Acórdão nº 1846/06.1YRCBR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelSOUSA GRANDÃO
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA Sumário : I - As consequências patrimoniais a extrair, no confronto entre um contrato de trabalho nulo e um contrato de prestação de serviço, não são idênticas, pois no primeiro caso – e porque a nulidade do contrato não impede que este produza efeitos, como se fosse válido, durante o período em que esteve a ser executado (art. 115.º, n.º 1 do CT) – à A. seriam necessariamente devidos, para além da retribuição base, os proporcionais de férias, de subsídio de férias e de subsídio de Natal e, no segundo caso, caberia conferir apenas a “contrapartida” ajustada.

II - Acresce ainda que uma eventual qualificação do contrato como “prestação de serviço”, sempre impediria o foro laboral de sentenciar qualquer condenação emergente do seu incumprimento por lhe faltar, para o efeito, a necessária competência em razão da matéria.

III - É de qualificar como contrato de trabalho o vínculo constituído entre A. e R. (Instituto público), quando está provado que a A., no período de 1 de Dezembro de 2003 a 3 de Maio de 2004, trabalhou em exclusividade para o R., cumprindo o mesmo horário de trabalho que é imposto aos funcionários do Instituto, “picando o ponto”, justificando as faltas dadas, exercendo as suas funções nas instalações do R., que lhe disponibilizou todo o equipamento informático e demais meios logísticos, recebendo ordens e instruções dos directores de serviços do R. e integrando a própria lista dos “funcionários” que o próprio Instituto disponibiliza na Internet, estando, assim, patenteada a subordinação jurídica da A. para com o R.

IV - É materialmente inconstitucional, por violação do disposto no artigo 47.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, a norma extraída da conjugação dos artigos 41.º, n.º 4, do D.L. n.º 184/89, de 2 de Junho, 44.º, n.º 1, do D.L n.º 427/89, de 7 de Dezembro, e 13.º dos estatutos do Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária (ICERR), aprovados pelo D.L. n.º 237/99, de 25 de Junho, interpretados no sentido de permitirem a contratação de pessoal sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, designadamente na parte em que permite a conversão dos contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho sem termo, sem imposição do procedimento de recrutamento e selecção que garanta o acesso aos candidatos interessados em condições de liberdade e de igualdade.

V - Essa inconstitucionalidade acarreta a nulidade do contrato de trabalho celebrado sem prévio procedimento concursório.

VI - Cabe à A.(trabalhadora), alegar e provar que foi observado o procedimento administrativo de recrutamento e selecção que assegurou a liberdade e igualdade de acesso à função pública, pelo que, não estando determinados os factos sobre a forma como o R. seleccionou a A. – o que impede o tribunal de sindicar o mecanismo selectivo, confrontando-o com aquelas exigências do Texto Fundamental –, tem de se concluir pela nulidade do contrato.

VII - Essa nulidade não impede que o contrato produza os seus efeitos, como se válido fosse, durante o período em que esteve a ser executado, os quais se reconduzem ao pagamento, por parte do R., da retribuição devida à A., bem como dos proporcionais de férias, subsídios de férias e subsídio de Natal.

VIII - Não tendo as partes convencionado o valor das prestações retributivas (nem resultando as mesmas de instrumento de regulamentação colectiva), é cometida ao juiz a fixação da retribuição, ponderando a prática na empresa, os usos do sector e os usos locais (art. 265.º, n.º 1 do CT).

IX - Estando demonstrado que o R. propôs um valor de remuneração para uma tarefa, inicialmente prevista para dois meses, no montante global de € 698,32, a que correspondia o montante mensal de € 349,16, e que a A. continuou a trabalhar, como fizera até então e no mesmo sector, onde permaneceu, para além desses dois meses e até ser dispensada, tem de se entender que a A. aceitou essa retribuição, verificando-se um tácito acordo das partes nesse sentido.

X - Contudo, como o montante da retribuição nunca poderia ser, por imperativo legal, inferior ao salário mínimo nacional, assim como não poderia deixar de contemplar, por imperativo idêntico, o pagamento das férias, do subsídio de férias e do subsídio de Natal, tem de se fixar o valor da retribuição no montante correspondente ao fixado para o salário mínimo, nos anos correspondentes ao período em que decorreu a execução do contrato, no caso, de 2003 e 2004.

XI - A regra de que o contrato inválido produz efeitos como se fosse válido, enquanto se encontra em execução, estende-se aos próprios actos extintivos, até que a nulidade seja declarada ou o contrato anulado, pelo que à cessação unilateral do contrato por iniciativa do R., antes da declaração oficiosa da sua nulidade, se aplica o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho.

XII - A comunicação realizada pelo R. à A. que a partir daquela data não continuaria a trabalhar na Direcção de Estradas, do mesmo passo que lhe foi solicitada a entrega do cartão de acesso às instalações do R., por não ter sido precedida de processo administrativo disciplinar, consubstancia um despedimento ilícito.

XIII - O despedimento ilícito confere ao trabalhador o direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal; todavia, nos casos em que se configura uma invalidade do contrato, o pagamento retributivo – tal como o indemnizatório – deve ser reportado ao momento em que a nulidade é invocada ou, não sendo esse o caso, ao momento em que é declarada pelo Tribunal.

XIV - Não tendo as partes invocado a nulidade do contrato, antes da propositura da acção ou no seu decurso, nem tendo a mesma sido declarada pelas instâncias, o momento atendível para o termo do pagamento retributivo será o da prolação do presente acórdão, coincidindo o início desse pagamento com a data do despedimento, uma vez que a A. instaurou a acção dentro dos 30 dias subsequentes ao mesmo.

XV - Face ao critério relevado para o cômputo retributivo – o salário mínimo nacional – caberá atender ainda às actualizações de que o mesmo entretanto beneficiou.

XVI - Não sendo viável a reintegração da A., por virtude da nulidade do vínculo, caber-lhe-ia, em princípio, o direito à indemnização por antiguidade, o qual não é, no caso, atribuído, por não ter sido formulada a necessária pretensão nesse sentido.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1- RELATÓRIO 1.1.

AA intentou, no Tribunal do Trabalho de Coimbra, acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “Instituto das Estradas de Portugal” (ex-ICERR, actualmente denominado “EP – Estradas de Portugal”), pedindo, sob o fundamento da vinculação das partes a um contrato de trabalho por tempo indeterminado, se declare: - que a Autora é trabalhadora do Réu, ao abrigo de um contrato de trabalho sem termo, desde o dia 1 de Dezembro de 2003; - que a Autora tem direito à retribuição mensal de € 800, acrescida de subsídio de férias, subsídio de Natal e subsídio de refeição; - que o despedimento da Autora é ilícito e nulo, não produzindo quaisquer efeitos, determinando-se a sua reintegração no respectivo posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; - que o Réu seja condenado a pagar à Autora as retribuições vencidas.

Para além de excepcionar a incompetência material do foro demandado, o Réu qualifica a relação jurídica aprazada como um contrato de prestação de serviço, que cessou regularmente no seu termo.

1.2.

Instruída e discutida a causa – e depois de rejeitar a defesa exceptiva do Réu – veio a 1.ª instância a julgar procedente a acção, por virtude do que emitiu o seguinte segmento decisório: “A - declara-se que entre o R. IEP e a A. AA vigora um contrato sem termo, com início em 1 de Dezembro de 2003, auferindo esta a retribuição mensal ilíquida de € 800 (obviamente acrescido de subsídio de férias e de Natal) e o subsídio de refeição de € 5,08 por cada dia de trabalho efectivo e com a categoria profissional de “administrativa”; B - condena-se o R. ... a reconhecer a existência desse contrato de trabalho sem termo; C - declara-se que o despedimento efectuado pelo R. é ilícito; D - condena-se o R. a reintegrar a A. no seu posto de trabalho, com respeito pela sua categoria e antiguidade; E - condena-se o R. a pagar à A. a quantia global de € 22.525,39, correspondente às retribuições e subsídios devidos desde Dezembro de 2003 a Setembro de 2005 (inclusive)”.

Irresignado com a decisão, o Réu apelou para o Tribunal da Relação de Coimbra, arguindo a nulidade da sentença (por excesso de pronúncia e oposição entre os fundamentos e o julgado), pedindo a alteração da matéria de facto, reclamando a qualificação do vínculo como “contrato de prestação de serviço” e questionando, por fim, o montante da “retribuição” devida à Autora entre 1 de Dezembro de 2003 e 3 de Maio de 2004.

Depois de rejeitar a censura adjectiva produzida pelo Réu – nulidades decisórias e alteração da decisão factual – a 2.ª instância veio a decidir que, no caso, irrelevava de todo a qualificação do vínculo, sob a motivação de que, a configurar-se um contrato de trabalho, o mesmo seria nulo por não se achar demonstrado o imprescindível cumprimento do adequado procedimento concursório, sendo que essa nulidade determina consequências idênticas às de um contrato de prestação de serviço, ou seja, o simples pagamento à Autora das “retribuições” vencidas e não pagas, reportadas ao período que decorreu entre 1 de Dezembro de 2003 e 30 de Abril de 2004.

Por fim, discorrendo sobre o montante dessa “retribuição”, quantificou-a em €349,16 por mês.

Em conformidade com a fundamentação aduzida, julgou parcialmente procedente a apelação e condenou o Réu a pagar à Autora a quantia global de € 1.396,64, revogando no mais a...

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