Acórdão nº 09S0153 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Abril de 2009

Magistrado ResponsávelMÁRIO PEREIRA
Data da Resolução22 de Abril de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I - O autor AA instaurou a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra a ré Companhia Carris de Ferro de Lisboa, S.A.

pedindo que: a) se declare a ilicitude do despedimento, sem prejuízo da remuneração, atento o valor peticionado de € 1.000,00, antiguidade; categoria e posto de trabalho; b) se condene a R. a reintegrar o A., atento o peticionado em a), bem como no pagamento, a título de indemnização por danos não patrimoniais, da quantia de € 5.000,00, e ainda da quantia de € 250,00, a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia em que, por qualquer forma, a contar da citação, se abstenha de convocar o A. para retomar funções.

Para tanto alega, em síntese: Foi admitido ao serviço da R. em 15 de Março de 1999, tendo actualmente a categoria profissional de motorista de serviço público.

Com data de 19 de Maio de 2006, foi notificado da decisão final que determinou a aplicação da sanção de despedimento com justa causa.

Parte dos factos imputados ao A. não corresponde à verdade e o despedimento viola os princípios de proporcionalidade e da culpabilidade, pelo que inexiste justa causa de despedimento.

Encontra-se extinto o procedimento disciplinar por caducidade uma vez que mediaram mais de 30 dias entre a data do conhecimento dos factos (15.12.2005) e a data da instauração do processo disciplinar (09.02.2006), nos termos da cláusula 47ª/3 do AE.

As testemunhas arroladas não foram inquiridas, como consta da cláusula 48ª/3.1, nos termos da qual a empresa solicitará a comparência das testemunhas ou o seu depoimento por escrito.

Há nulidade insuprível de todo o processo disciplinar, por não audição do A., uma vez que não foram realizadas as demais diligências probatórias requeridas, não tendo sido comunicadas as razões da recusa.

Constitui igualmente nulidade insuprível o facto de a R. não ter enviado qualquer cópia da nota de culpa para o sindicato no qual o A. se encontra filiado.

Com a notificação da nota de culpa e da decisão final, o A. viu agravado o seu estado de saúde e o seu bom nome, respeito e dignidade profissional e pessoal foram gravemente afectados.

A R. contestou, concluindo pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido, com base, em síntese, nos seguintes fundamentos: O A. cometeu os factos descritos no processo disciplinar, o qual não padece das nulidades apontadas por aquele.

Os factos praticados pelo A. quebraram a relação de confiança que existia entre as partes e inquinaram para sempre as relações de trabalho.

Saneada e julgada a causa, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e: a) condenou a R. a reintegrar o A. no seu posto de trabalho e sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; b) condenou a R. a pagar ao A o valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até à data do trânsito em julgado desta sentença, nelas se incluindo as retribuições de férias, subsídio de férias e de Natal, à razão de 837,27 euros por mês, e deduzindo-se a estes montantes os referidos no facto nº 22 bem como aqueles que o A. vier a obter e que não receberia se não fosse o despedimento, incluindo subsídio de desemprego; c) condenou a R. no pagamento da sanção pecuniária compulsória de 100 euros por cada dia de atraso na reintegração do A. após trânsito em julgado desta sentença.

Dela apelou a R., tendo a Relação de Lisboa, por seu douto acórdão, proferido a seguinte decisão: «Pelo exposto se acorda julgar parcialmente procedente a apelação, declarando verificada a arguida nulidade da sentença (art. 668º nº 1 al. e) do CPC), na parte em que condenou além do pedido, ou seja, quanto à alínea b) do dispositivo, que por isso fica sem efeito, confirmando-a no demais, com a seguinte correcção na parte final da alínea a) do dispositivo: onde se lê "...categoria e antiguidade;" passará a ler-se "... categoria, antiguidade e remuneração».

II - Novamente inconformada, a R. interpôs a presente revista em que formulou as seguintes conclusões: 1ª. Os factos praticados pelo recorrido constituem falta grave pela quebra da necessária confiança que pressupõe a manutenção da relação laboral e não, como entendeu o acórdão em recurso, que considerou que, num dos factos, não houve violação de um dever laboral e, no outro, se tratou de um lapso ou esquecimento. Com efeito, 2ª. O recorrido preencheu e assinou em nome de outra pessoa um questionário que a recorrente havia enviado a essa testemunha que tinha presenciado um acidente que envolveu o recorrido.

  1. Esse questionário foi preenchido e assinado pelo recorrido em nome da testemunha e foi enviado à recorrente como se tivesse sido preenchido, assinado e enviado à recorrente pela testemunha do acidente.

  2. Considerou o acórdão em recurso que existe um comportamento incorrecto do recorrido, mas que não existem elementos que permitam concluir a intenção de ludibriar ou que houvesse má fé na sua actuação, o que não é o entendimento mais correcto face à postura do recorrido e à forma como o mesmo actuou nesta situação.

  3. E, ao contrário do entendimento do douto acórdão, não incumbia à recorrente averiguar se o recorrido actuou no sentido de enganar a recorrente, já que era ao recorrido que incumbia provar que foi a testemunha que lhe havia pedido para preencher e assinar o questionário em seu nome, o que não fez.

  4. A tal não obsta o facto do recorrido ter dito no processo disciplinar que só teve essa atitude porque a própria testemunha lhe pediu, dado que, pelas declarações do recorrido a fls. 24 do processo disciplinar, o mesmo não diz que a testemunha lhe pediu para assinar por si.

  5. Só seria de aceitar que à recorrente caberia apurar a veracidade do que o recorrido afirmou quando prestou declarações no processo disciplinar, se o recorrido no momento em que devolveu à recorrente o questionário tivesse logo declarado, aquando da entrega à recorrente, que esse preenchimento e assinatura tinha acontecido a pedido da própria testemunha, o que não aconteceu.

  6. O acórdão em recurso tinha que ter em consideração a postura do recorrido em todo o processo, desde o processo disciplinar até à petição inicial, já que o recorrido refere nos artºs. 6º. e 8º. da petição que "redigiu o que a testemunha lhe ditou" e que o "impresso não se encontra assinado, apenas contém o nome da testemunha, reservando-se a restante linha para ser assinada pela mesma testemunha".

  7. E a fls. 24 do processo disciplinar e quando, no dia 09.02.2006, o recorrido prestou declarações afirmou "aceitou preencher o referido questionário e, uma vez, que não voltou a ver essa testemunha para ela assinar o questionário, resolveu assinar por ela" e "que está arrependido de ter assinado uma vez que o questionário deveria ter sido assinado pela testemunha".

  8. Verifica-se, assim, uma contradição entre a postura do recorrido e a interpretação que é dada à sua atitude, considerando que não existe qualquer violação de um dever laboral com relevância disciplinar, já que em momento algum, quer do processo disciplinar quer da petição inicial e quer da matéria de facto apurada, é dito que a testemunha pediu ao recorrido para assinar por ela.

  9. Não se pode pretender que seja a recorrente a apurar se a versão do acidente foi forjada, quando o próprio recorrido o que fez foi entregar o questionário à recorrente, fazendo-lhe crer que esse documento havia sido preenchido e assinado pela pessoa a quem foi enviado.

  10. Era o recorrido que tinha que dizer à recorrente, no momento em que entregou o questionário, que o tinha preenchido e assinado em nome de outra pessoa porque esta lhe tinha pedido.

  11. Não o tendo feito, o comportamento do recorrido é grave ao fazer crer à recorrente que aquele questionário tinha sido preenchido e assinado pela testemunha.

  12. E, a partir desse momento, é indiferente, para a valoração do comportamento do recorrido, saber se as referidas declarações correspondem à descrição que a testemunha fazia do acidente, ou que a testemunha não existia e o testemunho era fictício.

  13. Pelo que o comportamento do recorrido é merecedor de forte censura disciplinar, por representar violação grave do dever de lealdade e pela quebra de confiança que originou na relação entre as partes, já que o recorrido tentou enganar a recorrente e a sua atitude merece forte censura.

  14. No que se refere aos factos ocorridos com o recorrido em 30.12.2005, igualmente merece censura a decisão no acórdão objecto do presente recurso, dado que não se pode concluir que a atitude do recorrido se reconduz a um mero lapso ou esquecimento.

  15. Resulta provado que se não fosse a intervenção do agente de fiscalização o recorrido tinha ficado em seu poder com o dinheiro de um bilhete.

  16. E a tal não obsta o facto de não se ter provado o que constava do ponto 10 da Nota de Culpa, ou seja que o recorrido se pretendia locupletar com o valor do bilhete, uma vez que tal só poderia ser provado de forma directa se o próprio recorrido o confirmasse.

  17. O recorrido vem dizer no artº. 21º. da petição inicial que entregou dois bilhetes aos turistas quando apenas havia entregue um, no processo disciplinar havia dito (fls. 4) "que estava convencido que tinha entregue duas tarifas de bordo".

  18. Estranha-se a atitude do recorrido, que não se reconduz a um mero lapso ou esquecimento, dado que quando confrontado pelo agente de fiscalização nada tenha dito e de imediato ter entregue o outro bilhete, quando o que seria normal era que tivesse dito que tinha entregue dois bilhetes.

  19. E a recorrente coloca a questão: se não fosse a intervenção do agente de fiscalização, qual seria o destino do dinheiro do bilhete que havia sido recebido pelo recorrido e que não havia sido entregue ao passageiro?.

  20. O recorrido no exercício das suas funções, recebeu de um casal a importância de € 2,40 para pagamento de dois bilhetes e apenas entregou um bilhete.

  21. Que outra conclusão se pode tirar sobre o destino do...

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