Acórdão nº 325/09.0TRPRT-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Outubro de 2009

Magistrado ResponsávelSANTOS CABRAL
Data da Resolução28 de Outubro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU Decisão: REJEITADO Sumário : I -O objectivo que a União Europeia fixou de se tornar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça conduziu à supressão da extradição entre os Estados-Membros e à substituição desta por um sistema de entrega entre autoridades judiciárias. Acresce que a instauração de um novo regime simplificado de entrega de pessoas condenadas, ou suspeitas, para efeitos de execução de sentenças ou de procedimento penal permitiu suprimir a complexidade e a eventual morosidade inerentes aos procedimentos de extradição. As relações de cooperação clássicas que até ao momento prevaleciam entre Estados-Membros deram lugar a um sistema de livre circulação das decisões judiciais em matéria penal, tanto na fase pré-sentencial como transitada em julgado, no espaço comum de liberdade, de segurança e de justiça.

II - O MDE constitui a primeira concretização no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo, que o Conselho Europeu qualificou de “pedra angular” da cooperação judiciária. Desde que uma decisão é tomada por uma autoridade judiciária competente, em virtude do direito do Estado-Membro de onde procede, em conformidade com o direito desse Estado, essa decisão deve ter um efeito pleno e directo sobre o conjunto do território da União. O que significa que as autoridades competentes do Estado-Membro no território do qual a decisão pode ser executada devem prestar a sua colaboração à execução dessa decisão como se se tratasse de uma decisão tomada por uma autoridade competente desse Estado.

III -Afastada a existência de motivo de recusa de execução, o MDE adquire plena exequibilidade, não sendo admissível que se recoloquem os fundamentos de facto que o informam. Tal como na transmissão de determinação judicial na ordem jurídica interna também aqui o pedido formulado é cumprido nos seus termos, adquirida que está a sua regularidade formal.

IV -A invocação do princípio de presunção de inocência não tem aqui qualquer virtualidade para inquinar factos que foram adquiridos em processo com decisão transitada em julgado, ou suficientemente indiciados para permitir o julgamento na ordem jurídica emitente. O funcionamento do mesmo princípio tem o seu lugar adequado quando nos tribunais franceses se discutiam, ou se vão discutir, factos susceptíveis de tipificar a incriminação tipificada.

V - A possibilidade de aplicação de medida de coacção de entre as previstas no CPP pressupõe, pois, um juízo que, embora autónomo na competência da autoridade de execução, não pode deixar de estar mutuamente intercondicionada pela natureza do mandado e pelos fundamentos que determinaram a sua emissão – para procedimento penal, ou para execução de uma pena, após a condenação no Estado da emissão.

VI -As condições para aplicação de medida de coacção, quando o procedimento de execução do mandado requeira formalidades ou informações complementares, podem ser mais abertas no caso de detenção para procedimento penal por crime de menor gravidade (embora dentro dos limites que admitem a emissão de mandado europeu) do que nos casos em que a emissão se destina a assegurar o cumprimento de uma pena de prisão de efectiva gravidade.

VII - Os termos em que se conjugam as regras inerentes à aplicação da medida de coacção são perfeitamente autónomos a uma ponderação do estado de saúde que o recorrente invoca e apenas poderá apresentar relevância em termos de suspensão da execução preventiva tal como se inscreve no art. 211.º do CPP.

VIII - No caso em apreço, para decretar a medida de coacção, considerou-se existir perigo de fuga e, atendendo a que o arguido consumou uma fuga efectiva, está indiciado o desiderato do recorrente de se furtar à assunção da sua responsabilidade perante a ordem jurídica francesa, quer no que respeita ao cumprimento de uma pena objecto de uma medida de clemência cujas condições o arguido violou, quer em relação a actos ilícitos que lhe são imputados e cuja prática se reporta exactamente ao período em que lhe foi aplicada aquela medida de clemência.

IX - Conclui-se, assim, que, nas circunstâncias do caso, e tendo por referência essencial os motivos e a finalidade que determinaram a emissão dos mandados de detenção, apenas a medida de coacção aplicada – prisão preventiva – permite assegurar, segura e eficazmente, o cumprimento das obrigações do Estado Português como Estado de execução, quer pela entrega da pessoa procurada e detida (que pressupõe a apreensão física), quer, nas situações do art. 12.º, n.º 2, al. g), da Lei 65/03, e se for o caso, para o cumprimento da pena em Portugal.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA veio interpor recurso da decisão que, no Mandado de Detenção Europeu supra referenciado, lhe aplicou a medida de coação de prisão preventiva nos termos dos artigos193; 202 nº1 alínea a); 204 alínea a) e c) todos do Código de Processo Penal e 30 e 34 da Lei 65/2003.

São as seguintes as razões da sua discordância sintetizadas nas conclusões da respectiva motivação de recurso: 1° -Do Despacho de que ora se recorre, resulta estarem indiciados com suficiência que justifique a decisão da Prisão Preventiva, os factos constantes do MDE, nomeadamente, o cometimento de um crime de homicídio na forma tentada.

  1. -Extraídos da simples interpretação do teor da descrição sumária que o fundamenta, 3°-Tendo-se limitado o Tribunal a quo a tomar por certo o facto de que o ora Recorrente se encontra acusado, de que é sintoma a utilização do futuro: "... terá cometido factos ... " ou " ... terá praticado no dia 16-01-09 ... ".

  2. -Ora, salvo o devido respeito, a acusação não é mais do que a imputação não provada de uma conduta, pelo que não se pode ter como inequívoca no seu conteúdo.

  3. -Imputação que resulta da descrição imprecisa e parca que fundamentou a emissão do MDE pelo que a Prisão Preventiva decidida teve por base indícios resultantes de uma simples imputação carecida de prova bastante que fundamente a limitação das garantias previstas no texto constitucional.

  4. -A aplicação da medida de coacção Prisão Preventiva depende, estabelece a alínea a) do n. ° 1 do artigo 202° do Código de Processo Penal, da verificação de fortes indícios da prática do crime, que in casu, não se verificam.

  5. Na verdade ao Recorrente é apenas descrito um comportamento, de forma simples, sem o acompanhamento de qualquer meio probatório que o consubstancie, nem se tratando de uma condenação.

  6. Assim, deverá sempre prevalecer o princípio, constitucionalmente consagrado, de PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, previsto no nº 2 do artigo 32° da Constituição da República Portuguesa, 9° Conforme descreve o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, no Recurso 2366/08 de 16 de Abril "Há fortes indícios da prática de uma infracção quando se encontra comprovada a sua existência e ocorrem suficientes suspeitas da sua imputação ao Arguido. Suspeitas graves, precisas e concordantes ... atingir a robustez e evidência que exige uma medida tão gravosa ... ".

  7. Portanto, para aplicação da Prisão Preventiva, ainda que subsistam indícios, como o da acusação em apreço, eles devem ser suficientemente fortes para se reportarem ao Recorrente e. mais do que isso, consubstanciarem uma probabilidade inequívoca de que o mesmo os praticou.

  8. No que ao perigo de fuga respeita, como condição para aplicação da Prisão Preventiva, tal perigo não se verifica nem constitui qualquer realidade susceptível de ocorrer.

  9. O Recorrente, ao contrário do que consta do MOE, em momento algum se deslocou à Grã-Bretanha.

  10. Na verdade, o Recorrente, por ter 70 anos e sofrer de uma doença incurável, cancro da próstata, em Fevereiro de 2009 deslocou-se para Portugal. onde tem estado desde então.

  11. Também desde aquela data tem o Recorrente procurado auxílio médico junto de varias entidades: - Em 25/02/2009 realizou consulta médica na Clínica O..., no Porto; - Em 26/02/2009 realizou análises clínicas na C...; - Em 5/03/2009 foi sujeito a uma Ecografia Abdominal em Dr. C... C.... I... Clínica; - Em 27/03/2009 inscreveu-se como Utente do Centro de Saúde de A...; - Em 31/03 e 28/08/2009 efectuou consulta de Urologia Geral no Hospital de S. J... EPE. no Porto; - Em 13/08/2009 realizou análises clínicas na mesma entidade; - Em Agosto de 2009 foi-lhe ainda remetido o Certificado de Inscrição na Lista de Inscritos para Cirurgia na especialidade de Urologia; - Em 1/09/2009 foi sujeito a consulta de Urologia Oncológica no Hospital de S. J... EPE, no Porto.

  12. Tais datas que confirmam a presença do recorrente em Território Nacional, e a sua continuidade no mesmo, facto pelo qual, resulta demonstrado que o Recorrente não se deslocou à Grã-Bretanha, antes tendo estado sempre em Portugal, procurando auxílio clínico para a sua condição de saúde, 16°Nomeadamente pelo cancro da próstata que lhe foi diagnosticado bem como do atrofiamento da uretra que dificulta a sua mobilidade.

  13. Razões objectivas da não existência de qualquer perigo de fuga do Recorrente uma vez que não dispõe de condições físicas básicas para o poder fazer.

  14. Além de tudo isto, na sequência dos tratamentos que procurou e das análises que efectuou, ao Recorrente foram já agendadas várias diligências médicas: - Consulta de Urologia em 6/1 0/2009; - Consulta de Oncologia Médica em 19/1 0/2009; - Consulta em 30/1 0/2009; - Consulta de Urologia Oncológica em 29/12/2009, 19°Tendo ainda recebido já um Vale Cirurgia, a utilizar até 1 2/1 0/2009, para marcação e agendamento de uma cirurgia na especialidade de Urologia, 20°E estando já prevista a realização de várias sessões de Quimioterapia.

  15. Por isso, dada a necessidade premente e urgente de prosseguir os seus tratamentos, não constitui qualquer realidade plausível a possibilidade de fuga do Recorrente.

  16. E caso houvesse qualquer tradução da realidade no juízo acerca da existência do perigo de fuga invocado, a conclusão teria de ser negativa: o Recorrente não oferece...

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