Acórdão nº 08S2056 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelBRAVO SERRA
Data da Resolução22 de Outubro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I 1.

À execução contra si instaurada por AA no Tribunal do Trabalho de Aveiro veio a Caixa de Crédito Agrícola de ...., CRL, deduzir oposição, solicitando que fosse declarada inexigível a obrigação cuja execução foi peticionada, com a consequente extinção da execução.

Para tanto, em síntese, invocou que: - - a obrigação que a executada assumiu - qual fosse a de cancelar uma hipoteca incidente sobre um determinado prédio e que actuava como garantia de um mútuo que celebrou - já se encontra cumprida; - estipulando as cláusulas penais acordadas entre a oponente e a exequente que, no caso de incumprimento do cancelamento da hipoteca, isso acarretava o pagamento de € 100.000, e que, ocorrendo incumprimento do demais acordado, isso implicava o pagamento de € 25.000, devem tais cláusulas ser perspectivadas como cláusulas penais compensatórias e não como cláusulas penais moratórias; - o cancelamento da hipoteca, embora ocorresse tardiamente relativamente ao acordado, deveu-se a um circunstancialismo exterior à vontade da oponente, que veio a cumprir taxativamente o acordo firmado; - devendo as cláusulas em apreço serem consideradas cláusulas penais compensatórias, não serão elas exigíveis perante uma mera mora no cumprimento; - ainda que fosse entendido que haveria lugar ao cumprimento das cláusulas em causa, o que somente por cautela de patrocínio se configurava, o respectivo montante sempre haveria de ser reduzido, de acordo com a equidade.

Contestou a exequente, em súmula impugnando o aduzido pela oponente e sustentando que foi taxativamente estabelecido entre as partes um prazo de quarenta e cinco dias para cumprimento da obrigação de cancelamento da hipoteca, pelo que a cláusula penal se deveria configurar como representando uma cláusula penal moratória, o mesmo se aplicando à outra cláusula, rematando a sua peça contestatória pedindo que a oponente procedesse à anulação de uma conta de depósito à ordem que ilicitamente teria aberto.

Prosseguindo os autos seus termos, veio a ser proferido despacho saneador, no qual: - - de um lado, foi decidido não se considerar os «novos» pedidos formulados pela exequente na resposta à contestação; - de outro, foi considerada improcedente a oposição à execução.

Do assim decidido no tocante à improcedência da oposição apelou a oponente para o Tribunal da Relação de Coimbra, o qual, por acórdão de 17 de Janeiro de 2008, julgando parcialmente procedente a apelação, reduziu "a cláusula penal prevista na cláusula 8ª do acordo celebrado entre exequente e executada de € 100.000 para € 50.000".

  1. É desse acórdão que vem pedida revista, quer pela exequente, quer pela oponente.

    A primeira finalizou a sua alegação e resposta à alegação da oponente com o seguinte quadro conclusivo: - "1.Não existe razão ou fundamento válidos para a redução da cláusula penal prevista na cláusula oitava do acordo celebrado entre exequente e executada, de € 100.000,00 para € 50.000,00, porquanto o mesmo foi homologado judicialmente sem qualquer reserva e existem outros factores (despedimento ilícito da exequente que esteve subjacente à celebração do acordo, grande poder económico da executada - que é uma instituição bancária - por comparação com a exequente e para quem o montante da cláusula penal é relativamente insignificante, cumprimento escrupuloso e tempestivo por parte da exequente das obrigações assumidas no Acordo por contraponto com o modo como a executada se comportou a esse nível, etc.) que, por se verificarem no caso concreto, levam àquela conclusão.

  2. Por isso, nesta parte o douto Acórdão ora sob recurso não aplicou adequadamente aos factos em presença o disposto no artº 812º do Código Civil, dispositivo esse que, nessa medida, foi violado.

  3. A segunda parte da cláusula terceira do acordo inculca que a questão do prazo para cancelamento da hipoteca e liquidação dos demais encargos ‘decorrentes e inerentes' ao empréstimo era aspecto essencial daquele acordo.

  4. Por outro lado, a cláusula oitava não restringe ao mero cancelamento da hipoteca e liquidação dos demais encargos decorrentes e inerentes ao mútuo o cumprimento da obrigação para efeito de aplicação (exercitação) da cláusula penal, antes cobre o cumprimento do acordo na sua globalidade ao referir que ‘o incumprimento por qualquer dos outorgantes do anteriormente clausulado ( ... )'.

  5. Desse modo, o que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário extrairia do texto acordado só pode ir no sentido de que a cláusula penal abrange incindivelmente as duas questões: cancelamento da hipoteca dentro do prazo estabelecido.

  6. Por isso, como bem se refere nas decisões das instâncias, a interpretação do texto em causa que um declaratário normal faria seria a de que ‘se em 45 dias não for cancelada a hipoteca é paga a quantia de 100.000,00 €'.

  7. Acresce que nada na lei impõe que, no caso de ser a moratória a qualificação pretendida para a cláusula penal, se tenha de usar uma técnica radicalmente diferente da utilizada na redacção do acordo, técnica essa que passaria pelo estabelecimento de um montante diário para os eventuais atrasos que viessem a verificar-se no cumprimento da obrigação.

  8. Além disso, nada obsta a que as partes, no âmbito da sua liberdade e capacidade de autodeterminação, acordem e estabeleçam o que bem entenderem quanto ao montante e forma indemnizatória que deve revestir a cláusula penal.

  9. O que resulta do acordo celebrado entre recorrente e recorrida é que o desrespeito por aquela do prazo de 45 dias para cancelamento da hipoteca sem qualquer razão justificada para esse efeito implica o pagamento da quantia estabelecida na aludida cláusula oitava.

  10. Da cláusula terceira do Acordo decorre, mesmo para um declaratário normal colocado na posição de real declaratório, que cabia à executada o dever e obrigação de liquidar todos os encargos decorrentes e inerentes ao mútuo, designadamente seguros e encargos associados, não tendo qualquer fundamento ou razão de ser, à luz dos documentos de fls. 135 a 146 dos autos, a consideração de que não poderia imiscuir-se em relação contratual que não outorgou.

  11. Devia por isso ter diligenciado naquele sentido, o que não fez, pelo que se constituiu na obrigação de indemnizar a exequente no montante previsto na cláusula oitava do aludido acordo.

  12. Decorre do que fica dito que na decisão agora posta em crise pela Recorrente, Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de ...., se interpretou correctamente, face ao quadro factual em presença, os preceitos legais aplicáveis, designadamente os mencionados na douta alegação por aquela apresentada.

    Pelo exposto e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao recurso apresentado pela ora requerente e negado provimento ao recurso interposto pela Recorrente Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, mantendo-se integralmente a decisão proferida na primeira instância que julgou ‘a oposição à execução totalmente improcedente, mantendo a execução nos seus precisos termos', com todas as consequências legais" De seu lado, a oponente finalizou com as seguintes «conclusões» a sua alegação: - "1ª A questão em apreço no presente recurso diz respeito à exequibilidade de duas cláusulas penais insertas num acordo de transacção judicialmente homologad[o].

    1. ) Ora uma das obrigações que a recorrente assumiu, distratar a hipoteca que impendia sobre o prédio propriedade da recorrida, encontra-se cumprida, já que a hipoteca foi cancelada.

    3[ª]) A obrigação foi, pois, alvo de cumprimento, ainda que tardio, de acordo com o convencionado.

    4[ª]) A cláusula penal é a estipulação negocial segundo a qual o devedor, se não cumprir a obrigação ou não cumprir nos termos devidos, será obrigado, a t[í]tulo de indemnização sancionatória, a pagar ao credor uma quantia pecuniária 5[ª]) revestindo duas modalidades; se estipulada para o caso de não cumprimento, designar-se-á como cláusula penal compensatória; se contemplada para o caso de atraso no cumprimento, merecerá o epíteto de cláusula penal moratória.

    6[ª]) Atento o teor da mesma (‘o incumprimento por qualquer dos outorgantes do anteriormente clausulado implica para a parte incumpridora a obrigação de pagar (...)') afigura-se inexorável a respectiva pertinência à categoria das Cláusulas penais Compensatórias; 7[ª]) Desde logo haverá que interpretar tal texto de acordo com o comando do artigo 236º, n.º 1, do Código Civil, i. é, efectuar uma interpretação...

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