Acórdão nº 08B1079 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Junho de 2008

Magistrado ResponsávelSERRA BAPTISTA
Data da Resolução19 de Junho de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA-SOCIEDADE DE OBRAS PÚBLICAS E PRIVADAS, LDA veio intentar acção, com processo ordinário, contra BB-MANUTENÇÃO INDÚSTRIA DE TECONOLOGIA GÁS, SA, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia global de € 66.303,73, acrescida de juros vencidos, no montante de € 4.509,05 e dos vincendos.

Alegando, para tanto, e em suma, ter efectuado para a ré, na qualidade de subempreiteira desta, trabalhos de saneamento e de instalação de uma rede de gás natural, numa obra na Figueira da Foz, trabalhos esses a facturar, através de autos de medição.

Encontrando-se em dívida o montante do pedido, o qual, não obstante as insistências da autora, ainda não foi satisfeito.

Citada a ré, veio a mesma contestar e reconvir, alegando também em suma: Foram detectados vários defeitos, que melhor discrimina, na realização dos trabalhos da autora.

Tendo a ré exigido a esta, em 12/5/2002, que cessasse todos os trabalhos e que se retirasse da obra, invocando, em função da deficiente execução dos mesmos, a excepção do não cumprimento do contrato, decorrente de a autora não ter procedido à correcção dos aludidos defeitos.

A ré teve, posteriormente, que contratar um novo empreiteiro para acabar os trabalhos e para corrigir os defeitos existentes.

Discriminando melhor os prejuízos sofridos, deduz pedido reconvencional, no qual pede a condenação da autora a pagar-lhe a quantia que se apurar no decurso da acção referente aos custos da reparação dos defeitos e da reparação dos danos, a quantia de € 60.000 a título de indemnização por lucros cessantes e a quantia de € 100.000 a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Replicou a autora, mantendo a sua versão inicial, sendo da responsabilidade da ré todos os factos que ela agora lhe imputa.

Tendo cumprido todas as suas obrigações para com a ré.

Tendo saído da obra em 26/6/2002 porque assim a ré lho impôs.

Treplicou a Ré, mantendo também a sua versão dos factos.

Foi elaborado o despacho saneador, que relegou o conhecimento da excepção do não cumprimento para final. Tendo sido fixados os factos tidos por assentes e organizada a base instrutória.

Em articulado superveniente, veio a ré indicar os custos da reparação da deficiente execução da obra pela autora/reconvinda, no montante de € 93.960,11, alegando ter ocorrido o seu apuramento em momento posterior ao seu articulado reconvencional.

Respondeu a autora, tendo os respectivos factos controvertidos sido aditados à base instrutória.

Realizado o julgamento foi decidida a matéria de facto da base instrutória pela forma que do despacho junto aos autos consta.

Foi proferida a sentença, na qual foi a acção julgada parcialmente procedente, com a condenação da ré a pagar à autora a quantia de € 66.096,34, acrescida de juros. Tendo sido julgada improcedente a reconvenção, com a absolvição da autora do respectivo pedido.

Inconformada, veio a ré interpor recurso de apelação, tendo a Relação, na sua parcial procedência, absolvido a ré do pedido consubstanciado no pagamento dos montantes decorrentes das facturas em causa nos itens 5 e 7 da sentença e condenado a reconvinda a pagar à reconvinte, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 40.000, a que acrescerão juros de mora desde o trânsito do respectivo acórdão até integral pagamento.

Irresignada, veio agora a autora/reconvinda pedir a presente revista, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões: 1ª - O Tribunal a quo cometeu erro de actividade e de julgamento, porquanto fez errada interpretação e aplicação das regas processuais bem como errada apreciação de prova e das regras de direito substantivas aplicáveis.

  1. - Não tendo a recorrente BB colocado em causa a matéria de facto dada como provada, estando a mesma assente pelo Tribunal da 1ª instância e que se dá como reproduzida a que consta de fls 14 a 20 do acórdão recorrido, deve a mesma ser apreciada à luz do Direito aplicável.

  2. - Existe contradição entre os factos dados como provados e a decisão - al. c) nº 1 do artigo 668° CPC.

  3. - Pelo que o acórdão recorrido enferma de nulidade.

  4. - Decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra que se aplica ao caso dos autos os artigos 432° e seguintes do CC, exonerando o dono de obra (aqui a apelante), no que aqui nos interessa, da obrigação de pagar o preço.

  5. - Encontra-se tal decisão em contradição com a fundamentação de direito aplicável.

  6. - Considerando o tribunal a quo que o pedido da A. respeitante ao pagamento das facturas não foi destruído pela argumentação da R. e tendo valorado a decisão do comportamento contratual daquela enquanto dona de obra (no quadro de uma subempreitada); 8ª - E considerando ainda o tribunal a quo que bem andou o tribunal da lª Instância ao considerar que a resolução do contrato de empreitada por virtude da existência de defeitos só poder ter lugar, cumpridas que sejam determinadas etapas a que se reportam os artigos 1218° e ss do CC e que passam pela denúncia e eliminação dos defeitos, eventual redução de preço, apenas havendo lugar à resolução do contrato se os defeitos tornarem a obra inadequada para o fim a que se destina, 9ª - Confirmado o alegado na sentença da 1ª Instância no acórdão recorrido 10ª- Numa teoria peregrina, e num perfeito "venire contra factum próprio" diz que afinal não estão em causa defeitos de construção mas algo que "não corresponda propriamente à ideia de defeito de obra".

  7. - Fundamenta a sua decisão no Acórdão do ST J de 6/03/2007 relatado pelo Exmo Conselheiro Azevedo Ramos, que não tem aplicação ao caso concreto, pois não se tratou de incumprimento definitivo decorrente do abandono da obra pelo empreiteiro.

  8. - Nem nunca em tempo algum a R. BB alegou abandono de obra.

  9. - Não é sintomático face aos factos provados, que naquele concreto momento da resolução a R. tenha perdido a confiança na capacidade da A. Tanto mais que, consta da matéria de facto provada, nºs 36, 37 e 38 dos factos assentes, que a R. expulsou a A. da obra em 10/05/2002 e somente em 14/05/2002 lhe indicou trabalhos a concluir antes da saída e renova essa indicação acrescentando correcções em 20 e 23/05/2002.

  10. - Mesmo depois da R. BB ter resolvido o contrato continuou a confiar na A.

  11. - Vindo posteriormente declarar rescindido o contrato de empreitada, a ora recorrida assume um comportamento contraditório com o seu comportamento anterior, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa fé. Ao convocar posteriormente a A. para reparar os defeitos, através dos faxes datados de 14/05/2002, 20 e 23/05/2002.

  12. - Nos termos do art. 334° do Cód. Civil, é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

  13. - « O abuso de direito, consignado no art. 334° do Cód. Civil, pode manifestar-se num "venire contra factum proprium", ou seja, numa conduta anterior do seu titular que, objectivamente interpretada, face à lei, bons costumes e boa fé, legitima a convicção de que tal direito não será exigido.» - cfr. acórdão da Relação de Coimbra de 1/7/77, C.J., 1977, tomo 4, pág. 800.

  14. - Pelo que, não tem aplicação a resolução do contrato de empreitada nos termos gerais do artigo 432° e ss do CC 19ª- Pois, estamos no âmbito do contrato de empreitada, previsto no artigo 1207° e ss do C.C. e que o acórdão recorrido fundamenta a sua decisão, para vir a decidir com base nos termos gerais do artigo 432° do CC.

  15. - Logo o Acórdão recorrido enferma de NULIDADE, dado que os fundamentos invocados no Acórdão estão em oposição com a decisão.

    Pelo que deve ser proferido Acórdão que condene a R. BB a pagar o preço das obras realizadas pela A. e aceites pela R., sob pena de não sendo assim tal facto prefigurar o enriquecimento sem causa (artigo 473º do CC) da R. BB à custa do empobrecimento da A. AA.

  16. - Face ao exposto mal andou o tribunal recorrido ao considerar que a relevância da resolução exonera o dono de obra de pagar o preço a que se obrigou.

  17. - Provado ficou que em 20/12/01 houve uma reunião na obra entre representantes da A. e representantes da R. para solucionarem erros até então cometidos pela R.

  18. - A A. encontrou dificuldades na realização dos trabalhos, mormente por falta de elementos e orientação - factos provados nºs 14, 16, 19, 21, 69, 71, 74, 76, 77, 78, que apesar de não justificarem a sua conduta constante em alguns dos factos dados como provados, 24ª- Com fundamento nesses factos a Ré, em 10/05/2002 enviou à A. o documento de fls. 86, exigindo-lhe que cessasse todos os trabalhos e se retirasse de imediato da obra - facto 36.

  19. - Tal declaração exprime de forma inquestionável a resolução do contrato de empreitada celebrado entre A. e R.

  20. - Porém a R. nunca fixou um prazo admonitório à A. e por isso não converteu a mora em incumprimento definitivo.

  21. - A R. expulsou a A. da obra em 10/05/2002 e somente em 14/05/2002 lhe indicou os trabalhos a concluir antes da saída e renova essa indicação acrescentando correcções em 20 e 23/05/2002, há comportamentos contraditórios que a afastam.

  22. - A perda objectiva do interesse do credor exige uma manifestação exterior da vontade, de acordo com a disposição legal citada.

  23. - Não foi sequer alegado que o empreiteiro tivesse utilizado a interpelação admonitória regulada no art. 808°, nº 1, sendo certo que, ainda que o tivesse sido, que não foi, e que aquela pudesse resolver o contrato com base em vícios e defeitos de construção sempre teria de solicitar a correcção dos mesmos, fixar prazo sob a cominação de resolução em falta de cumprimento da obrigação.

  24. - O direito do dono de obra a ser indemnizado nos termos gerais (artigo 1223° do Cód. Civil) é sempre o direito que a lei lhe confere de se ressarcir dos danos provenientes da execução defeituosa, sejam eles causados na própria obra ou noutros bens jurídicos do dono desta, que não sejam reparados com a eliminação dos defeitos, a nova construção ou a redução do preço (STJ de 17/5/1983: BMJ, 327° -...

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