° do Código Civil (doravante "CC"), concluem peremptoriamente que, podendo qualquer um dos comproprietários servir-se do bem, o seu uso exclusivo não é suficiente para inverter o título da posse, o que determina que interpretou incorrectamente o dito preceito.
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– Ficou provado que a requerida/recorrente construiu um muro divisório que não apenas delimitava a sua esfera de actuação como a esfera dos restantes comproprietários, impedindo-os, deste modo, de se servirem da parcela murada.
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- O comportamento da requerida/recorrente delimitou de forma directa e objectiva a esfera de actuação de todos comproprietários da coisa.
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- O conceito de posse exclusiva previsto no artigo 1406º do CC que derive exclusividade de uma imposição táctica determina a inversão do título da posse previsto no artigo 1265° do CC.
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- Nem o conceito de posse nem muito menos o conceito de inversão do título da posse dependem para o seu preenchimento de uma interpelação dos interessados. É suficiente a prática de actos materiais positivos publicamente cognoscíveis.
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- A requerida/recorrente construiu um muro de modo a impedir a utilização por parte dos outros comproprietários de uma parcela determinada. Ou seja, a área correspondente a 1/6 do prédio rústico dos autos, cuja usucapião se invoca, está delimitada por um muro e cultivada com produtos agrícolas em toda a sua extensão, pelo que a sua actuação não pode ser definida de outro modo que não como acto positivo e público cognoscível dos interessados.
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- Deve considerar-se que se verificou nos presentes autos a inversão do título, nos termos do artigo 1265° do CC.
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- Dito isto, nada impede, pelo contrário, a aplicação do instituto da usucapião a situações de compropriedade.
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- A inversão do título da posse não depende do reconhecimento por parte do proprietário do surgimento de um novo direito na esfera jurídica do detentor mas apenas que o detentor, neste caso o comproprietário, se comporte como único proprietário de parcela identificada, sendo este comportamento cognoscível pelos interessados.
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- Com a construção do muro delimitativo, a requerida inverteu o título da posse, passando a actuar como única proprietária de uma parcela concreta e identificada da propriedade.
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- O prazo para usucapião deverá começar a ser contado, pelo menos, desde o dia 31 de Outubro de 1987 em diante.
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- A requerida/recorrente está inegavelmente de boa fé, no que concerne ao exercício da posse da parcela de 1/6.
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- Por aplicação do regime acima descrito facilmente se conclui que a aquisição do direito de propriedade, a título individual, ocorre em inícios de Novembro de 2002.
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- Em face do exposto, deve concluir-se pela aquisição por usucapião da parcela de 1/6 do prédio dos autos.
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- Demonstrado que está o prazo necessário para a usucapião nada obsta, independentemente de legalmente a coisa poder ou não ser dividida, à sua efectiva divisão.
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- Concluindo-se pela aquisição por usucapião da fracção de 1/6, deixa de ser relevante o disposto nos artigos 1376° e 1377º do CC.
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- O prédio é divisível, no que respeita aos requisitos previstos no artigo 209° do Código Civil.
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- O terreno em análise está apto para cultura, porquanto, segundo o relatório pericial de Maio de 2008, está classificado como área florestal e silvo-pastoril, em que, de acordo, com o artigo 79°, n° 1 do Regulamento do PDM de Loures, o uso dominante é o florestal ou silvo-pastoril.
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- Trata-se de um tipo de terreno que acolhe outras utilizações, conforme decorre do n° 6 do artigo 79°, n° 1 do Regulamento do PDM de Loures, ao contrário das áreas agrícolas que não admitem construções (vd. artigo 80° do mesmo diploma), situação essa que foi manifestamente esquecida pelo Tribunal a quo.
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- O terreno dos autos é igualmente apto a receber construções, uma vez que o terreno está igualmente inserido num aglomerado urbano, pelo que o seu destino não tem que se reconduzir necessariamente à agricultura.
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- Resulta do artigo 1377° do Código Civil que a proibição do fraccionamento não é aplicável se o terreno constituir uma componente de um prédio urbano.
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- A parcela correspondente a 1/6 do terreno dos autos delimitada com um muro pelos recorrentes é contígua a um outro prédio no qual os recorrentes têm uma habitação, conforme também decorre da transcrição.
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- A proibição não é aplicável nos presentes autos, uma vez que o terreno é presentemente o logradouro de um outro prédio, pelo que apenas se pode concluir que o mesmo é divisível.
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- Se o terreno em causa vier a ser utilizado com outro fim que não tenha propriamente a ver com a cultura agrícola (cfr. al. a) do artigo 1377° do Código Civil), a proibição do fraccionamento não é igualmente admissível. O mesmo sucede se se pretender erguer alguma construção.
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- Resulta dos factos provados que foi erguido um muro que, segundo a opinião do Eng. KK, perito nos presentes autos, "origina dois prédios autónomos e distintos", pelo que pode concluir-se que a construção do muro no terreno em crise se subsume no disposto na al. c) do artigo 1377° do Código Civil, desta forma afastando a proibição do fraccionamento e, consequentemente, admitindo que o terreno dos autos é divisível.
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- O facto de o muro já estar construído não pode afastar a aplicabilidade do artigo 1377° do Código Civil. Com efeito, se não é pelo facto de ainda não se ter erguido a construção e o terreno continuar a ser apto para a cultura que se pode impedir o fraccionamento, muito menos será quando a construção já estiver terminada.
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- A construção do muro visa exactamente outro fim, designadamente delimitar uma parcela, de modo a que esta funcione como logradouro de um outro prédio pertencente aos recorrentes.
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- Atendendo a esta...
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