Acórdão nº 07P3210 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Dezembro de 2007

Magistrado ResponsávelRAUL BORGES
Data da Resolução13 de Dezembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

No processo comum colectivo nº 668/06.4PSLSB (19/2007), da 3ª secção da 9ª Vara Criminal de Lisboa foram submetidos a julgamento os arguidos: AA, solteiro, natural do Campo Grande, Lisboa, nascido em 1 de Maio de 1976, filho de... e de ..., pintor da construção civil, residente na ....., nº 00, 6º A, Alta de Lisboa, preso preventivamente à ordem destes autos; BB, solteiro, natural de S. Sebastião da Pedreira, Lisboa, nascido a 12 de Fevereiro de 1980, filho de ... e de ..., servente de pedreiro, residente na Av. .., Torre 00, 8º J, Cidade Nova, Santo António dos Cavaleiros, preso preventivamente à ordem destes autos.

Por acórdão de 4 de Julho de 2007 foram condenados: O arguido AA pela prática, em co-autoria material, de cinco crimes de roubo, p. p. pelo artigo 210º, nº 1 do Código, na pena de 2 (dois) anos de prisão por cada um deles e pela prática de doze crimes de roubo qualificado, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1 e 2, alínea b) do Código Penal, com referência ao disposto no artigo 204º, nº 2, alínea f), todos do Código Penal e artigo 4º do DL nº 48/95 de 15/3, na pena de 4 (quatro) anos de prisão por cada um deles; Em cúmulo, na pena única de 10 (dez) anos de prisão.

O arguido BB pela prática, em co-autoria material, de um crime de roubo simples, p. p. pelo artigo 210º, nº 1, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão e pela prática de 3 (três) crimes de roubo qualificado, p. p. pelos artigos 210º, nº 1 e 2, alínea b), com referência ao disposto no artigo 204º, nº 2, alínea f), todos do Código Penal e artigo 4º do DL nº 48/95, de 15/3, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão por cada um deles.

Em cúmulo, na pena única de 7 (sete) anos de prisão.

Inconformados, os arguidos interpuseram em conjunto recurso, requerendo que as alegações fossem produzidas por escrito e apresentando a motivação de fls. 1037 a 1053, que remataram com as seguintes conclusões (em transcrição): 1. Do enquadramento jurídico dos factos dados como provados: O Tribunal a quo qualificou juridicamente o crime de roubo com utilização de seringa como previsto e punido pelo art. 210° nºs 1 e 2 alínea b) do C. P., com referência ao art. 204°, n° 2, al. f) do mesmo diploma legal.

  1. Considera que a seringa se insere no conceito de arma definido no art. 4° do Dec-Lei n.º 48/95, de 15 de Março.

  2. Fundamenta a sua posição com a afirmação de que "podem ser utilizadas especificamente para agredir".

  3. Não atribuiu na sua fundamentação qualquer relevância à seringa estar ou não contaminada para ser considerada uma arma em termos penais, tendo por suficiente a utilização que lhe foi dada pelos recorrentes.

  4. Discorda-se desta posição do tribunal a quo.

  5. Na verdade, o conceito de arma deverá abranger, apenas, os instrumentos que são ou podem ser utilizados como meios eficazes de agressão, ou seja, aqueles que servem ou podem servir para ofender fisicamente uma pessoa, de forma significativa ou não insignificante.

  6. Para que uma seringa possa ser qualificada de arma com relevância penal, terá necessariamente que estar infectada, pois só assim ao transmitir uma doença, ofende fisicamente uma pessoa de forma significativa ao contrário do que acontece com uma picada de uma seringa inócua.

  7. No douto Acórdão não consta da matéria dada como provada, como era a seringa e as suas características, que a seringa estivesse infectada, que os recorrentes tivessem dito aos ofendidos que eram seropositivos ou mesmo toxicodependentes, nem que estivessem infectados com o vírus da SIDA.

  8. Com uma seringa não infectada e com a utilização que dela foi feita pelos recorrentes, não estamos perante uma arma em termos penais que possa configurar o crime de roubo qualificado previsto e punido pelos art. 210° n.º 2 al. b), com referência ao art. 204°, n.º 2 al. f), ambos do C. P.

  9. Já num crime de roubo simples, a seringa funciona como um instrumento apto a anular qualquer resistência da vítima.

  10. O douto acórdão ao condenar o recorrente pela prática de crime de roubo previsto e punido pelo art. 210° nºs 1 e 2 alínea b) com referência ao art. 204° n.º 2 al. f), ambos do C. P., violou estes mesmos preceitos, bem como o art. 4° do Dec-Lei n.º 48/95, de 15 de Março.

  11. O Tribunal a quo classificou a seringa como sendo uma arma em termos penais, porque fez uma interpretação ampla do conceito de arma ínsito no art. 4° do Dec-Lei n.º 48/95, de 15 de Março e consequentemente considerou que a actuação dos recorrentes preenchia os elementos constitutivos do crime de roubo qualificado.

  12. Pelo contrário, deverá ser feita uma interpretação restrita do conceito de arma ínsito no art. 4° do Dec-Lei 48/95, de 15 de Março, nos termos do acima alegado no artigo 6 que se dá aqui como integralmente reproduzido pelo que a conduta dos recorrentes integra o elemento típico de roubo simples, previsto e punido pelo art. 210° n.º 1 do Código Penal.

  13. A utilização de uma seringa é um facto atípico para efeito da qualificativa do n° 2 al. b) do art. 210° do C.P., com referência à al. f) do nº2 do art. 204° do mesmo diploma.

  14. Conclui-se esta parte considerando que o douto acórdão deverá ser revogado e/ ou modificado no que respeita à qualificação jurídica efectuada (factos descritos no douto acórdão como sendo de 2 na situação II., 2 na situação VI., 2 na situação VII., 1 na situação VIII., 1 na situação IX e 1 na situação X, no que se refere ao Arguido AA e de 1 na situação VIII., 1 na situação IX, no concernente ao Arguido BB) devendo a conduta dos recorrentes, nestes casos, não ser, como o foi, integrada no crime de roubo qualificado previsto e punido pelo art. 210° n.º 2 al. b) com referência ao art. 204° n.º 2 al. f) ambos do C. P., independentemente da desqualificação operada nos casos de diminuto valor da subtracção, conforme o preceituado nos art. 204° n.º 4 e 202° al. c) ambos do C. P., em que tal conduta deverá consubstanciar apenas um crime de roubo simples previsto e punido pelo art. 210° n.º 1 do C. P.

  15. Da medida concreta da pena: o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, determinou de forma desajustada as medidas concretas das penas correspondentes aos crimes, marcando-as por uma nota de severidade que as tornou excessivas (10 (dez) anos de prisão para AA e 7 (sete) anos de prisão, para BB).

  16. O critério escolhido para a aplicação de penas diferenciadas aos crimes de roubo teve por base o diverso grau de gravidade de cada um deles, medida pela existência ou não de arma.

  17. Com o entendimento que seguimos a seringa, nas circunstâncias em que foi utilizada pelos recorrentes, não integra o conceito penal de arma e, consequentemente, nos casos em que surge, o crime tem sempre de ser considerado de roubo simples, previsto e punido pelo art. 210° n.º 1, equiparando-se ao crime de roubo sem utilização de arma, tendo necessariamente de assumir um menor grau de gravidade relativamente ao crime de roubo em que aquela seja utilizada.

  18. O Tribunal a quo também não ponderou de forma criteriosa quer a culpa, quer as exigências de reprovação e de prevenção (geral, ligada à defesa da sociedade e à contenção da criminalidade e especial positiva, ligada à reintegração social do agente) - cf. art. 40° nºs 1 e 2 do C. P. - bem como as demais exigências do art. 71 ° do C. P. na determinação concreta das penas fixadas ao recorrente.

  19. Isto Porque: - Ao ter sobrevalorizado a necessidade de prevenção geral, não teve a percepção de que, com a aplicação de penas parcelares mais baixas, estariam asseguradas as expectativas da sociedade e, consequentemente, realizadas as finalidades de punição, de forma adequada e suficiente; - Ao ter imputado aos recorrentes um grau de culpa elevado, não teve em conta as circunstâncias que necessariamente deveriam ter mitigado a sua culpa, como a sua dependência do consumo de estupefacientes à época dos factos e a sua modesta situação económica, factores que num estado de carência, são aptos a diminuir e enfraquecer a culpa e a capacidade de determinação do agente.

  20. Por outro lado, considera-se que a aferição do grau de ilicitude dos factos terá de efectuar-se em função dos meios utilizados pelo agente e do valor diminuto das quantias subtraídas em conjunta, ao contrário do que fez o Tribunal a quo.

  21. Desta conjugação resulta que o grau de ilicitude dos factos terá de ser considerado médio, e não elevado, se tivermos em conta que mesmo considerando o grau de ilicitude elevado em função dos meios, também terá necessariamente de considerar-se o grau de ilicitude realizado em função do valor das quantias subtraídas.

  22. O douto acórdão deveria, pois, ter ponderado favoravelmente, e não o fez, o modo de execução dos factos (o qual pode considerar-se vulgar no âmbito em que ocorreu) e as suas consequências (os ofendidos não sofreram qualquer consequência quer na sua saúde, quer na sua integridade física).

  23. A defesa entende, também, que a pena concretamente aplicada - 4 anos de prisão por cada roubo qualificado e 2 anos de prisão por cada roubo simples, no que se refere ao arguido AA e 4 anos e 6 meses de prisão por cada roubo qualificado e 2 anos e 3 meses de prisão por cada roubo simples, no que se refere ao Arguido BB - é excessiva e ultrapassa em larga medida a culpa dos arguidos, seu fundamento e limite, pelo que terá o Tribunal a quo " violado o disposto no art. 71.° do C. P.

  24. Por conseguinte, o Tribunal a quo aplicou uma pena única, em cúmulo jurídico, de 10 (dez) anos de prisão para AA e 7 (sete) anos de prisão, para BB, que se considera igualmente excessiva e, portanto, desadequada.

  25. Mais uma vez o Tribunal a quo não teve em conta o fim de prevenção especial das penas, dificultando a reinserção social do recorrente, pois as penas, quando excessivas, deixam de realizar os seus fins.

  26. O douto acórdão ao condenar os recorrentes em penas parcelares excessivas e consequentemente desadequadas, bem como em penas únicas igualmente excessivas e desadequadas, violou: - o art. 210° nºs 1 e 2 al. b) com referência ao art. 204° n.º 2 al. f), ambos do...

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