Acórdão nº 08S2571 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelSOUSA GRANDÃO
Data da Resolução04 de Março de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1- RELATÓRIO 1.1.

AA intentou, no Tribunal do Trabalho de Abrantes, acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra "P.T. - Comunicações, S.A.", pedindo, com fundamento na existência de um contrato de trabalho entre as partes, cujo reconhecimento reclama, que a Ré seja condenada a pagar-lhe as quantias discriminadas na P.I., a título de remunerações em dívida, diferenças salariais e indemnização por obstrução ao gozo de férias.

No seu instrumento contestatório, a Ré demanda a improcedência total da acção, sob o fundamento de que o vínculo em análise configura um contrato de prestação de serviço e, em sede reconvencional, pede que a Autora seja condenada a repor as quantias que a Ré lhe pagou durante o período - que identifica - em que a demandante não realizou qualquer actividade.

Em resposta, a Autora concluiu pela improcedência da reconvenção e procedeu à reformulação dos pedidos inicialmente deduzidos.

1.2.

Instruída e discutida a causa, foi proferida sentença que: - condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 2.568,80, "... devida pelos serviços por si prestados à Ré referentes aos meses de Julho de 2005, Setembro de 2005 a Maio de 2006"; - julgou, no mais, improcedente a acção e totalmente improcedente a reconvenção.

Debalde apelou a Autora, porquanto o Tribunal da Relação de Évora confirmou na íntegra a sentença da 1ª instância.

Em síntese, convergiram as duas decisões no sentido de que a Autora não lograra provar a existência do aduzido vínculo laboral, de que dependia o êxito nuclear da demanda.

1.3.

Continuando irresignada, a Autora pede a presente revista, cujas alegações encerra com o seguinte quadro conclusivo: 1- como elemento mais marcante da autonomia que a decisão recorrida atribui à relação entre as partes, é aí invocado o facto de, algumas vezes, a A. se ter feito substituir pelo marido na execução dos serviços de limpeza, por supostamente revelar que o que estaria em causa não era tanto a actividade da A., mas sim a obtenção de um resultado, isto é, que as instalações se mantivessem limpas; 2- todavia, este argumento deve ser refutado, desde logo por ser abusivo afirmar que ela "se fez substituir pelo marido na execução dos serviços", quando apenas se provou que "algumas vezes foi o seu próprio marido quem procedeu à execução dos serviços de limpeza", o que não invalida que a A. estava também no local de trabalho, onde o marido a ia auxiliar quando às vezes estava mal de saúde, como afirmou; 3- deve ainda ser refutado, mesmo se se tratasse de uma substituição propriamente dita, atento o facto de em todas as empresas e organizações ser normal e frequente o fenómeno da "substituição" de um trabalhador por outro, nos casos de impedimento, doença, licença ou análogo, sem que a relação laboral com o trabalhador impedido fique descaracterizada só porque o seu trabalho habitual pôde ser ocasionalmente prestado por outrem; 4- deve ainda ser refutado porque a substituição da A. na execução de algumas tarefas - além de ter ocorrido com raridade - foi feita pelo seu marido, que era empregado da mesma empresa, constituindo a situação mais análoga possível à referida na conclusão anterior (substituição por outro colega) e a mais afastada possível da existência de pessoal assalariado dependente do trabalhador; 5- a natureza das funções da A. (limpeza das instalações da R.) e a necessidade de tais instalações se manterem limpas, exigia que a A. aí permanecesse e desse resposta às plúrimas solicitações decorrentes das demais funções laborais aí prestadas e da não perturbação dos outros trabalhos em curso, conforme previsto no próprio contrato, acentuando a característica da disponibilidade permanente da A. perante a R., em detrimento de um determinado resultado mensurável; 6- neste mesmo sentido de a A. se ter vinculado a prestar a sua actividade deve ter-se em conta o facto provado sob o n.º 2, onde conta textualmente que a A. "vem prestando à R. a sua actividade"; 7- mesmo tendo-se dado como provado que a R. não determinou a hora do início ou terminus da actividade prestada pela A., isso não invalida que, contratualmente, esta era obrigada a prestar a sua actividade por forma a não perturbar os outros trabalhos em curso e no período normal de trabalho (09.00/12.30h e 13.30/18.00H), o que é um indício claro da existência do controlo externo do momento e do modo da prestação; 8- efectivamente, no próprio contrato de 26/1/83, consignaram-se rígidas limitações à liberdade da prestação da actividade da A., ao estipular-se:"estes serviços deverão ser prestados ...

no período normal de trabalho ... e de forma a não perturbarem outros trabalhos em curso"; 9- embora a subordinação não transparecesse em cada momento da prática desta relação de trabalho, o certo é que a A. se mantinha em estado de dependência potencial perante a R., conexo à disponibilidade que esta obteve pelo contrato, para que a Estação Automática do Entroncamento se mantivesse limpa; 10- não constituía qualquer impossibilidade de a actividade da A. ser dirigida, vigiada ou contratada o facto de a R. não ter instalado qualquer posto de trabalho permanente naquela Estação, pois o mesmo sucedia com os outros trabalhadores subordinados que iam prestar a sua actividade naquele local; 11- a A. estava inserida na organização dos serviços gerais da R., sendo prova disso o facto de estar obrigada a exercer a sua actividade no período normal de trabalho e dentro de certo horário, por forma a não perturbar os outros trabalhos em curso, conforme se consignou contratualmente; 12- a simplicidade técnica das funções que desempenhava levava a que a entidade subordinante não necessitasse de dar indicações sobre a actividade, limitando-se a solicitar um resultado, embora mantivesse o poder de conformação da actividade da A. em si mesma, caso quisesse ou se tornasse necessário; 13- se o resultado pretendido pela R. era a limpeza diária das referidas instalações, naturalmente para que as salas de trabalho, instalações sanitárias, etc. se encontrassem limpas no início de cada dia de trabalho e também ficassem limpas no seu final, a A. tinha de estar disponível perante a R. para proporcionar continuamente aquele resultado e acorrer às diversas solicitações que fossem aparecendo; 14- a A. obrigou-se a efectuar a limpeza diária da Estação Automática mediante uma retribuição correspondente a x horas de trabalho, retribuição essa que foi evoluindo a par e passo com os aumentos salariais dos demais trabalhadores, inclusive com o pagamento de retroactivos; 15- a contratação da A. era estritamente pessoal e era ela própria que estava obrigada a efectuar a limpeza da estação de telecomunicações, na qual, como se provou, todos os acessos tinham de ser controlados por razões de segurança; 16- o auxílio pontual que lhe foi prestado pelo seu marido justifica-se tendo em conta que, além de ambos trabalharem para a mesma empresa (CTT), a A. que nunca teve férias, compareceu diariamente de 2ª a 6ª feira de todas as semanas, de todos os meses, durante mais de 22 anos, nas instalações da R. para efectuar a limpeza conforme decorre do facto n.º 14º: "desde 1992 a R. liquidou à A. o valor equivalente a 5 horas de trabalho prestado em todos os dias úteis, de todos os meses do ano"; 17- não é comparável a situação da A. com a das empresas que prestam serviços de limpeza de escritórios, devido precisamente ao facto de naquelas existirem trabalhadores assalariados que prestam o seu serviço à entidade contratante, ao passo que no caso da A. era ela própria a única individualidade contratada para o fazer; 18- também não se compreenderia que este S.T.J. tivesse confirmado que outros contratos de "prestação de serviços", celebrados pela antecessora da R. com outros trabalhadores de limpeza, na mesma época, com idênticos dizeres e até assinados pelo mesmo representante da R., constituem afinal contratos de trabalho subordinado, concluindo-se o contrário no caso da A.; 19- sendo o contrato e a relação jurídica da A. precisamente igual à das referidas trabalhadoras e, portanto, constituindo trabalho subordinado à luz da LCT, nada se alterou entretanto que justifique diferente qualificação à luz do actual Código do Trabalho; e, se tivesse ocorrido alteração relevante, era à R. que competia prová-la; 20- o douto acórdão recorrido desvaloriza infundadamente o facto de a actividade da A. ser retribuída em função do tempo despendido na realização das tarefas, que constitui um elemento indiciário da existência de contrato de trabalho, fazendo-o por invocação de uma mera conjectura - segundo a qual essa fórmula não...

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