Acórdão nº 08S0720 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelMÁRIO PEREIRA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA REVISTA Sumário : I - O artigo 77.º, nº 1, do CPT, conjugado com o artigo 716.º, do CPC, impõe que a arguição de nulidade dos acórdãos dos Tribunais da Relação seja feita, de forma expressa e separada, no requerimento de interposição de recurso que é dirigido ao tribunal recorrido, sob pena de extemporaneidade.

II - Não tendo as partes alegado factos integradores da existência de um acordo simulatório, da existência da intenção de, por via deste, enganarem (ou prejudicarem) terceiros nem alegado que terceiro ou terceiros visavam enganar (ou prejudicar), não poderiam a sentença e o acórdão recorrido dar como assentes a existência do acordo simulatório na celebração do segundo contrato, a intenção das partes de, por essa via, enganarem terceiros nem dar como assente ter sido a Federação Portuguesa de Futebol o terceiro enganado, por tal não encontrar assento legal nos art.ºs 264.º, nº 2, 514.º e 665.º, do CPC.

III - Quando exista um princípio de prova por escrito que torne verosímil o facto alegado, a prova testemunhal já não é o único meio de prova desse facto, justificando-se a excepção quanto à sua admissibilidade por, então, o perigo que representa ser, em grande parte, eliminado, visto a convicção do tribunal se achar já formada parcialmente com base num documento.

IV - Sendo imputável ao Autor/credor a falta de liquidez do crédito, os respectivos juros de mora só são devidos após o crédito se tornar líquido, conforme resulta do disposto no art. 805.º, n.º 3, 1ª parte, do CC.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça I.

O AA intentou no Tribunal do Trabalho de Lisboa o presente processo declarativo comum contra a R. "S... L... e B... - Futebol SAD", pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe o total de 389.109,77 € acrescida de juros vincendos até efectivo e integral pagamento.

Alegou, em síntese: Por contrato celebrado em 9.06.99, obrigou-se a prestar a sua actividade de jogador de futebol, tendo o contrato início em 30.06.99 e termo em 30.06.03; nos termos deste contrato, foi estabelecida a retribuição de 2.250 mil dólares líquidos, a pagar 200.000 dólares no acto da assinatura e 500.000 dólares distribuídos por cada uma das quatro épocas; paralelamente, mas unicamente para efeitos de registo desportivo, celebraram outro contrato em 17.06.99, redigido em português e com retribuição em escudos portugueses; na altura, para fazer a conversão em escudos utilizou-se câmbio de 180$00, fixando-se a quantia de 90.000.000$00 por cada época; precisamente porque aquando da celebração do verdadeiro contrato – de 9.06.99 – já se previa a necessidade de outorgar outro com retribuição em escudos, as partes logo convencionaram uma cláusula onde fizeram constar que "este es el contrato válido, referente a los montantes de diñero, que serão regulados poe la diferença en el final de cada temporada”; contudo, apesar de terem assim convencionado que procederiam aos acertos cambiais no final de cada época desportiva, já que a retribuição acordada seria de 500.0000 Dólares por cada época, e não obstante a flutuação cambial que desvalorizou o escudo, a ré nunca procedeu aos acertos, quantias que ora vem reclamar, indicando, relativamente a cada época desportiva, a diferença entre o devido e o percebido e o valor dos juros de mora sobre essas quantias vencidos desde 1 de Julho do ano em questão até à data da propositura.

A ré contestou, alegando que o contrato de trabalho desportivo celebrado em 17.06.99, por ser posterior e com o mesmo objecto, revogou tacitamente o anterior, sendo falso que este tenha sido efectuado somente para efeitos de registo desportivo; logo, sendo este o válido, a retribuição é expressa em escudos e somente aquela, nenhuma alusão ali se fazendo a diferenças cambiais, que, assim, não são devidas.

O A. respondeu, tendo concluído como na p.i..

Saneada, instruída e discutida a causa, foi proferida a sentença de fls. 152/155 que julgou a acção procedente e condenou a R. a pagar ao A. o que se liquidar em execução de sentença referente a diferenças cambiais entre a retribuição anual auferida pelo A. em escudos portugueses (90.000.000$00) e a que deveria ter recebido por referência à retribuição anual de US$ 500.000 dólares, relativos a cada época anual de 1999/2000, 2000/2001, 2001/2002 e 2002/2003.

A fls. 161 e 162, o A. reclamou da sentença, por alegada ambiguidade da mesma, pedindo que fosse esclarecido se a R. foi ou não condenada nos juros de mora peticionados.

Sobre tal requerimento recaiu decisão do M.mo Juiz do processo, a fls. 165, do seguinte teor: “Fls. 161 e 162 – Pedido de esclarecimento Havendo condenação em quantia a liquidar em execução de sentença só haverá mora a partir da liquidação, porque, inclusive, a falta de liquidação logo na acção declarativa se ficou a dever a falta de prova do autor – ver art.

805, n.º 3 do Cód. Civil.

Assim, será na sentença a proferir em sede de execução que se fixarão os juros, e não na declarativa onde ainda não há condenação em quantia certa, assim se esclarecendo o autor”.

Da sentença apelaram ambas as partes.

Por acórdão da Relação de Lisboa, foram ambas as apelações julgadas improcedentes e a sentença confirmada.

* * * * II.

Novamente inconformadas, as partes interpuseram as presentes revistas, em que formularam as seguintes conclusões: A Ré: 1. O Acórdão recorrido, a. Ao invés de reconhecer a inexistência de simulação por não ter ficado demonstrada a intenção de prejudicar terceiros, nem indicar o terceiro lesado ou, pelo menos, visado, pretendeu encontrar matéria que suportasse aquela qualificação. Foi em busca de factos que não foram invocados pelo A., nem considerados na sentença, conjecturando, concluindo, especulando e presumindo como se a sua apreciação da causa não tivesse limites, substituindo-se ao A. complementando a petição e substituindo-se à instância complementando a sentença, com base em factos que não foram arguidos e, como tal, não poderiam ser demonstrados; b. A fundamentação material com que pretende ver conformada a intenção de enganar e a identificação do terceiro prejudicado não decorre da matéria de facto assente, tal como evidencia a resposta aos quesitos, o relatório da sentença e a própria sentença. São factos, conclusões, ilações, deduções, presunções inovatórias no processo e relativamente ao processo; c. Alterou a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto; d. Não constando do processo a matéria de facto que considerou apta a demonstrar a intenção de prejudicar e a identificar o terceiro prejudicado, nem tendo ocorrido no processo gravação dos depoimentos prestados; e. Pelo que, por um lado, modificou decisão de facto que não podia modificar e, por outro, extravasou os seus poderes de cognição, ao conhecer sobre factos sem existência processual; f. Por outro lado, constata que a sentença da 1ª instância fundamenta expressamente a existência da simulação na prova testemunhal; g. Considerando, no entanto, ao invés do que expressa a Meritíssima Juiz da 1ª instância, que a existência do contrato dissimulado reduzido também a escrito constitui um princípio de prova e que, portanto, esta se não confinou à testemunha do A., mas também a este documento; h. Concluindo que, desta forma, não existe a invocada violação da lei, uma vez que existe o tal princípio de prova conformado no contrato dissimulado, Modificou, em ambos os casos, decisão de facto que não podia modificar e extravasou os seus poderes de cognição, ao conhecer sobre factos sem existência processual, violando, pois, o art. 712°, n.° 1, a) do CPC e sendo nulo por ter conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento, nos precisos termos do art. 668°, n.° 1, d) do mesmo diploma, nulidade arguível em sede de recurso, conforme o n.° 4 deste preceito.

  1. O Acórdão recorrido, a. Ao ignorar que o A. não invocou, nos seus articulados, nem a existência do acordo simulatório, nem a existência de terceiro prejudicado, limitando-se, tão só, a alegar a sobrevigência de uma cláusula contratual, independentemente da celebração de contrato posterior sobre o mesmo objecto e entre os mesmos sujeitos; b. E que, em bom rigor, aliás, o A. não conformou a simulação como causa de pedir da presente acção, Extravasou dos factos articulados pelas partes e violou os limites impostos pelo art. 664° do CPC.

  2. O Acórdão recorrido, a. Ao presumir os dois elementos essenciais da simulação, o intuito de enganar e o terceiro visado, sem qualquer fundamento de facto, b. Ao presumir que pretenderam as partes ludibriar a Federação Portuguesa de Futebol, enquanto entidade de registo, sem que se perceba quais as razões, as vantagens ou os motivos de tal engano, atenta a função meramente notarial desta entidade no que concerne ao registo de contratos; c. Ao presumir o prejuízo do Fisco e da Segurança Social, quando no contrato qualificado como simulado o montante das remunerações correspondia ao estabelecido no contrato simulado, nada permitindo prever, na conjuntura económica da época, desvalorização acentuada do dólar face ao escudo, então moribundo, em processo de substituição pelo Euro; Estabeleceu presunções judiciais de patente ilogicidade e sem fundamento fáctico, pelo que violou também o art. 712°, n.° 1, a) do CPC, 4.O Acórdão recorrido, a. Apenas e infundadamente presume a intenção de enganar terceiros, como da mesma sorte presume o terceiro ou terceiros que se visava enganar com a simulação, não esclarecendo a vontade das partes de enganar ou prejudicar seja quem for; b. Não logra demonstrar o intuito de enganar ou prejudicar, pelo que não há simulação. E não havendo simulação, a nulidade que a sentença de 1ª instância e o Acórdão recorrido atribuem ao contrato de 17.06.99 cai inane; Não cuidou de apurar e verificar a existência do intuito de enganar terceiros, violando o art. 240° n.° 1 do Código Civil.

  3. O Acórdão recorrido, a. Reconhece que a convicção do...

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