Acórdão nº 08P2035 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelRAÚL BORGES
Data da Resolução01 de Outubro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

No processo comum com intervenção de tribunal colectivo n.º1493/06.8GBABF, do 3.º Juízo da Comarca de Albufeira, foram submetidos a julgamento o arguido AA e outro.

Por acórdão do Colectivo do Círculo Judicial de Loulé, de 17 de Julho de 2007, de fls. 628 a 641, entregue para depósito em 19 seguinte, foi o arguido AA condenado: -- Por um crime de ameaça na forma consumada, p. e p. pelo art.º 153.º, n.º 1 e 2, do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão; -- Por um crime de homicídio na forma tentada, p. e p. pelos art.º 22.°, 23.°, n.º 1 e 2, 73.°, n.º 1 e 131°, do Código Penal, na pena de 9 anos de prisão; -- Por um crime de resistência, p. e p. pelo art.º 347.º, do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; e -- Por um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, da Lei n.º 5/2006, de 23-02, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de 13 anos de prisão.

Inconformado o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora, que por acórdão de 12 de Março de 2008, deliberou conceder parcial provimento ao recurso, baixar a pena parcelar aplicada pelo crime de homicídio tentado para sete anos de prisão, e reformulando o cúmulo jurídico, fixar a pena única em dez anos de prisão.

Inconformado de novo, o arguido interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, apresentando a motivação de fls. 799 a 811, que remata com as seguintes conclusões:1ªO douto acórdão recorrido deu parcial provimento ao recurso ordinário interposto para a Relação e reformou o cúmulo jurídico anteriormente efectuado, reduzindo a pena única para 10 (dez) anos de prisão.

  1. Porém, o douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora incidiu numa série de equívocos, salvo o devido respeito, pelo que deverá ser revogado.

  2. Ocorre que, através do recurso interposto para a Relação, o recorrente invocou o vício do artigo 410.°, n° 2, al. a), do CPP do acórdão de primeira instância, uma vez que considerou insuficiente e incompleta, a fundamentação da divergência da prova pericial, a qual referiu a possibilidade do recorrente ter sido considerado "provavelmente" inimputável por estar com surto psicótico agudo à época dos factos.

  3. Com efeito, o douto acórdão ora recorrido rejeitou tal questão prévia, referindo e admitindo expressamente que: - O senhor perito que o redigiu não emitiu um juízo técnico-científico claro e afirmativo, livre de dúvidas, sobre a inimputabilidade do arguido, antes se limitou a uma afirmação de admissibilidade da conclusão de que o examinando deve ser considerado inimputável...» (grifo e destaque nosso).

  4. Por resultar tal dúvida, expressamente do texto da decisão ora recorrida, este Supremo Tribunal de Justiça poderá sindicar, dentro dos limites da cognição, em termos análogos aos dos vícios do artigo 410°, 2º, do CPP por incitava própria (Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 12-09-2007, proc. 07P2583, n° JST, Relator Conselheiro Raul Borges, in www.dgsi.pt). 6ª Como consequência, a fundamentação da convicção do Tribunal recorrido se mostra insuficiente demais para as exigências recomendadas, não cumprindo a injunção legal de fundamentação preconizada no n° 2 do artigo 374º do CPP, o que conduz a nulidade da decisão, nos termos do artigo 379°, al. a), do CPP, restando ambos os citados dispositivos violados.

  5. Pelo que, deverá ser dado provimento ao presente recurso para que seja reconhecida e declarada a nulidade invocada, com os seus efeitos e consequências legais.

  6. Caso assim não se entenda, em carácter subordinado, o douto acórdão recorrido violou o disposto pelo artigo 163°. n° l do CPP.

  7. Isto porque, em verdade, existe, nos autos, juízo técnico-científico formulado pelo Sr. Perito, qual seja aquele decorrente dos elementos clínicos constantes dos arquivos do Hospital de Caxias.

  8. Contrariamente ao afirmado pelo acórdão ora recorrido, o Sr. Perito EMITIU UM JUÍZO TÉCNICO-CIENTÍFICO claro e afirmativo quando referiu que «... com base nos elementos fornecidos pelo próprio e da informação do Hospital de Caxias... admitindo que estava em surto Psicótico agudo, DEVERÁ SER CONSIDERADO INIMPUTÁVEL».

  9. Elementos clínicos que correspondem à prova documental, constante dos autos, a fls. 211 e seguintes, os quais referem: «Informação Clínica - Clínica de Psiquiatria e Saúde Mental - Dra. F.... 1º Internamento a 20/7/06 a 21/8/06 Surto psicótico agudo, confusão mental incoerência verbal, pensamento desorganizado (...); 2º Internamento: Surto psicótico com mutismo, desconfiança, recusa em tomar medicação. Devido a história de vida do doente a história da doença, o doente sofre muito provavelmente um distúrbio da personalidade com surtos psicóticos de alterações da realidade em situações de grandes stresses emocionais (...)»12ª Devendo-se considerar que, a expressão usada pelo Sr. Perito Médico "...é provável que se encontrasse sob surto psicótico agudo ...", não pode ser extraída, isoladamente, das restantes afirmações.

  10. Uma vez que consiste, na verdade, em linguagem académica que não tem outro significado que não seja outro de que para ele, perito, com base nos elementos clínicos, o arguido era inimputável à época dos factos, segundo a legis artis da medicina psiquiátrica.

  11. Pelo que, o douto acórdão recorrido violou o disposto pelo artigo 163°, n° 1, do CPP, quando desconsiderou o facto do Sr. Perito ter se baseado e apoiado nos elementos clínicos constantes de fls. 211 e seguintes.

  12. Tal postura revela, por via reflexa, uma interpretação materialmente inconstitucional do artigo 163°, n.º 2, do CPP, no sentido de que «considera-se suficientemente fundamentada a divergência do relatório pericial, a nível psiquiátrico para os fins do disposto pelo artigo 163°, n° 2, do CPP, mesmo desprezando-se as conclusões dos elementos clínicos constantes dos autos, para os quais o Perito reenvia e adopta, admitindo a possibilidade do arguido estar com surto psicótico agudo aquando da prática dos factos», por violar o disposto pelo artigo 32° da Constituição da República e pelo artigo 6º da CEDH, ou seja, o princípio do in dúbio pro reo e pela falta de processo equitativo e efectivo contraditório.

  13. Inconstitucionalidade material esta que requer seja reconhecida e declarada.

  14. Pelo que, em carácter subsidiário, requer-se, seja suprida a violação perpetrada e, dando-se provimento ao presente recurso, seja revogado o douto acórdão recorrido e proferido outro que reconheça e declare a inimputabilidade do arguido, com os efeitos decorrentes de lei.

  15. Caso assim não se entenda, em carácter subsidiário, o douto acórdão recorrido padece de nulidade por omissão de pronúncia e juízo crítico do contido pela 12ª conclusão do recurso interposto para a Relação.

  16. Isto porque através da 12ª conclusão do recurso anterior, que o arguido referiu o facto do Exame de Dano Corporal de fls. 292/296 indicar apenas uma cicatriz em "V", com 12,5 centímetros.

  17. O que implica em contradição com o ponto "5" da matéria de facto pelo qual o arguido teria dado à vítima três golpes.

  18. O douto acórdão recorrido sequer tocou neste aspecto, deixando-o de analisar e confrontar no iter de sua fundamentação, pois ser eventualmente reformada a matéria de facto, neste aspecto, poder-se-ia considerar uma nova subsunção dos factos para o crime de ofensa física grave ao invés de homicídio na forma tentada.

  19. Ainda, em outro aspecto, o acórdão recorrido não se pronunciou: o contido pela conclusão 15ª do recurso anteriormente interposto para Relação, a qual importaria eventualmente, no reconhecimento de uma culpa diminuída para fins de aplicação e fixação de sanção, uma vez que aflora a possibilidade de se dar como provado que o arguido estava fora de si e, consequentemente, ser uma pessoa doente.

  20. Assim, estas omissões, ao abrigo do disposto pelos artigos 379.°, n° 1, alíneas a) e c) e 374», n° 2, ambos do CPP, resultam em nulidade do acórdão ora recorrido.

  21. Deste modo, requer-se, seja provido o presente recurso reconhecendo-se a nulidade invocada e, ordenando-se o reenvio dos autos à Relação para que se pronuncie e julgue o recurso, considerando-se o contido nas conclusões 12ª e 15ª, do recurso anteriormente interposto.

  22. Por derradeiro, caso assim não se entenda o acórdão recorrido violou o disposto pelo artigo 71°, n° l, do Código Penal, ao reduzir a pena parcelar do crime de homicídio na forma tentada para 7 anos de prisão, bem como em alterar a pena única para 10 anos de prisão, por serem ambas manifestamente desproporcionais.

  23. Uma vez que não considerou, dentre as circunstâncias concomitantes à prática dos factos, os elementos clínicos constantes à fls. 211 e seguintes dos autos, os quais diminuem, como uma atenuante de carácter geral, o grau da culpa do arguido.

  24. O que, por via de consequência, implica na não valoração completa de todos os critérios Presentes, in casu, para a justa e equitativa fixação da sanção.

  25. Pelo que, em carácter subsidiário, deverá ser dado provimento ao presente recurso para que, revogado o douto acórdão ora recorrido, seja fixada nova pena parcelar quanto ao crime de homicídio na forma tentada, próximo do seu limite mínimo ou médio legal ou, ainda, o, seja fixada nova pena única de prisão abaixo dos 10 (dez) anos anteriormente fixados.

    Na procedência do recurso pede seja dado provimento ao para que: A) seja nos termos do disposto pelos artigos 374º, n° 2 e 379°, n° 1, do CPP, declarada a nulidade do acórdão recorrido por existir dúvida resultante do texto da decisão recorrida para fundamentar, de modo insuficiente, a divergência da perícia, com as consequências legais: B) caso assim não se entenda, em carácter subsidiário, seja revogado o acórdão recorrido e ao abrigo do disposto pelo artigo 163°, n° l, do CPP, seja proferido outro que declare e reconheça a inimputabilidade do arguido, com as legais consequências e, inclusivamente, com a declaração de inconstitucionalidade material do artigo 163°, n° 2, do CPP; C)...

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