Acórdão nº 09P0612 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelRAUL BORGES
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIDO Sumário : I - Em consequência da entrada em vigor da Lei 42/2005, de 29-12, as Varas Criminais receberam competência para a execução das suas decisões, independentemente da natureza criminal ou cível das matérias em causa, cingindo-se a competência dos juízos de execução apenas às execuções de decisões de natureza cível em que esteja em causa a liquidação.

II - O despacho de mero expediente não substancia um título executivo por não conter uma obrigação, pois que não declara, não constitui, nem reconhece qualquer obrigação ou direito, não sendo um despacho condenatório, falecendo a causa de pedir da execução.

III - Os despachos de mero expediente são os que o juiz profere para assegurar o andamento regular do processo, caracterizando-se por dois traços: por meio deles, o juiz provê ao andamento regular do processo; não são susceptíveis de ofender direitos processuais das partes ou de terceiros. Os despachos de mero expediente destinam-se exclusivamente a regular os termos do processo, a disciplinar a tramitação processual, sem interferir na questão de mérito, sem possibilidade de ofenderem direitos processuais das partes ou de terceiros, não envolvendo qualquer interpretação da lei, que não podem adquirir o valor de caso julgado, pois para haver caso julgado formal é indispensável a existência de uma decisão, de um julgamento – neste sentido, os Acs. do STJ de 06-07-2000, Revista n.º 1855/00 - 6.ª, e de 04-12-2003, Revista n.º 3650/03 - 7.ª.

IV -Em face de um despacho proferido em processo criminal, tendo em vista determinar se é recorrível ou não, há que verificar qual a sua natureza, se é despacho decisório ou de mero expediente e atentar no disposto no art. 400.º do CPP, de cujo n.º 1, al. a), decorre não ser admissível recurso de despachos de mero expediente.

V - É de mero expediente o despacho em que se aprecia o pedido de levantamento de quantias monetárias apreendidas, e em que se escreve “Fls. 2856 – Deferido, tendo-se em conta o decidido pela 1.ª instância e pelo Tribunal da Relação de Lisboa”.

VI -Um terceiro no processo criminal, mero interveniente acidental, cujo único ponto de contacto com o processo é ser o Banco (um dos Bancos) onde estão os saldos apreendidos, só teria legitimidade se tivesse que defender um direito afectado pela decisão e se tivesse interesse em agir, conforme o art. 401.º, n.ºs 1, al. d), in fine, e 2, do CPP.

VII - O depósito bancário é um empréstimo em dinheiro, pelo qual não só a posse, mas também a propriedade daquele se transfere para o banco mutuário que apenas se obriga a restituir ou pagar ao depositante quantia igual à que lhe foi entregue, fazendo nascer para este um simples direito ao crédito, que não pode ser accionado em via executiva.

VIII - Através do depósito, o tradens transfere para o accipiens a propriedade do dinheiro depositado, detendo a partir de então um direito de crédito e incumbindo ao banco a restituição não in individuo, mas tantundem.

IX - A obrigação do depositário não pode, por isso, ser de entrega de coisa certa, mas apenas de um equivalente, de retribuir a coisa por outra equivalente, por uma restituição de outro tanto, do mesmo género e qualidade.

X - Na falta de título executivo é de declarar extinta a execução, nos termos do art. 817.º, n.º 4, do CPC.

Decisão Texto Integral: No âmbito da execução para entrega de coisa certa instaurada pela exequente AA e em que é executado Banco BB, S.A., que corre por apenso ao processo comum com intervenção de Tribunal Colectivo n.º 355/99.8TDLSB da 2.ª secção da 1.ª Vara Criminal de Lisboa, movido pelo Ministério Público ao arguido CC e em que aquela sociedade é assistente e demandante cível, sendo igualmente demandantes cíveis o Banco DD, S.A. e EE, veio o executado opor-se à execução, nos termos do artigo 813.º e seguintes do CPC, conforme fls. 14 a 24.

O Sr. Juiz, por despacho de fls. 46, considerou inexistir fundamento para indeferimento liminar da oposição, ordenando a notificação da exequente para contestar, nos termos do artigo 817. n.º 2, do Código de Processo Civil.

A exequente ofereceu a contestação de fls. 48 a 62.

Findos os articulados, para discussão das excepções suscitadas pelo executado/FF, foi marcada audiência preliminar.

Na sequência da audiência preliminar, onde foi entendido conterem os autos todos os elementos que permitiam conhecer do pedido – fls. 82 a 84 – foi proferido saneador sentença, datado de 04 de Janeiro de 2008, sendo julgada improcedente a oposição – fls. 86 a 105.

O executado Banco BB, S.A., interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, conforme fls. 131 a 143, que em acórdão da 9. ª secção, datado de 9 de Outubro de 2008, julgou improcedente a apelação e confirmou a decisão recorrida (fls. 298 a 312).

Continuando inconformado, o Banco BB, S.A. interpôs recurso de revista, apresentando as alegações de fls. 343 a 355, que remata com as seguintes conclusões: A As instâncias, não tiveram em consideração o disposto no art. 103° A da LOFTJ com a redacção do DL 38/2003 de 8 de Março, mas tão somente a redacção original da LOFTJ, pelo que, são competentes para a tramitação da execução, os Juízos de Execução de Lisboa, porquanto apenas nas circunscrições não abrangidas pela competência dos Juízos de Execução, são competentes para a execução os Tribunais que hajam proferido as decisões respectivas, o que determina a absolvição do executado/recorrente da instância executiva, face á manifesta procedência da excepção dilatória respectiva.

B Por Acórdão desta Relação, oportunamente transitado em julgado, o Despacho dado em execução traduz-se singularmente no resultado de mero incidente processual, suscitado pela Assistente/Exequente, o qual é meio inidóneo para o fim pretendido, pelo que não possui o mesmo força executiva.

C O Despacho ora executado, não tem relativamente ao Banco FF, a força de caso julgado, inexistindo como muito bem decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa, qualquer desvio à regra sobre a legitimidade do executado, prevista no art. 55° do CPC.

D Para além de inexistir qualquer título executivo que fundamente a presente execução, o que determina a nulidade da mesma (arts. 45° n° l, 193° n° l ex vi 466° n° l do CPC) o Banco/FF/Recorrente é parte ilegítima na execução (arts. 55° a 57° do CPC), por não figurar como obrigado no documento que se pretende fazer valer como título executivo, nem se verificar nos caso dos autos qualquer excepção ou desvio a tal regra.

E O Banco/recorrente é mero interveniente acidental nos autos de procedimento criminal respectivos, nos quais não foi decidido, que os riscos decorrentes do domínio sobre os valores depositados eram cometidos ao Banco, uma vez que não se encontravam reunidos os pressupostos indispensáveis da responsabilidade civil.

F A definição do direito da assistente, constante do Acórdão condenatório proferido nos autos principais, e transitada em julgado, não tem a virtualidade de retirar ao Banco aqui Recorrente o direito de, em tribunal, defender os seus interesses, como lhes é expressamente reconhecido pelo art. 20° n° 1, da Constituição da República Portuguesa, o que determinaria a inconstitucionalidade do regime traçado pelos arts. 814° e 816° do CPC, na leitura que dos mesmos faz o Tribunal recorrido.

G Estando reconhecidos à assistente/recorrida os direitos de natureza pecuniária por acórdão oportunamente transitado em julgado, o Despacho que ora pretende executar, porque posterior ao acórdão que julgou o mérito da causa (despacho posterior ao termo da causa, é "estranho" á causa, ou seja, ao próprio objecto do processo), traduz-se ele próprio na execução da decisão, o que sendo absurdo constitui um acto processualmente inadmissível nos termos do art. 137° do CPC.

No provimento da revista pede o recorrente que a mesma seja julgada procedente por provada e em consequência seja revogado o acórdão recorrido.

A exequente apresentou contra-alegações, conforme fls. 360 a 362, defendendo dever ser negado provimento à revista.

Colhidos os vistos, e verificados os pressupostos de validade e regularidade da instância, cumpre apreciar e decidir.

É pelo teor das conclusões da alegação do recorrente que se delimitam as questões a apreciar no presente recurso - artigos 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º s 1 e 3, do Código de Processo Civil –, sem prejuízo das que forem de cognição oficiosa e com excepção daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, como decorre do artigo 660.º, n.º 2, do mesmo Código.

Questões a decidir No confronto com o anterior recurso verifica-se que no presente o recorrente abandonou a arguição da excepção do erro na forma do processo, subsistindo as seguintes razões de discordância com o acórdão recorrido: I - Incompetência em razão da matéria da 1. ª Vara Criminal de Lisboa para a tramitação da execução - conclusão A; II - Nulidade da execução por falta de título executivo – conclusões B e D; III - Ilegitimidade passiva do Banco executado (suposta a improcedência da anterior) - conclusões C e D; IV – Fundo da causa - Responsabilidade do Banco – conclusões E, F e G.

Apreciando.

I - Da incompetência absoluta - em razão da matéria O FF defende que as Varas Criminais de Lisboa não são competentes para a tramitação da execução contra si proposta, defendendo a mesma caber aos Juízos de Execução de Lisboa, que são os competentes à face dos artigos 102º-A e 103º da LOFTJ com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 08 de Março.

Sendo a incompetência do tribunal em razão da matéria uma excepção dilatória de conhecimento oficioso, a sua verificação conduzirá à absolvição da instância, nos termos dos artigos 102º, 103º, 105º, 493º e 495º do Código de Processo Civil.

Respondeu a exequente, defendendo a competência da 1ª Vara Criminal de Lisboa para a execução instaurada contra o ora FF, para tanto invocando o artigo 470º, n.º 1, do Código de Processo Penal, mais defendendo que mesmo...

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