Acórdão nº 06P4805 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Janeiro de 2008

Magistrado ResponsávelCARMONA DA MOTA
Data da Resolução31 de Janeiro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Escutas. Nulidade. Efeito à distância (1) Recurso 4805/06 Comum colectivo 245/00.3TASNT da 2.ª Vara Mista de Sintra Recurso 8281/05-5 da Relação de Lisboa Arguidos/recorrentes: CMRS (2) 1. OS FACTOS No dia 08Nov00 foram apreendidos aos arguidos CMRS e RMA, na residência arrendada, sita no Zambujal - Sesimbra, os seguintes objectos utilizados pelo arguido CMRS na actividade de venda de estupefacientes: - 1 moinho, com resíduos de heroína e utilizado no tratamento do mesmo estupefaciente; - 1 balança; - 2 telemóveis; - 2 agendas, com anotações relativas a contactos e negócios; - 1 viatura de marca Renault Espace, com a matrícula ...-...-MM.

Nas instalações sitas na Avenida Cidade de Lisboa, o arguido CMRS detinha ainda 1 embalagem plástica contendo um produto (pó), cuja substância activa presente é a glucose, com o peso de cerca de 200 g, usualmente destinado a servir de corte aos estupefacientes.

Na morada onde residiam os arguidos CMRS e RMA, sita na Avenida Cidade de Lisboa, Casal do Cotão, Cacém, onde estavam os pais desta em virtude de um incêndio na própria casa, foram apreendidos, no quarto de dormir, os seguintes objectos pertença do arguido CMRS: - 1,54 g de heroína; - 3 comprimidos de anfetamina, com o logótipo "Coroa"; - 1 pistola marca "Rech", transformada para 6,35 mm e munições; - 1 detector electrónico de moeda falsa; - dinheiro português, no montante de 1 072 000$ (...), estando 910 contos no interior de uma pequena mala preta, de marca "Kaarst", e o restante distribuído por quatro envelopes; - diversos artigos em ouro e relógios; - diversos papéis manuscritos com valores relativos a transacções de estupefacientes; - diversa documentação bancária.

O dinheiro referido foi obtido na actividade de narcotráfico por aquele arguido CMRS e os comprimidos e heroína encontrados tratavam-se de meras amostras.

A viatura de marca KIA, modelo Sportage, com a matrícula ...-...-OQ, apreendida e examinada a fls. 2678 e avaliada em 3 250 000$, encontra-se registada a favor da sua então companheira, tendo sido comprada pelo arguido CMRS através de um cheque emitido por JMFC, sacado sobre uma conta bancária ao mesmo pertencente a quem o arguido CMRS pediu para o emitir como forma de pagamento do referido veiculo, entregando-lhe em seguida numerário para este aprovisionar a conta por forma a que o cheque obtivesse pagamento. (...) Por escritura datada de 10 de Abril de 1996, o arguido JCA figurara como comprador do apartamento sito na Avenida Cidade de Lisboa, Casal do Cotão, Cacém - Sintra, residência do arguido CMRS e RA (...).

Todos os arguidos sabiam que a detenção, venda ou cedência a qualquer título, de produtos estupefacientes a terceiros é proibida e punida por lei, mais sabendo ser também proibida e punida a ocultação dos rendimentos provenientes dessa actividade e quiseram agir da forma descrita supra.

Os arguidos sabiam ainda que não podiam deter as armas de fogo referidas e que lhes foram apreendidas, nenhuma delas legalmente manifestada ou registada e quiseram agir da forma descrita supra.

O arguido CMRS vive com uma companheira, a co-arguida RA. Trabalha com a irmã numa empresa de máquinas de diversão, não tendo rendimentos certos. Tem dois filhos. Reside, com a companheira, em andar próprio, adquirido por empréstimo bancário, que estão a amortizar. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.

  1. A CONDENAÇÃO Com base nestes factos, 2.ª Vara Mista de Sintra, em 28Abr05 (3) , condenou CMRS (-06/07/1967), na pena de 5 anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. p. artigo 21º do Decreto-Lei 15/93.

  2. O RECURSO PARA A RELAÇÃO 3.1. Inconformado, o arguido CMRS recorreu à Relação, pedindo: I) a anulação do julgamento e do aresto recorrido (por valoração de prova proibida); II) a anulação da prova mediata indicada (buscas), com as devidas consequências de facto e de direito, absolvendo o arguido ou devolvendo os autos ao tribunal a quo para que profira nova decisão sem atender aos meios de prova agora invalidados (buscas) e extrair a necessárias consequências em matéria de facto e de direito; III) subsidiariamente, conhecendo da matéria de facto impugnada, e conferindo provimento ao presente recurso, a alteração dos factos provados, com a consequente absolvição do arguido; IV) ainda subsidiariamente, a condenação do arguido tão só pela prática de um crime p. p. art. 25.1 do Decreto-Lei 15/93, na pena de 18 meses de prisão suspensa na sua execução: 1. No ponto 5.º do aresto recorrido, em sede de "Motivação", veio o tribunal a considerar que, mesmo sem o conjunto das diversas intercepções, se teria chegado à restante prova que levou à sujeição dos arguidos a julgamento uma vez que a investigação inicia-se com "denúncia informal", tendo prosseguido "com vigilâncias persistentes aos arguidos"; assim resultando o estabelecimento de "algumas relações e contactos entre os vários arguidos (...) tudo tendente à prática da actividade que lhes é imputada"; por outro lado, na perspectiva do tribunal, tudo isto sempre conduziria às "buscas, apreensões e revistas efectuadas (...)". 2. Concluindo pela existência, nos moldes traçados, de "diversos fundamentos autónomos para as diligências que foram efectuadas", inexistindo "um único nexo de causalidade investigatória com origem no meio de prova invalidado". 3. O arguido tem de manifestar a sua discordância, quer quanto às premissas quer quanto à conclusão que assim se extrai no aresto recorrido, as quais, quiçá por generalizarem (a todos os arguidos e a todas as intercepções), não atendem ao caso concreto do recorrente. Com efeito, cotejem-se os autos, ouçam-se as testemunhas e conclua-se que a tal "denúncia informal" não se dirigia ao recorrente, como também, em nenhuma das vigilâncias persistentes (realizadas na sequência), foi o arguido sequer visto! 5. Assim, a investigação e o tribunal nunca chegariam à existência de "relações e contactos entre os vários arguidos" e o recorrente, bem como não é por essa via que se justificam as "buscas, apreensões e revistas" relativas ao recorrente. 6. Os autos carecem de todo dos tais fundamentos autónomos (do meio de prova invalidado) para as diligências efectuadas quanto ao recorrente, sendo certo que o único fundamento, profusamente demonstrado nos autos e em julgamento, quanto a este, são as intercepções telefónicas (declaradas nulas). 7. Por carência de fundamento autónomo, haverá que concluir que toda a restante prova existente quanto ao recorrente (resumivel às buscas às suas residências e infantário, bem como à revista feita na sua pessoa), pela sua dependência necessária, directa e única em relação à prova invalidada, deveria ter sofrido igual sorte. 8. Isto em consagração das doutrinas do efeito-à-distância e do fruit of the poisonous tree, as quais convergem na necessidade de não valoração de prova nas circunstâncias como as dos autos. 9. Tudo isto também adjectivado nos art.s 122.1, 187° e 188°, 126.3 do CPP e 32.8 da CRP, os quais impõem a proibição de valoração de prova, com a consequente nulidade da prova imediata e da mediata com a qual exista um nexo de causalidade ou de «imputação objectiva», como é o caso das buscas e revistas efectuadas ao recorrente, a fls. 1917 e ss., 1930 e verso, 1933 e ss. 10. Esta aliás, quanto a nós, a melhor leitura dos preceitos constitucionais constantes dos arts.32° n° 8 e 34° n.ºs 1 e 4 da CRP; 11. Assim, o tribunal a quo socorreu-se de prova nula e cuja valoração lhe estava vedada, devendo o acórdão ser declarado nulo quanto ao recorrente, com as legais consequências; 12. O recorrente impugna ainda a decisão proferida pelo tribunal a quo, quanto ao julgamento de alguns pontos de facto considerados provados no aresto, visando assim que a Relação, no uso dos seus poderes em matéria de facto, procedendo de acordo com o disposto no art. 431.b e 412.3 do C.P.P., venha a decidir pela modificação dos mesmos; 13. Indica como pontos de facto que considera incorrectamente julgados os seguintes: 35.°, 36.°, 37.° e 38.°. 14. Como provas que impõem decisão diversa da recorrida as seguintes: - autos de busca e apreensão de fls. 1917, 1930 e 1933 e objectos e documentos apreendidos nas mesmas; depoimento das testemunhas ... (todos inspectores da Polícia Judiciária), e ... (testemunhas arroladas pelo arguido), cujos suportes magnéticos protesta indicar; auto de exame a fls. 2525; auto de exame a fls. 4001. 15. Concretamente, quanto ao art. 35° impugna a constatação de que os objectos apreendidos e aí mencionados houvessem sido "utilizados pelo arguido CMRS na actividade de venda de estupefacientes". 16. Quanto a este e quanto a todos os pontos de facto provados e impugnados, na verdade, impugna a factualidade conducente à afirmação de que o arguido tinha uma qualquer actividade de venda de estupefacientes. 17. No art. 36.º impugna-se a afirmação de que o produto apreendido se destinava ao efectivo corte de estupefacientes. 18. Quanto ao art. 37.º, mais uma vez, não se impugnando que os objectos em causa foram apreendidos, o que se impugna é o facto feito constar de que os mesmos são "pertença do arguido CMRS" ou que os papéis apreendidos sejam relativos a "transacções de estupefacientes". 19. O art. 38.º, na medida em que no mesmo se faz constar que o dinheiro apreendido provinha da "actividade de narcotráfico do arguido", e que o estupefaciente apreendido se tratasse de "meras amostras". 20. Resulta evidente dos documentos dos autos, dos depoimentos das testemunhas da PJ indicadas e do aresto que, quanto ao recorrente (declaradas nulas as intercepções telefónicas e inexistindo qualquer vigilância), acaso não vingasse a questão prévia colocada, restaria como prova apenas: o depoimento das testemunhas; os autos de busca e apreensão. 21. O conhecimento de facto das testemunhas, quanto ao recorrente existe apenas: indirectamente, por aquilo que ouviram nas intercepções (prova nula); directamente, pelas buscas (quanto aos objectos apreendidos). 22. Nenhuma...

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