Acórdão nº 08P3704 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Abril de 2009

Magistrado ResponsávelRAÚL BORGES
Data da Resolução15 de Abril de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

No âmbito do processo comum singular n.º 189/04.0GBTMC, do Tribunal Judicial da Comarca de Torre de Moncorvo, foi submetido a julgamento o arguido AA, melhor identificado nos autos.

Por sentença de 17 de Dezembro de 2007, constante de fls. 650 a 701, foi o arguido condenado pela prática, como autor material, de: - Um crime de homicídio por negligência, p. p. pelas disposições conjugadas dos artigos 13º, in fine, 15º, alínea b), 26º, 1ª proposição e 137º, n.º 1, todos do Código Penal, na pena de 12 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 24 meses; - Dois crimes de ofensas à integridade física por negligência, p. p. pelas disposições conjugadas dos artigos 13º, in fine, 15º, alínea b), 26º, 1ª proposição e 148º, n.º 1, todos do Código Penal, nas penas de 80 dias de multa por cada um e, em cúmulo jurídico, na pena única de 120 dias de multa, à razão diária de € 5,00.

Relativamente ao pedido de indemnização cível formulado pela assistente BB, por si e em representação do seu filho menor CC, foi decidido (com rectificação ordenada a fls. 795 no que toca à indicação do dies a quo do prazo de contagem de juros de mora): Julgar tal pedido parcialmente procedente e, em consequência, condenar a demandada II Companhia de Seguros, S.A., a pagar-lhes as seguintes quantias: a) a título de danos patrimoniais a quantia de € 6.148,89; b) a título de dano futuro a quantia de € 230.000,00, a repartir pela assistente e pelo menor de acordo com a sucessão legitimaria; c) a título de dano morte a quantia de € 75.000,00, a repartir pela assistente e pelo menor de acordo com a sucessão legitimaria; d) a título de danos morais sofridos por DD a quantia de € 7.500,00, a repartir pela assistente e pelo menor de acordo com a sucessão legitimaria; e) a título de danos morais próprios sofridos pela demandante BB, a quantia de € 25.000,00; f) a título de danos morais próprios sofridos pelo demandante CC a quantia de € 30.000,00, sendo todas estas quantias acrescidas de juros de mora, à taxa legal de 4%, a contar desde a data da decisão e até efectivo e integral pagamento.

Inconformada com a decisão, a demandada II- Companhia de Seguros, S.A. interpôs recurso, necessariamente restrito à parte cível, apresentando a motivação de fls. 706 a 714, e pugnando pela revogação parcial da decisão recorrida, a que a recorrida respondeu, conforme fls. 767 a 788.

Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto (Processo n.º 2840/08-4), datado de 14 de Julho de 2008, constante de fls. 810 a 826, foi concedido parcial provimento ao recurso e alterada a sentença recorrida, apenas no que tange ao valor arbitrado a título de indemnização do dano morte, que foi reduzido e sendo fixado o montante correspondente em € 55.000,00, mantendo-se em tudo o mais o decidido em primeira instância.

Novamente inconformada, a mesma demandada interpôs recurso para este Supremo Tribunal, apresentando a motivação de fls. 834 a 839, que remata com as seguintes conclusões: 1ª - A recorrente, não obstante apenas o parcial provimento do recurso pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, entende com o devido respeito e salvo melhor opinião, que os montantes fixados pelo douto acórdão recorrido a titulo de danos não patrimoniais são excessivos e injustificados, pelo que o douto acórdão recorrido efectuou uma menos correcta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto; 2ª - Sempre tendo em conta que neste tipo de danos impera a equidade, este princípio impõe que sejam tratados e indemnizados de modo razoável e justo situações idênticas, ou seja, devemos seguir-nos por critérios e medidas padrão, em que se obtenha, tanto quanto possível um modelo indemnizatório que permita uma maior certeza jurídica, de igualdade e socialmente justa.

  1. - Pelo que, salvo o devido respeito, a indemnização e valoração dos danos corporais/danos não patrimoniais, deve pautar-se e obedecer a critérios e princípios de objectividade, transparência, razoabilidade, justiça e equidade.

  2. - Por isso, a recente legislação vai exactamente nesse sentido, e a publicação da Portaria n° 377/2008 de 26 de Maio, estabeleceu valores que devem ser seguidos, como critérios orientadores e uniformizadores.

  3. - O que aplicado ao caso dos autos, com idade da vítima entre 25 e 49 anos e tudo ponderado, conclui-se que o montante para indemnização pela perda do direito à vida deve situar-se nos 50.000,00 euros.

  4. - Em termos de equidade, deverá ser atribuída, a título de compensação por danos não patrimoniais sofridas pela vítima nos momentos que imediatamente antecederam a sua morte a quantia de 1.000,00 euros.

  5. - No caso em apreço mostra-se adequado o montante global de 20,000 euros para compensar a assistente de todos os seus danos não patrimoniais; 8ª - De igual modo mostra-se adequada e proporcionada a quantia global de 15.000,00 euros para ressarcimento de todos os danos não patrimoniais sofridos pelo menor.

  6. - Ao decidir, como julgou o douto acórdão recorrido, fixando as quantias indemnizatórias aqui impugnadas, fez o Venerando Tribunal recorrido uma menos correcta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, com violação do disposto nos arts 483°, 494°, 496°, 562° e 566° do Código Civil.

No provimento do recurso, pede a revogação do acórdão recorrido e sua substituição por outro que considere procedentes as alegações e conclusões supra aduzidas, com as legais consequências.

A recorrida BB, por si e em representação do seu filho menor CC, respondeu, conforme fls. 865 a 883, pugnando pela confirmação do julgado e rematando com as seguintes conclusões: 1 - A recorrente pretende a diminuição dos montantes indemnizatórios atribuídos a título de dano morte, de danos morais sofridos pelo falecido e de danos morais próprios sofridos pela assistente e seu filho.

2 - É inquestionável, porém, que nenhuma razão lhe assiste.

3 - O acórdão recorrido respeitou os princípios que norteiam a fixação das indemnizações a título de danos não patrimoniais e seguiu os critérios orientadores e uniformizadores da doutrina e jurisprudência.

4 - Por sua vez, os recursos da recorrente são um autêntico ziguezague, pugnando, em ambos, por indemnizações diferentes.

5 - Fazendo, praticamente, finca-pé para a redução dos montantes indemnizatórios atribuídos nos valores fixados na Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, aprovada sob proposta do Instituto de Seguros de Portugal.

6 - Essa portaria mais não é do que um "documento de trabalho" para as seguradoras, pretendendo uniformizar os "procedimentos obrigatórios de proposta razoável para a regulação do dano material" - 2º parágrafo do preâmbulo da aludida Portaria.

7 - Estabelecendo um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis, possibilitando ainda que a autoridade de supervisão possa avaliar, com grande objectividade, a razoabilidade das propostas apresentadas, não afastando a fixação de valores superiores aos propostos.

8 - Pretender que aqueles critérios se apliquem fora desse âmbito não encontra qualquer justificação legal.

9 - No caso em apreço o critério para a compensação dos danos não patrimoniais é determinado segundo a equidade.

10 - O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e as do lesado e do titular da indemnização, etc.

11 - A indemnização pela morte de uma pessoa não tem um valor fixo.

12 - A compensação pela perda do direito à vida deve reflectir o grau de reprovação da conduta do lesante.

13 - No caso em apreço, não se atendendo à situação económica do lesante por impender sobre a seguradora e não sobre ele a obrigação de indemnizar, a actuação do lesante foi grosseira, que conduzia totalmente distraído, permitindo que o seu automóvel circulasse na faixa de rodagem contrária, aí indo embater no veículo da malograda vítima, não tendo, culposamente, avistando-a numa recta com boa visibilidade.

14 - Assim, e tendo em conta que o Supremo Tribunal de Justiça tem atribuído pela perda do bem vida, valores que se situam entre os € 50.000,00 e os € 60.000,00 - Acórdão deste Supremo Tribunal de 5.7.2007 (Processo 07ª1734), in www.dgsi.pt -, mostra-se, atento o exposto, ajustado o valor atribuído de € 55.000,00, pelo que, ao contrário do alegado pela recorrente, respeitou-se os critérios orientadores e uniformizadores da doutrina e jurisprudência.

15 - Em relação aos danos morais sofridos pela vítima, a alegação da recorrente não encontra qualquer suporte na factualidade provada e a quantificação da indemnização não é medida à hora mas sim em função do sofrimento moral antes da morte.

16 - Pode-se sofrer mais em duas horas do que em dois dias.

17 - Com relevância para a fixação da indemnização ficou provado o seguinte: - À vítima teve que ser desencarcerado da sua viatura pelos bombeiros, apresentado ainda sinais de vida, o que representa, notoriamente, um facto moroso e de sofrimento extremo.

- Foi transportado de ambulância para o Hospital de Torre de Moncorvo, onde deu entrada já sem vida.

- Padeceu de dores graves que só cessaram com a sua morte.

18 - "Dentro deste quadro fáctico, sendo certo que o sofrimento moral ante a iminência da morte constitui um facto notório que inclusivamente dispensa alegação e prova, não se tendo demonstrado a invocado estado de inconsciência, há que considerar o montante dado como justo e equitativo" - Acórdão recorrido.

19 - No que diz respeito aos danos não patrimoniais sofridos pela mulher e filho da vítima estes danos não patrimoniais correspondentes à perda da vida do marido e pai e à dor e sofrimento da mulher e filho são indemnizados com recurso à equidade, tendo-se em atenção ao grau de culpabilidade do agente - grave e exclusiva - e as circunstâncias do caso concreto, não se atendendo à situação económica do lesante por impender sobre a seguradora e...

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