Acórdão nº 933/07.3TTCBR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelBRAVO SERRA
Data da Resolução03 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I - Uma das garantias asseguradas ao trabalhador é a da estabilidade do local de trabalho, traduzindo-se na proibição da entidade empregadora o transferir para local diferente daquele em que presta trabalho, salvo em condições precisadas na lei.

II - Assim, salvo se houver estipulação contratual em contrário, a transferência do trabalhador para outro local de trabalho, enquanto derrogação do princípio da inamovibilidade, só é permitida quando não implique prejuízo sério ao trabalhador ou se resultar de mudança, total ou parcial, do estabelecimento onde é prestado o serviço.

III - O prejuízo sério a que se refere a lei deve ser apreciado segundo as circunstâncias concretas de cada caso, devendo a transferência assumir um peso significativo na vida do trabalhador, abalando, de forma grave, a estabilidade da sua vida, violando, assim, a garantia da inamovibilidade que o legislador tutela.

IV - A medida dos prejuízos causados ao trabalhador com a transferência tem que ser encontrada a partir dos factos que por ele sejam alegados e que possibilitem determinar aquilo que é essencial na sua vida e, consequentemente, apurar em que medida esta foi afectada.

V - A noção de prejuízo sério assume particular relevo e terá, necessariamente, de entender-se, por definição contextual aberta, como sendo um juízo antecipado de probabilidade ou de adequação causal, que implica, contudo, a consideração de elementos de facto actuais.

VI - Tendo o Autor sido admitido ao serviço da Ré para exercer as funções de vendedor na zona de Coimbra, sem prejuízo das deslocações que tivesse que efectuar por virtude dessas mesmas funções, consente-se que o seu local de trabalho incluía uma área relativamente alargada, com base na zona de Coimbra, admitindo-se que, por virtude dessas funções, tivesse que, pontualmente, efectuar deslocações para outras zonas do país.

VII - Todavia, uma tal cláusula não permite se conclua pela possibilidade de, a todo o tempo, ser alterado o local de trabalho do Autor, antes consubstancia a mera salvaguarda das deslocações, que já decorre do art. 145.º, n.º 2, do Código do Trabalho.

VIII - Assim, tendo a Ré introduzido uma reestruturação que implicava que a área de actuação do Autor, para além do distrito de Coimbra e limítrofes a sul, passasse a incluir hospitais de Lisboa – que implicavam três dias de trabalho para os percorrer na íntegra e, consequentemente, a necessidade de pernoitar fora de casa dois dias – e, bem assim, hospitais da zona de Elvas, Évora e Beja, é ilícita a alteração de local de trabalho imposta ao Autor na medida em que não só não obteve o seu acordo como, sobretudo, implicava que este alterasse, radicalmente, toda a sua vida pessoal e familiar (o Autor reside a cerca de 20 km de Coimbra, é casado, tem um filho menor, com oito anos de idade, a quem, três dias por semana, dá de jantar, ajuda nos afazeres escolares e deita, pois que a esposa do Autor, sendo professora, tem componente lectiva nocturna).

IX - A modificação operada pela Ré, simultaneamente quanto à dimensão do serviço e à área de prestação da actividade do Autor, é ilegítima e, consubstanciando uma violação culposa das garantias legais deste, torna, pela sua gravidade e consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, tanto mais que o Autor fez ver à Ré os inconvenientes e transtornos que lhe causaria a reestruturação das zonas e consequentes repercussões nas zonas a seu cargo e, não obstante, foi pressionado para aceitar as novas condições impostas.

X - Ao juízo antes formulado não obstam as apuradas ampliações da área de intervenção do Autor, ao longo da relação contratual com a Ré, pois que não logrou demonstrar-se que as mesmas tenham, então, implicado uma mudança de «prática» de vida relativamente àquela que ocorria quanto à «zona de Coimbra», tal como inicialmente acordada, não tendo, igualmente, logrado demonstrar-se que às aludidas ampliações não tenha o Autor dado o seu acordo.

XI - A circunstância de o Autor não ter chegado a desempenhar trabalho na nova zona atribuída pela Ré não o impedia de, como o fez, resolver o contrato de trabalho com invocação de justa causa, pois que o trabalhador não tem que, perante uma violação de deveres por parte da entidade empregadora, susceptíveis de, designadamente, integrar as causas exemplificativas dos ns.º 1 e 2, do art. 441.º, do Código do Trabalho, sujeitar-se às consequências reais decorrentes daquela violação, independentemente da gravidade objectiva destas.

Decisão Texto Integral: 1.

AA intentou no Tribunal do Trabalho de Coimbra e contra BB Produtos Químicos, Ldª, acção de processo comum, solicitando a condenação da ré a pagar-lhe € 28.905,17, acrescidos da indemnização devida pela resolução do contrato de trabalho que fora firmado entre ela e o autor, cujo cômputo se apuraria em liquidação de sentença, e juros.

Em síntese, invocou que: – – o autor foi admitido ao serviço da ré em 1 de Junho de 1996, a fim de exercer funções como vendedor de dispositivos médicos e material hospitalar na zona de Coimbra, e sem prejuízo de deslocações que tivesse de efectuar por virtude dessas funções, vindo, pelo menos a partir de Dezembro daquele ano, a ser promovido a vendedor especializado; – em Maio de 2007, a ré, após uma reorganização da sua área de vendas, impôs ao autor um esquema de visitas que redundava em ter ele de visitar cerca de 36 hospitais, e demais clientes nas zonas de Lisboa, Elvas, Évora e Beja, o que consequenciava que ele tivesse de permanecer fora da zona de Coimbra e da sua residência grande parte dos dias de cada mês; – porque a aceitação daquela imposição implicava uma radical mudança da vida pessoal e familiar do autor, este expôs à ré as dificuldades que para o mesmo adviriam; – a ré não aceitou essa exposição, vindo, a partir daí, a reduzir o plafond dos gastos do telemóvel do autor para € 10 mensais, propondo ainda a redução do valor da diária para alimentação, preterindo o pagamento «à factura»; – ré não pagou ao autor as diuturnidades a que se reporta o contrato colectivo de trabalho celebrado entre a Apifarma e a Fitese, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª série, de 8 de Junho de 2006, diuturnidades essas devidas desde 1 de Outubro de 2005, num total de € 115; – em face dessas circunstâncias, o autor veio a resolver o contrato de trabalho outorgado entre ambos; – perante a resolução do contrato com justa causa, tem o autor direito a uma indemnização de 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade até à data do proferimento da sentença; – o autor era um vendedor exemplar, responsável e respeitado por colegas de trabalho, superiores hierárquicos e clientes da ré, sentindo-se muito satisfeito no desempenho das suas funções, em cuja estabilidade confiava, pelo que a situação criada pela ré lhe ocasionou tristeza e depressão que, inclusivamente, o levaram a procurar apoio médico, razão pela qual os danos não patrimoniais que sofreu devem ser ressarcidos em quantia não inferior a € 7.500.

Contestou a ré, sustentando, em súmula, que: – – devia a acção ser tida por improcedente, pois que nos termos do contrato de trabalho celebrado entre ela e o autor estava expressamente previsto que as funções de vendedor na zona de Coimbra eram efectuadas sem prejuízo de deslocações que tivesse de levar a efeito por virtude dessas funções, o que implicava que estas se deveriam realizar em razão das áreas de intervenção da actividade da ré, definidas em cada momento pela mesma, sendo que, de 1998 a 2004, a área de actuação do autor incluiu localidades tais como Tomar, Alcobaça, Aveiro, Torres Vedras, Abrantes e o Distrito de Portalegre; – após a redefinição da área de intervenção da ré, o autor deixaria de ser responsável por clientes de Viseu, Aveiro, Covilhã, Santa Maria da Feira, Águeda e Guarda; – o volume de vendas a realizar na nova área de que o autor ficou incumbido seria incomparavelmente superior ao da anterior área, reflectindo-se nas comissões a auferir pelo autor; - o plafond dos gastos com telemóvel, que não incluía limitação de chamadas telefónicas de cariz profissional – pois que, demonstradas estas, seria o trabalhador reembolsado do respectivo custo –, só foi implementado após a cessação do contrato de trabalho aprazado entre o autor e a é, pelo que nunca lhe foi aplicado, o mesmo sucedendo no tocante à fixação de um valor diário para pernoita; – o contrato colectivo de trabalho citado pelo autor não é aplicável à relação jurídica firmada entre ele e a ré, já que esta não exerce actividade de indústria farmacêutica.

Ainda a ré pediu, em reconvenção, a condenação do autor a pagar-lhe € 2.020, pela circunstância de não ter denunciado o contrato de trabalho com o aviso prévio de 60 dias, e solicitou a sua condenação como litigante de má fé.

Tendo o autor respondido à contestação, prosseguindo os autos seus termos, com dispensa de selecção da matéria de facto, e após a realização do julgamento, foi, em 10 de Setembro de 2008, proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré a pagar ao autor € 15.009,63, acrescidos de juros desde 19 de Junho de 2007 (consoante rectificação posterior), e julgou improcedente o pedido reconvencional.

Inconformada, apelou a ré para o Tribunal da Relação de Coimbra, arguindo a nulidade da sentença (caso não ocorresse a rectificação que peticionara) e impugnando a matéria de facto.

Aquele Tribunal de 2ª instância, por acórdão de 2 de Julho de 2009, teve como não escrito um determinado ponto da matéria de facto, por o entender como conclusivo, deu por não provado um outro, e julgou parcialmente procedente a apelação, condenando a ré a pagar ao autor € 14.605,70 (já que considerou não ter ele jus ao crédito de € 403,94), acrescidos de juros.

  1. Mantendo a sua irresignação, vem a ré pedir revista, finalizando a alegação...

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