Acórdão nº 07P3867 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelANTÓNIO COLAÇO
Data da Resolução16 de Outubro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Relatório Em processo comum, o Tribunal Colectivo da 4.ª Vara Criminal do Círculo do Porto, por Acórdão de 09.07.2007, absolveu AA da prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.º, 23.º, 73.º, 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. d) e i) do CP, pelo qual vinha acusado.

Dessa decisão absolutória interpôs recurso o Mº Pº, circunscrito à matéria de direito, ao abrigo do artigo 432º.d) do CPP/ 95, para o que das alegações apresentadas tirou as seguintes conclusões: 1º - O arguido planeou detalhadamente, mesmo quanto ao meio, o assassínio da esposa e encomendou a execução desse plano a terceiros; 2º - o plano não teve concretização, por razões alheias à vontade do seu autor; 3º - no que respeita à autoria, tal conduta é qualificável como autoria mediata e não como instigação.

4º - Com efeito, a conduta do arguido é subsumível na 2ª proposição da norma do artigo 26º do CP, que estabelece que " é punível como autor quem executar o facto ...por intermédio de outrem"; 5º - ao planear, delinear detalhes de execução e ao encomendar e pagar a execução, o arguido assumiu a posição a que a doutrina, no domínio das teses de autoria, designa como o " homem - de- trás"; 6º - "homem - de - trás" que é um autor mediato, por não executar o facto directamente, mas que o mantém sob seu domínio, na vertente do domínio da vontade, controlando a execução e podendo dela desistir, querendo fazê-lo.

7º - No caso em apreço, a execução do plano só não ocorreu por razões alheias à vontade do autor, razões que o próprio desconhecia.

8º - Entende a doutrina que, se o autor imediato não chegar a executar o crime, o início da tentativa, na esfera do autor mediato, verificar-se-á quando os seus actos possam abranger, pelo menos, o tipo de actos de execução definidos na c) do nº 2 do artigo 22º do CP.

9º - Ao encomendar a execução do plano, o arguido deixou o processo causal decorrer livremente, fora do seu domínio e no domínio do executante do contrato, a quem até havia pago; 10º - e assim, como bem compreendeu o Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão em que se apreciava a prisão preventiva a que o arguido foi sujeito, os actos praticados pelo arguido podiam fazer esperar que se lhes seguissem os actos idóneos a produzir a morte da esposa, morte que desejava; 11º - o mesmo é dizer: a conduta do arguido ultrapassou o patamar dos actos preparatórios, descendo aos de execução, na previsão da alínea c) do nº 2º do artigo 22º do CP.

12º - Assim, como autor mediato, o arguido praticou actos de execução do crime de homicídio que planeara, contra a sua mulher, a BB.

13º - O douto Acórdão recorrido violou as normas dos artigos 22º n° l e n° 2 c), 23º, 26º, 73º, 131º e 132º nº 1 e 2 d) e i) todos do CP.

14ª - Deverá o Acórdão ser revogado e substituído por outro que condene o arguido AAcomo autor mediato, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p e p. pelas normas conjugadas dos artigos 22º,23º,73º, 131º e 132º nº l e 2 d) e i) do CP.

Respondeu o arguido concluindo que: 1. O Acórdão recorrido faz uma aplicação irrepreensível do direito vigente, maxime do art 26.° do Código Penal, e não pode ser senão objecto de confirmação, devendo manter-se no presente a decisão absolutória nele contida.

  1. Na realidade, por onde quer que se perspective os factos provados - pela óptica do conceito extensivo de autoria ou do conceito do domínio do facto - chegar-se-á sempre à conclusão de que os mesmos não são objecto de previsão incriminadora em lei penal vigente à data da sua pratica.

  2. Em qualquer das orientações, e porque se dá como provado que os interlocutores do arguido actuaram sempre de livre vontade e com pleno conhecimento dos factos, a situação em causa deve integrar-se no campo da instigação.

  3. Porque face a qualquer uma daquelas concepções, em sede de instigação constitui condição "sine qua non" para que o mandante seja penalmente responsabilizado pela sua acção de determinação sobre o executor é que este dê, pelo menos, início à execução, 5. e porque realmente ficou provado que em momento algum os interlocutores do arguido se predispuseram a matar ou a servir de intermediários para matar a assistente e que os mesmos não realizaram qualquer acto de execução de que pudesse resultar a morte da assistente, 6. estaríamos, quando muito, perante tentativa de instigação e não instigação propriamente dita..

  4. À luz da lei penal portuguesa, a tentativa de instigação não é punível.

  5. Assim sendo, e na linha do Acórdão do STJ de 31-10-1996, bem concluiu o douto Tribunal "a quo" que a conduta do arguido não chegou a assumir relevância penal.

  6. A motivação do douto recurso do Ministério Público louva-se fundamentalmente no pensamento da Mestre Maria da Conceição Valdágua, que, na realidade, propõe o aliciamento como figura próxima da autoria mediata.

  7. Mas daí a considerar, como insinua o Ministério Público, que no caso em apreço a doutrina da Conceição Valdágua conduziria á punição do arguido, apesar de os seus interlocutores não terem praticado qualquer acto de execução, não só não corresponde à verdade, como inclusive é desmentido pela posição expressamente assumida por aquela Autora: 11. "Isto, todavia, só será relevante para quem sustente, quanto ao início da tentativa do autor mediato, alguma das teses que admitem que a tentativa, pode começar, em regra, antes de o agente imediato praticar qualquer acto de execução, entendimento que, no seu conteúdo essencial, nos parece de rejeitar"(MARIA DA CONCEIÇÃO VALDÁGUA, «Autoria Mediata em virtude ...in: Líber Discípulorum para Jorge Figueiredo Dias, p.671e seg).

  8. Segundo Conceição Valdágua, mesmo considerando que o aliciador é autor mediato a sua punibilidade deverá, pois, em regra, depender da prática, de actos de execução pelo executor.

  9. Assim, aplicando à matéria provada o pensamento de Conceição Valdágua - considerando-o na sua íntegra e não de uma forma truncada, como propõe o Ministério Público - conclui-se necessariamente pela irrelevância da conduta penal do arguido, uma vez que os seus interlocutores não praticaram qualquer acto do qual pudesse vir a resultar, de forma imediata ou sequer remota, a morte da assistente.

  10. Na douta motivação do Ministério Público invoca-se ainda o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20-09-2006, tirado em sede de recurso de medida de coacção aplicada ao arguido, e no célebre Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça sobre o caso Meia Culpa.

  11. Não há, todavia, qualquer paralelismo entre este caso e o caso da Meia Culpa, pois há um ‘'pormenor" que faz toda a diferença: enquanto no caso Meia Culpa os executores mataram 13 pessoas; aqui os supostos destinatários da ordem para matar foram logo denunciar a situação à Policia Judiciária.

  12. Demais que, como já se referiu, no domínio do conceito extensivo de autoria, a melhor doutrina entende que "a autoria mediata postula que o facto a que o executor foi determinado alcance, pelo menos, um começo de execução".

  13. E também o Supremo Tribunal de Justiça considerou já que "para ser punível a autoria moral, e, antes de mais, necessário que o suposto autor material represente e queira o correspondente crime (no caso, um homicídio voluntário) e que o comece a executar". (Sum. do Ac./STJ de 31.10.1996 - Proc. nº 04 8948- www.dgsi.pt) Carece de fundamento a interpretação "adrede" pensada pelo Ilustre Recorrente, devendo negar-se provimento ao recurso.

Subidos os autos ao Supremo Tribunal foram os mesmos vista ao M.P., a que se seguiram os vistos dos Juízes Conselheiros desta Secção Criminal - 5ª, sendo posteriormente submetidos à decisão do Exmº Presidente da Secção para marcação da data para audiência.

Estatuto pessoal do arguido: Esteve detido preventivamente entre 27.6.2006 a 09.07.2007, sendo que desde 20.09.2006 até á sua restituição de liberdade esteve sob a medida de uso de pulseira electrónica.

Fundamentação: A) A motivação do recorrente - o M.P. - centra-se na questão da qualificação jurídica dos factos, pugnando pela condenação do arguido como autor mediato de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 22°, 23°, 73°, 131° e 132º n.°s 1 e 2, als. d) e i) todos do CP. Como se sabe, o Acórdão recorrido fundamentado no artigo 26º- última parte- do CP absolveu o arguido perfilhando o entendimento que aí se configurava um caso de instigação, mas não punível por não ter ocorrido execução ou começo de execução; muito menos seria então caso para punição de tentativa de instigação, cuja punição a lei nem sequer contempla.

A questão que o Supremo Tribunal é chamado a decidir assenta, pois, no dimensionamento da acção participativa do arguido AAno evento que lhe é imputado, tendo por base a factualidade apurada na instância recorrida.

  1. Na instância recorrida foram dados como provados os seguintes factos: (transcrição) 1 - O arguido AA e a assistente BB, são casados entre si.

    2 - O casal tem dois filhos CC e DD.

    3 - O arguido desempenhou funções de Director na empresa II Portuguesa, Importações e Exportações, Lda", com sede em Arcos de Valdevez, até ter sido despedido, em data não apurada do mês de Setembro de 2005, sendo que, na sequência de tal despedimento, o arguido terá efectuado telefonemas anónimos e enviado cartas, também anónimas, a algumas entidades, denunciando alegadas práticas ilegais por parte da empresa em questão.

    4 - Em Janeiro de 1996, no contexto da actividade da empresa "BR - Gestão de Unidades Hoteleiras, Lda", de que é sócia gerente, a assistente iniciou a sua actividade na área da restauração, inaugurando o restaurante "MS, sito na Av...., em Braga.

    5 - Em consequência das imposições dos contratos - tipo celebrados, em regime de franchising, entre as empresas e a MS - imposição da existência de dois sócios, um com 99% do capital outro com 1% - o arguido assumiu-se como sócio gerente daquela empresa.

    6 - Na realidade, porém, limitava-se a colaborar com a assistente, desempenhando...

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