Acórdão nº 07A3439 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Fevereiro de 2008

Magistrado ResponsávelRUI MAURÍCIO
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

AA e BB vieram, nos termos do disposto nos arts. 1978° nºs 1, a) e 5 do Código Civil e 164° e segs. da Organização Tutelar de Menores, instaurar a presente acção de confiança judicial com vista a futura adopção dos menores CC e do DD.

Para tanto alegam, em síntese, que desde 11 de Dezembro de 1999, altura em que os pais dos menores faleceram num acidente de aviação, as crianças vivem consigo e estão totalmente a seu cargo, que as mesmas lhes haviam sido entregues pela mãe antes de iniciar a viagem que a vitimou mortalmente, que já antes desse trágico acidente existia uma relação de carinho e afecto entre os requerentes e os menores, relação que se fortaleceu com o passar do tempo, a ponto de os menores fazerem já verdadeiramente parte da sua família e que os contactos da família biológica com os menores se resumem a esporádicos telefonemas ou curtas visitas, mostrando-se o tio dos menores, EE, mais preocupado com o pagamento das indemnizações devidas pelo falecimento ocorrido no acidente de aviação, do que em contactar os menores.

Terminam pedindo que, com vista a futura adopção e nos termos do art. 1978º do Código Civil, os menores lhes sejam confiados.

Citado o Ministério Público, nos termos do disposto pelo art. 164° da Organização Tutelar de Menores, veio o mesmo apresentar a sua contestação, alegando desconhecer se o alegado pelos requerentes é, ou não, verdade, mas ser falso o alegado desinteresse da família biológica, apresentando como manifestação de interesse dessa mesma família o pedido de tutela apresentado no mesmo Tribunal.

Após vicissitudes de vária ordem, foram citados EE, FF e GG, aqueles tios e este irmão dos menores, em cumprimento do Acórdão do Tribunal Constitucional de 21 de Abril de 2004, constante de fls. 736 a 766 dos autos, que julgou inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos arts. 20º, nº 1 e 67º, nº 1, ambos da Constituição da República Portuguesa, a norma constante do art. 164º, nº 1 da Organização Tutelar de Menores (Dec. Lei nº 314/78, de 27/10, na redacção dada pelo Dec. Lei nº 120/98, de 8/5), interpretada no sentido de denegar legitimidade para intervir no âmbito do processo tutelar cível de confiança judicial de menor aos seus parentes colaterais até ao 3º grau, que, após falecimento de ambos os progenitores do menor, o não têm a seu cargo por motivo estranho à sua vontade, apesar de manifestarem interesse em intervir espontaneamente na causa.

E apresentaram contestação, alegando, em suma: ser falso que não tenham demonstrado interesse pelos menores e que entre estes e os requerentes existisse, previamente à morte dos progenitores, uma relação de carinho e afecto; terem os menores uma ama, a quem ficavam entregues aquando da deslocação da sua mãe para fora da Ilha, sendo que apenas por acaso, em virtude de doença da ama, ficaram os mesmos entregues ao casal de requerentes aquando da viagem que acabou por vitimar mortalmente os seus progenitores; e sempre terem desenvolvido esforços para levar as crianças consigo e que apenas não o fizeram por imposição do Tribunal.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que decretou a confiança judicial dos menores ao casal constituído pelos requerentes, com vista à sua futura adopção.

Desta sentença apelaram os tios e irmão dos menores, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa julgado improcedente a apelação e confirmado a sentença recorrida.

Novamente inconformados, interpuseram a presente revista, respigando-se sinteticamente as seguintes conclusões, das extensas (precisamente 80, preenchendo mais de 18 fls.) e pouco concisas conclusões da respectiva alegação: 1ª- O nº 4 do art. 60° do CC determina que se a lei competente para regular as relações entre adoptando e os seus progenitores não conhecer o instituto da adopção, ou não o admitir em relação a quem se encontre na situação familiar do adoptando, a adopção não é permitida; 2ª- O Código Civil Guineense não consagra o instituto da confiança judicial, pelo que a adopção destes menores nunca seria possível ao abrigo da lei guineense, porque a tutela que foi suspensa em Portugal, em face da existência do processo de confiança judicial, teria prosseguido e hoje os menores teriam um tutor, o seu tio, que os teria a seu cargo; 3ª- Ora, tendo o tio os menores a seu cargo, não poderia por um lado existir adopção plena, porque nos termos do artigo 1982° do Código Civil Guineense, só podem ser adoptados plenamente os filhos de pais falecidos, que tiverem estado ao cuidado de ambos os adoptantes ou de um deles desde idade não superior a sete anos; 4ª- Igualmente, de acordo com o art. 1981° do CC guineense, não podem adoptar plenamente duas pessoas que tenham descendentes legítimos, pelo que, nunca poderia ser decretada adopção plena, de acordo com a lei da nacionalidade dos menores; 5ª- Nos termos do art. 1988°, nº 1, alínea c) do CC guineense, para que possa ocorrer a adopção restrita é necessário o consentimento do ascendente que tenha o menor a seu cargo, pelo que como já se demonstrou, o tio, pela lei guineense, e até pela portuguesa, tivesse o Tribunal permitido o prosseguimento de tutela, teria ficado com os menores a seu cargo e jamais daria ou dará o seu consentimento para tal adopção, conforme já claramente demonstrado e declarado por este nos presentes autos; 6ª- Termos em que, de acordo com o art. 60°, nº 4 do CC, a adopção destes menores não é permitida e consequentemente a confiança judicial decretada também não, devendo ser imediatamente revogada; 7ª- Os factos provados estão enunciados como tal na matéria de facto provada constante da sentença proferida em primeira instância, mas também no próprio processo, nele se incluindo documentos, como relatórios e informações sociais, que embora não considerados na sentença de primeira instância, devem, no entanto ser considerados na análise do presente recurso; 8ª- A decisão judicial de entrega provisória, proferida por um Mmº. Juiz, com base em mentiras descabeladas e falsidades iníquas, decretou, na sequência da perda dos pais, a separação de irmãos, o afastamento da família e a entrega de duas crianças a um casal de estranhos, com quem estes nunca tinham mantido qualquer relação de afecto ou qualquer ligação; 9ª- Estas declarações, falsas e mentirosas, como está hoje estabelecido, levaram o Tribunal a julgar que os menores tinham com BB uma relação longa e profunda de confiança e afecto, pois que seria ela que delas cuidava na ausência dos pais, antes do acidente, e também que, após o acidente, os familiares dos menores não tinham "manifestado o propósito de os acolher a curto prazo"; 10ª- O recorrente EE viajou imediatamente para os Açores onde falou com BB e onde se dirigiu ao Tribunal para averiguar da veracidade das declarações daquela, tendo aí confirmado o que BB tinha dito, e onde também foi informado que BB não queria ficar com o irmão mais velho; 11ª- A família depois de saber que existia o processo de confiança provisória dos dois menores, Processos Tutelares nº 47/99 e 48/99, logo interveio no processo; 12ª- Assim, a 30 de Outubro de 2000, perante a Exmª. Senhora Procuradora dos Serviços do Ministério Publico junto do Tribunal Judicial de Santa Cruz das Flores, procedeu-se a reunião do Conselho de Família, no âmbito do processo de Instauração de Tutela nº 68/00 (em que o tio é requerente) em que se designou, por unanimidade, o tio EE como tutor dos menores CC e DD; 13ª- Este processo de tutela foi suspenso por despacho datado de 8 de Novembro de 2000, considerando o Mmº. Juiz que apesar de estarem "obrigatoriamente sujeitos a tutela os menores cujos pais tiverem falecido, conforme estabelece o art. 1921º, nº 1, a)", acrescenta que "só se pode avaliar se o ora requerente é a pessoa mais indicada para desempenhar as funções de tutor dos menores se outras não houver em melhores condições para as desempenhar e, por outro lado, o juízo de prognose subjacente a uma decisão de entrega ou confiança judicial com vista à adopção implica o reconhecimento de que no caso concreto tal solução apresenta reais vantagens para os adoptandos e é a que melhor serve os seus interesses". Assim, determinou o Mmº. Juiz que "os autos aguardem a decisão do processo de confiança judicial relativo aos menores"; 14ª- Foi sempre negado ao tio dos menores, FF (tia dos menores) e a GG (irmão dos menores) legitimidade para intervir no processo de confiança judicial, negando-se a sua legitimidade para contestar no processo de confiança judicial com base numa interpretação restritiva e literal do art. 164°, nº 1 do Dec. Lei nº 314/78, de 27 de Outubro, que refere "1 - Requerida a confiança judicial do menor, são citados para contestar, salvo se tiverem prestado consentimento prévio, os pais e, sendo caso disso, os parentes ou o tutor referidos no artigo 1981° do Código Civil e o Ministério Público, quando não for o requerente" conjugado com o art. 1981º, nº 1, d) que diz "Para a adopção é necessário o consentimento: do ascendente, do colateral até ao 3° grau ou do tutor, quando, tendo falecido os pais do adoptando, tenha este a seu cargo e com ele viva". A interpretação em causa baseava-se no pressuposto de que nem os tios nem o irmão tinham os menores a seu cargo nem com eles viviam, pelo que, como tal, não teriam legitimidade para contestar o processo de confiança judicial; 15ª- Em recurso para o Tribunal Constitucional, este vem decidir no sentido da inconstitucionalidade "por violação das disposições conjugadas dos arts. 20° e 67°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa, a interpretação normativa que denega legitimidade para intervir no referido processo aos familiares do menor que - após falecimento de ambos os progenitores - o não têm a seu cargo, por motivo estranho à sua vontade, apesar de manifestarem um interesse em intervir espontaneamente na causa"; 16ª- Seis anos e seis meses depois do trágico falecimento dos pais, os menores CC e...

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