Acórdão nº 07P3182 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelRAÚL BORGES
Data da Resolução02 de Abril de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

No processo comum colectivo n.º 791/00.9PAMAI do 4.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Maia foi submetido a julgamento o arguido AA, filho de A. C. V. e de M. T. G. C. V., nascido a 14 de Maio de 1959, natural da freguesia do Bonfim, concelho do Porto, casado, vendedor, residente na Rua ......, n.° ..., ....º direito, no Porto, actualmente detido no Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira.

Por acórdão do Colectivo do Círculo Judicial da Maia de 18-01-2002, foi o arguido condenado, como autor material e em concurso efectivo de infracções, de um crime de homicídio, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 131.° e 132.°, n.°s 1 e 2, alíneas g) e i), do Código Penal e de um crime de detenção ilegal de arma de defesa, p. e p. pelos artigos 1.º, n.° 1, alínea b), e 6.º, da Lei 22/97, de 27-06, nas penas parcelares de 17 anos e de 6 meses de prisão.

Em cúmulo jurídico pelos dois crimes, foi o arguido condenado na pena única de 17 anos e 3 meses de prisão.

Julgado parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido, foi o arguido/demandado condenado a pagar às demandantes BB, CC e DD, o montante de € 124 699,48, acrescido de juros de mora vencidos desde a data de notificação do demandado do pedido de indemnização civil e vincendos, à taxa legal que em cada momento vigorar, até integral pagamento, sendo absolvido da parte restante.

Inconformado, recorreu o arguido para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 13-11-2002, concedeu parcial provimento ao recurso e, em consequência, alterou a matéria de facto considerada provada, condenou o arguido como autor material de um crime de homicídio, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 131.° e 132.°, n.ºs 1 e 2, alínea i), do Código Penal, na pena de 15 anos de prisão, confirmou a condenação pela prática do 2.º crime e, operando o cúmulo jurídico das penas parcelares, condenou o arguido na pena única de 15 anos e 3 meses de prisão, confirmando a decisão recorrida na parte respeitante ao pedido de indemnização civil.

De novo inconformado, o arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que, em conferência, por acórdão de 26-02-2003, rejeitou o recurso.

O arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional que, em decisão sumária de 09-06-2003, decidiu não conhecer do objecto do recurso quanto à norma do art. 410.°, n.° 2, alínea c), do Código de Processo Penal, por se não tratar de uma questão de inconstitucionalidade normativa, e julgar manifestamente infundado o recurso quanto à norma do art. 165.°, n.° 1, do mesmo diploma. Desta decisão reclamou o arguido para a conferência, reclamação que foi indeferida, por acórdão de 17-07-2003.

Transitado o acórdão condenatório proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, o arguido interpôs o presente recurso extraordinário de revisão para este Supremo Tribunal de Justiça, invocando o art. 449.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal e sustentando que os factos que serviram de fundamento à condenação são inconciliáveis com factos dados como provados nos acórdãos, posteriormente transitados em julgado, proferidos nos processos do Tribunal Judicial da Comarca da Maia com os nºs. 307/00.7PAMAI, do 5.º Juízo, 406/99.6PAMAI, do 1.º Juízo, e 920/99.3PAMAI, do 3.º Juízo, resultando da oposição graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

O arguido apresentou a motivação de fls. 2 a 34 deste apenso, da qual se extraem as seguintes conclusões:

  1. Os factos dados como provados nas três sentenças, posteriormente transitadas em julgado, proferidas nos citados processos, contrariam frontalmente a motivação da decisão de facto operada no acórdão recorrido, designadamente quanto aos episódios de ameaças e agressões alegados pelo arguido aqui recorrente, em resultado do conflito que o opunha à sua ex-mulher e aos familiares desta.

  2. Motivação esta que levou o Tribunal a quo a decidir contra o aqui recorrente, dando como não provados factos por este alegados em sua defesa, conforme resulta dos termos plasmados no douto acórdão recorrido.

    Ao concluir que «(...) perante a impossibilidade, face à prova produzida e face ao objecto processual, de decidir quanto à veracidade da tese do arguido na parte em que alega que foi vitima de agressões várias por parte da ex-esposa e familiares desta, o Tribunal apenas se convenceu de que efectivamente existia um mau relacionamento entre o arguido, por um lado, e a esposa e familiares desta, por outro (...)».

    Bem como que «(...) em relação à vítima EE desde logo não resultou provada qualquer agressão perpetrada por ela, muito menos actual, pelo que nenhuma relação de necessidade se pode estabelecer com a conduta do arguido em relação a ela».

  3. As sentenças atrás referidas confirmaram factos que haviam sido dados como não provados no acórdão aqui recorrido, relativos a crimes perpetrados contra o aqui recorrente pelos arguidos condenados nessas sentenças, a ex-mulher do ora recorrente e familiares desta, pelo que constituem novos meios de prova.

  4. Tais factos, dados como provados nessas três sentenças, constituem circunstâncias que foram omitidas pelo Tribunal e que poderiam e deveriam ter beneficiado o recorrente, determinando uma alteração da tipologia do crime ou da pena aplicada ao recorrente.

  5. Considerando o contexto emergente dos factos dados como provados nessas sentenças, a conduta do recorrente deveria ter sido enquadrada no tipo legal de homicídio privilegiado p. e p. pelo art. 133.º do Código Penal ou, quanto muito, no tipo legal de homicídio p. e p. pelo art. 131.º do mesmo diploma, enquadramento jurídico-penal este que, forçosamente, alteraria a pena aplicada ao recorrente.

    Na procedência do recurso, defende que deve ser ordenada a alteração do enquadramento jurídico-penal da conduta do recorrente e, em consequência, revista a pena aplicada ou, se assim se não entender, ordenar-se novo julgamento.

    O recorrente juntou certidão, com nota de trânsito, da decisão a rever e das decisões que sustenta serem inconciliáveis.

    O Ministério Público junto do Círculo Judicial da Maia apresentou a resposta constante de fls. 206 a 207, na qual sustenta que, do confronto dos acórdãos invocados pelo recorrente com aquele cuja revisão agora pretende, não se vislumbra a alegada inconciliabilidade dos factos provados ou não provados num e noutros e muito menos que, de uma sua admissível parcial desconsideração, resultem quaisquer dúvidas, graves ou não, sobre a justiça da condenação.

    Conclui que «devem considerar-se inverificados os requisitos legais de admissibilidade do recurso extraordinário de revisão e, em consequência, ser denegada a revisão pedida».

    As assistentes apresentaram a resposta constante de fls. 208 a 211, na qual se pronunciam no sentido de se mostrar o recurso manifestamente improcedente, dado ter como único fim corrigir a medida concreta da sanção aplicada.

    Concluem que deve o recurso ser rejeitado.

    Na informação prevista no artigo 454.º do Código de Processo Penal, o Exmo. Juiz da 1.ª instância entendeu que «não se verifica a apontada situação de oposição entre os factos que serviram de fundamento à condenação e os factos dados como provados noutras decisões, que constam das certidões juntas aos autos pelo arguido (...) », assim considerando que a revisão deverá ser negada.

    Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto teve vista e pronunciou-se no sentido de dever ser dado cumprimento ao disposto no artigo 452.º do CPP, o que foi ordenado por despacho de fls. 223 e v.º.

    Procedeu-se à apensação da revisão aos autos onde foi proferida a decisão revidenda.

    Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, nas quais sintetiza as razões do pedido (artigo 412º, nº 1, do CPP).

    Questões a resolver.

    A primeira questão a apreciar prende-se com a aferição da verificação do fundamento de admissibilidade da revisão de sentença previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP invocado pelo recorrente, que pretende se autorize a revisão da decisão final proferida no processo principal, sustentando que os factos que serviram de fundamento à condenação são inconciliáveis com factos dados como provados nos acórdãos, posteriormente transitados em julgado, proferidos nos processos do Tribunal Judicial da Comarca da Maia com os nºs. 307/00.7PAMAI, do 5.º Juízo, 406/99.6PAMAI, do 1.º Juízo, e 920/99.3PAMAI, do 3.º Juízo, resultando da oposição graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

    Subsidiariamente, considerando que o recorrente sustenta que as citadas decisões judiciais constituem novos meios de prova, relativos aos factos dados como não provados na decisão revidenda, há que aferir da verificação do fundamento de admissibilidade da revisão de sentença previsto na alínea d) do citado preceito.

    DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO, proferida no acórdão da 1.ª instância: FACTOS PROVADOS: «2.1 - No mês de Março de 1999, o arguido entrou em processo de separação da sua esposa, FF.

    2.2 - O casal vivia na Rua....., n.° ... - rés-do-chão, em Gueifaes - Maia, da qual, era e é proprietário o sogro do arguido, GG.

    2.3 - Após a separação do casal o arguido, contra a vontade da família da sua esposa, pretendeu manter-se a viver na aludida residência, tendo conseguido decisão judicial favorável às suas pretensões, datada de 26 de Julho de 1999.

    2.4 - Contudo, desde 1-08-1999 o arguido passou a viver na Rua ......, no Porto.

    2.5 - No decurso dos meses de Maio a Agosto de 2000, o arguido, além de se deslocar quase diariamente à casa, sita na rua ........, n.° ..., rés-do-chão, aludida em 2.2, e aí permanecer por vezes durante horas, cruzava-se com o falecido EE, então se gerando discussão.

    2.6 - A circunstância referida em 2.3, motivou uma situação de grande tensão entre o arguido e a família da sua esposa, tendo sido apresentadas inúmeras queixas e...

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