Acórdão nº 07P1135 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Janeiro de 2008

Magistrado ResponsávelSORETO DE BARROS
Data da Resolução23 de Janeiro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. AA, identificado nos autos, recorre do acórdão de 19.12.06, do Tribunal da Relação de Évora, que negou provimento ao recurso que tinha interposto do acórdão de 14.02.05, proferido no proc. n.º 486/03, do Tribunal da Comarca de Portimão, que - para o que, agora, importa - decidiu condená-lo na pena de nove anos de prisão, por crime de homicídio, p. e p. pelo art.º 131.º, do Código Penal .

  2. 1 O recorrente termina a motivação do recurso com as seguintes conclusões : I- O recorrente discorda da douta decisão da Relação de Évora, pelas seguintes questões de direito: a)-Errada interpretação do artigo 412.º, n.º 4 do CPP; b)- Inconstitucionalidade da aplicação dessa norma interpretada pela forma em que o douto Acórdão da Relação a interpreta; c)- Não aplicação de atenuação especial da pena ao caso concreto; d)- inobservância do artigo 71.°, por excesso na determinação concreta da medida da pena.

    II- O douto Acórdão recorrido concluiu que lhe está vedado modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto, uma vez que tinha incumprido o recorrente o preceituado no artigo 412.º, n.º 3, alínea b) do CPP., pois entende a Relação "a quo" que cabia ao recorrente especificar relativamente a cada prova, as partes concretas dos depoimentos, com localização (início e termo) dessas partes.

    III- Louva-se o douto Acórdão recorrido em outro Acórdão da mesma Relação, de 10 de Outubro de 2006, que em suma declara não ser exigível à Relação que reexamine toda aquela prova quando o que a lei prescreve quanto ao recurso da matéria de facto é que a Relação sindique erros de julgamento que lhe sejam devidamente apontados com referências às provas concretas, especificadas por referência aos respectivos suportes técnicos.

    IV- Ora, é esta a questão ora em recurso: cumpriu ou não o recorrente as disposições do artigo 412º, n.º 3 alínea b) e n.º 4 do CPP; e se, aquilo que apresentou ante a Relação, nesta sede, era ou não suficiente para, conhecendo de facto, poder a Relação apreciar o recurso em tal sede e modificar a decisão anterior V- Resulta do próprio texto da decisão ora recorrida (fls. 19) que o recorrente procedeu à especificação das provas por referência aos suportes técnicos (20 parágrafo); mas não tendo indicado início e termo concreto da parte das declarações dessas testemunhas que, do ponto de vista da Relação, pudessem ser exclusivamente sob aquela concreta questão de facto.

    VI- Desde logo, parece-nos de assinalar que na apreciação do que poderá ser importante para a defesa do arguido no recurso, há um primeiro acto concreto dessa mesma defesa.

    VII- Daí que, possa a defesa do recorrente entender que, para cabal apreciação do seu ponto de vista, era necessário expor à Relação não apenas trechos concretos (mas descontextualizados) das declarações de cada das testemunhas, mas sim os depoimentos de cada delas onde tais trechos se integram; e foi o que o recorrente fez (como a Relação reconhece a folhas 19 do Acórdão) VIII- Mesmo que não tenha o recorrente indicado início e termo de declarações e depoimentos, isso não significa que fique a Relação impedida de apreciar as provas e modificar a decisão proferida antes.

    IX- O recorrente cumpriu o ónus estabelecido na alínea b), do n.º 3, e n.º 4 do art. 412.º do CPP; e fê-lo até indicando matéria que a si no exercício da sua defesa - lhe parecia importante (toda a declaração da testemunha), enquanto a Relação entende que lhe bastaria parte dessa declaração.

    X- Não nos parece no entanto que esse eventual excesso (aliás explicável pelos necessários cuidados que a defesa deve ter) possa justificar a conclusão de que face a tanto não é exigível à Relação que reexamine aquela prova.

    XI- Pediu-se à Relação que sindicasse erros de julgamento devidamente apontados, com referência às provas concretas, especificadas por referência aos respectivos suportes técnicos de gravação.

    XII- No exercício da defesa o recorrente apontou e transcreveu concretamente, as declarações no seu entender necessárias para apreciação com vista à modificação da matéria de facto; e ainda que entenda a Relação que não seria necessária, para essa apreciação, todo o depoimento das testemunhas em causa, isso não pode todavia legitimar a sua conclusão de que fica assim impedida de decidir.

    XIII- E muito menos a conclusão de que o recorrente incumpriu o ónus por ele resultante do art. 412.º do CPP, pois este indicou as provas, especificou-as com referência aos respectivos suportes técnicos, não as descontextualizou - e portanto facultou à Relação "a quo" os meios necessários para que esta pudesse apreciar e decidir.

    XIV- O recorrente ante a Relação cumpriu o ónus do art. 412.º do CPP; e não descontextualizou partes das declarações, referindo inícios e termos dessas partes, de modo a que pudesse o Tribunal "ad quem" ter cabal perspectiva e integral conhecimento das provas concretas apontadas e não apenas de parte delas.

    XV- Acresce que, ademais, essas especificações aos suportes técnicos eram ainda servidas por transcrições das declarações em causa.

    XVI- Ao ter decidido que incumpriu o recorrente o ónus existente na alínea b) do n.º 3 do art. 412.º do CPP, violou o Tribunal da Relação de Évora precisamente esse artigo, violando assim direitos e garantias do arguido enquanto recorrente, concretamente os artigos 399.º, 428º, n.º 1 e 431.º todos do CPP.

    XVII- Com o que atrás se expôs, o Acórdão recorrido nega na prática ao recorrente o seu direito constitucional de recurso, previsto no artigo 32º, n.º 1 da CRP, ao efectivamente coarctar a possibilidade constitucional de ver o recorrente apreciado por um Tribunal Superior o julgamento sobre matéria de facto feito em lª Instância.

    XVIII- Defende o recorrente que cumpriu o ónus do art. 412.º, n.º 3 e 4, pelo que o entendimento que o douto Tribunal da Relação faz do artigo 412.º n.º 3 e n.º 4 do CPP, quanto a este ponto, vai no sentido de inequivocamente negar o direito de recurso, tão só baseado no facto de entender que deveria ter havido pelo recorrente maior concisão na indicação das provas.

    XIX- É inconstitucional a norma dos artigos 412.º n.º 3 alínea b) e n.º 4 do CPP, quando interpretada no sentido de que fica vedado à Relação apreciar e modificar a decisão sobre a matéria de facto, se o arguido (ainda que indicando as provas concretas, transcrevendo-as na sua motivação e especificando com referência aos suportes técnicos), não indica o inicio e o termo das mesmas.

    XX- Tinha, com o que foi fornecido pelo arguido em recurso, a Relação toda a matéria suficiente e necessária para poder apreciar e decidir sobre a matéria de facto, não devendo escusar-se a esse seu dever processual. Inconstitucionalidade que desde já invoca e se deixa aqui arguida.

    XXI- A situação destes autos sempre justificaria a atenuação especial da pena imposta ao arguido, apesar da Relação (folhas 29 do douto Acórdão), entender que a atenuação especial só em casos excepcionais pode ter lugar.

    XXII- Ora, considerando todas as circunstâncias que compõem a imagem global do facto, entende o recorrente que, tendo praticado os factos no exercício das suas funções de guarda-nocturno, em momento em que havia sido chamado a intervir perante desordem e desacato, terá actuado por um motivo honroso, qual seja o de procurar repor a ordem e a tranquilidade e sem querer retirar a vida à vítima.

    XXIII- Os factos demonstram também que há uma provocação injusta por parte da própria vítima no momento imediato do infeliz acontecimento; e os factos decorrem ainda numa situação de medo por parte do recorrente, e no exercício duma defesa que se nos afigura legítima, ainda que possa eventualmente ter incorrido em excesso.

    XXIV- O Arguido não efectua disparos quando intercepta o grupo em que a vítima se integra; mas apenas quando estes recusam a ordem de paragem, avançam para ele, o provocam e o agridem, mas sempre sem querer retirar a vida à vítima.

    XXV- Tudo actos que podem inclusive determinar a existência de uma legítima defesa putativa, se apreciados no seu enquadramento global.

    XXVI- Não entendendo assim o Tribunal da Relação de Évora violados ficam os artigos 32.º e 33.º do CP.

    XXVII- Provado ficou ainda ser o arguido primário, ter boa inserção profissional e familiar, boa reputação no meio social, ser bem considerado profissionalmente e ser pessoal calma e isenta de queixas (folhas l0, 30 e 31 do douto Acórdão), sendo o facto em apreço uma excepção na regra de vida honesta e pacata do recorrente (folhas 10 do douto Acórdão).

    XXVIII- O qual se mostra arrependido.

    XXIX- Tudo o que justifica a aplicação da atenuação especial da pena.

    XXX- Ao não ter assim entendido, o Tribunal da Relação os artigos 72.º e 73.º do CP e ainda os artigos 32.º e 33.º do mesmo CP.

    XXXI- Tudo o que se alega, ainda que eventualmente pudesse não justificar a atenuação especial da pena, sempre determinaria que a pena em concreto a aplicar fosse menor do que aquela (9 anos de prisão) concretamente decidida.

    XXXII- As circunstâncias que não fazem parte do tipo de crime - neste caso concreto existentes - e que depõem a favor do agente, -- o modo de execução, os sentimentos manifestados no cometimento do facto, os motivos que o determinaram, as condições pessoais do agente, e a sua conduta anterior e posterior ao facto (ausência total de qualquer queixa em relação a si), a provocação da vítima, a tentativa de reposição da ordem pública, o facto de se encontrar o arguido sozinho e sob agressão por um número maior de indivíduos, que ademais não se intimidaram com os disparos feitos para o ar, -- determinariam nos termos do artigo 71.º do CP uma pena menos gravosa do que aquela que lhe foi aplicada.

    XXXIII- Ao manter a pena de 9 anos de prisão aplicada em lª Instância, o Tribunal da Relação de Évora violou o artigo 71.º do CP.

    Termos em que se deverá revogar o douto Acórdão recorrido, substituindo-o por outro que determine à Relação que aprecie a matéria de facto posta em causa, ou, se assim não for, aplique ao recorrente atenuação...

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