Acórdão nº 06P1188 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelSORETO DE BARROS
Data da Resolução09 de Abril de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. AA, identificado nos autos, recorre do acórdão de 05-01-2006, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Lamego, com intervenção de Tribunal do Júri (proc.n.º 30/00.2) que, em síntese, decidiu condená-lo na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão, resultante do cúmulo jurídico das seguintes penas parcelares: - 6 (seis) anos de prisão, pela prática, como autor material, de um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.º, n.ºs 1 e 2, al. a), 23.º, n.ºs 1 e 2, 73.º, n.º 1, als. a) e b), e 131.º, todos do Código Penal; - 1 (um) ano de prisão, pela prática, como autor material, de um crime de detenção e uso de arma proibida, p. e p. pelo art. 6.º (actual n.º 1) da Lei n.º 22/97, de 27-06.

    Foi ainda condenado a pagar:

    1. Ao assistente BB, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de € 117 500 (cento e dezassete mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento e, bem assim, do que vier a apurar-se em liquidação posterior a título de gastos que o assistente tem com a aquisição de medicamentos para si próprio (por causa das lesões provocadas pelo arguido), até ao montante mensal de € 100; b) Ao Hospital Distrital de Lamego, a título de reembolso, a importância de € 175,14 (cento e setenta e cinco euros e catorze cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação do pedido ao arguido e até efectivo e integral pagamento; c) Ao Hospital Geral de Santo António (no Porto), também a título de reembolso, a quantia de € 9081,48 (nove mil e oitenta e um euros e quarenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, nos mesmos termos referidos na alínea anterior; d) Ao Centro Hospitalar de Vila Real - Peso da Régua, ainda a título de reembolso, a importância de € 3366,08 (três mil trezentos e sessenta e seis euros e oito cêntimos), também acrescida de juros de mora legais, nos mesmos termos.

  2. 1 O recorrente termina a motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «1º) O arguido, no momento em que praticou os factos pelos quais foi condenado, apresentava uma TAS de 1,52 gramas/litro.

    1. ) Apesar disso, o tribunal "a quo" considerou irrelevante o facto do arguido ter agido com a mencionada taxa de alcoolemia.

    2. ) Ora, a experiência comum, perceptível para qualquer cidadão médio, (para além de outras considerações apoiadas na ciência), impõe a conclusão que um indivíduo com uma TAS de 1.52 gramas/litro encontra-se algo afectado na sua capacidade e liberdade de acção.

    3. ) De resto, noutras situações, em que a decisão depende essencialmente da TAS, como sejam acções em que se discute o direito de regresso das seguradoras, a jurisprudência é unânime em retirar aquela conclusão, vertida em 3º), independentemente da alegação contrária, e respectivo esforço probatório, do interessado.

    4. ) Assim, in casu também se impõe a obvia conclusão que o arguido não dominava e controlava, na sua plenitude, os seus actos.

    5. ) Tanto mais que o arguido se encontrava numa discoteca e tinha sido agredido pelo assistente com uma cabeçada o que, forçosamente, terá potenciado os efeitos da influência do álcool.

    6. ) Consequentemente, o acórdão em mérito, ao considerar o contrário, que aquela TAS não impediu o arguido de dominar e controlar os seus actos e de se determinar de acordo com as regras sociais, traduz-se, nesta parte, numa contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, em consequência de erro notório na apreciação da prova.

    7. ) O que a verificar-se, como é o caso, determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do seu objecto o que, pelo presente meio, se peticiona.

      Sem prescindir; 9º) Impunha-se, por outro lado, que o tribunal "a quo" procedesse à atenuação especial da pena aplicada, visto que o funcionamento de tal instituto é um poder-dever a que o julgador se encontra vinculado sempre que se estiver perante uma situação, como é o caso em apreço, que, em nome da justiça e equidade, não seja possível determinar a sanção sem usar de tais poderes extraordinários. - Artº 72º, nº1 do C.P.

    8. ) Com efeito, verifica-se um circunstancialismo que por si só (decurso de tempo, mantendo o arguido boa conduta), é bastante para determinar a atenuação especial da pena a aplicar ao arguido; 11º) Ao não proceder de tal forma, o tribunal " a quo" violou, por erro de interpretação e aplicação o preceituado no artº 72º, nº1 e 2, al. c) e d) do C.P.; 12º) Não se conforma o arguido com as penas aplicadas - 6 anos pela prática do crime de homicídio, na forma tentada, e 1 ano pela prática de um crime de detenção e uso de arma proibida - que determinaram em cúmulo jurídico, a pena unitária de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão; 13º) Tudo porque " in casu" relevam de modo altamente significativo, o tempo já decorrido desde a prática dos factos - 6 anos -, associado ao digno e exemplar comportamento social e moral que o arguido vem mantendo, nomeadamente em prol da comunidade em que se encontra inserido, aliado à amargura e arrependimento que sente pela sua actuação, com a pronta apresentação à justiça; 14º) Confessou parcialmente os factos, de forma relevante, sendo uma pessoa respeitada e considerada no meio onde vive e, para além disso, é primário 15º) Afigura-se-nos, assim, que atento o circunstancialismo enunciado se ajustam como razoáveis face ás penas parcelas justas e equilibradas, a condenação do arguido pela prática dos crimes em análise - crime de homicídio, na forma tentada e crime de detenção e uso de arma proibida -, em cúmulo jurídico, de uma pena unitária nunca superior a 3 (três) anos; 16º) Ao não decidir da forma pugnada, o tribunal " a quo" violou, por erro de aplicação e interpretação, o preceituado nos artºs 71 e 72º, do C.P.

    9. ) Finalmente, decorrente do vertido nos pontos antecedentes, justifica-se que ao abrigo do preceituado no artº 50º do C.Penal, se suspenda a execução da pena unitária fixada, em cúmulo jurídico, em medida não superior a 3 (três) anos de prisão; 18º) E, por forma a salvaguardar-se convenientemente a posição da vitima, e apagar-se tanto quanto possível as consequências dos actos praticados pelo arguido, a invocada suspensão da execução da pena deverá ficar subordinada ao pagamento, no prazo nunca inferior a 5 anos, da indemnização devida ao lesado, em que foi condenado, nos termos do preceituado no artº 51º, nº 1. al. a) do C.P.

    10. ) Tudo porque o arguido, nunca foi alvo de qualquer punição criminal, já que é primário e goza de óptima reputação social, está perfeitamente integrado no meio onde vive, é de crer que a censura do julgamento e a ameaça da pena realizam adequada e suficientemente as finalidades da punição; 20º) Tem a seu cargo dois filhos menores, que serão os "verdadeiros condenados" caso o arguido tenha de cumprir uma pena de prisão efectiva.

    11. ) Sendo certo que, os crimes que lhe são imputados, aparecem como um evento isolado e desgarrado que, indubitavelmente, são desconformes à sua personalidade.

    12. ) Concluímos, portanto, que, na procedência de tudo o explanado e defendido, a simples censura do facto e a ameaça da prisão, subordinada ao pagamento da indemnização devida ao assistente, são suficientes para realizar adequadamente as finalidades da punição.

      Termos em que, Decidindo-se pela verificação dos vícios de erro notório na apreciação da prova, resultante do texto da decisão recorrida, tudo conforme o pugnado, deve ser determinado o reenvio do processo para novo julgamento e, caso assim não se entenda, sempre se deverá decidir em conformidade com o restante vertido, assim se fazendo, uma vez mais, a costumada e devida JUSTIÇA.» 1.

      2 Respondeu o Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lamego, nos seguintes termos: «O arguido, em primeira linha, defende haver erro notório na apreciação da prova, o que determina, em seu entender, a existência de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, por o Tribunal ter dado como provado, por um lado, que o arguido no momento em que praticou os factos apresentava uma TAS de 1,52 g./l. e, por outro, que, ainda assim, mantinha o domínio dos seus actos e da sua vontade.

      Para tal afirma resultar da experiência comum, perceptível para qualquer cidadão médio, que um indivíduo com tal TAS se encontra algo afectado na sua capacidade e liberdade de acção, pelo que se impunha a óbvia conclusão de que o arguido não dominava e controlava, na sua plenitude, os seus actos.

      Acrescenta, até, que o Tribunal considerou irrelevante tal circunstância.

      Defende, consequentemente, que tal deverá determinar o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do seu objecto.

      Não se concorda com tais considerações.

      Efectivamente, é falso que o Tribunal tenha considerado irrelevante a circunstância de o arguido se encontrar com tal TAS.

      Na realidade, além de ter dado como provado tal facto, sinal de que o considerou com relevo para a decisão, não o ignorando, preocupou-se em indagar das repercussões daquele na conduta do arguido, como bem demonstra o facto de ter dado como provado também que, não obstante tal TAS, o arguido mantinha o domínio dos seus actos e da sua vontade.

      Na fundamentação de facto do acórdão, a tal propósito, encontra-se explicado o raciocínio que conduziu à dita conclusão e que foi o que resultou dos depoimentos das testemunhas que presenciaram os factos e do que declararam os agentes da P.S.P. que se deslocaram ao local e procederam à detenção do arguido, especificando, mesmo, que o arguido teve um comportamento normalíssimo e correcto, sem indícios de que estivesse alcoolizado (muito menos de que o seu comportamento estivesse "perturbado" pelo álcool).

      Estes são dados objectivos e o que o arguido pretende é que se os ignore e se faça um juízo de probabilidade contrário a estes e como se estes não existissem.

      Pelo exposto, não vislumbrámos a existência de qualquer contradição insanável entre a...

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