Acórdão nº 07B4055 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Novembro de 2007

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA VASCONCELOS
Data da Resolução27 de Novembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Em 03.09.16, no Tribunal Marítimo de Lisboa, AA e mulher BB, CC e mulher DD e Mútua dos Pescadores - Sociedade Mútua de Seguros, requereram a constituição de um Fundo de Limitação de Responsabilidade no montante de 8.267,41 Euros, pretendendo limitar a sua responsabilidade a esse montante em relação aos pedidos de indemnização resultantes de perdas e danos emergentes da abalroação entre as embarcações de pesca denominadas "Meireles Novo" e "Paz da Vida", ocorrida ao largo da costa portuguesa.

Por decisão de 03.09.19, proferida a folhas 63 e seguintes, essa pretensão foi liminarmente admitida e deferido o pedido, tendo sido declarada a constituição de um Fundo de Limitação de Responsabilidade no referido valor.

Por despacho de 03.10.22 e após o depósito da quantia fixada, foi declarado constituído o Fundo.

Inconformados, os requeridos EE e FF vieram deduzir recurso - folhas 89 - que foi recebido como de agravo, com subida deferida - folhas 99 e 140.

Apresentaram alegações e respectivas conclusões - folhas 111 e seguintes.

Os recorridos contra alegaram - folhas 120 e seguintes.

Em sede de reclamação de créditos a reconhecer e a satisfazer proporcionalmente pelas forças do referido Fundo, foram considerados reclamados, ao abrigo do disposto no art. 8º, nº 1, do Decreto 49.029, de 26 de Maio de 1969, os créditos que se pretendiam fazer valer contra os ora requerentes no âmbito da acção declarativa de condenação que se encontrava pendente no Tribunal Marítimo, sob o n.º 1/2002.

Tal acção, apensada aos presentes autos, contém os seguintes elementos: - A "Companhia de Seguros Fidelidade - Mundial, S.A." propôs esta acção (com o nº 1/2002) contra os ora requerentes pedindo a condenação solidária dos mesmos no pagamento da quantia global de Esc. 34.460.000$00, acrescida de juros de mora vincendos, desde a citação até integral pagamento, sendo a Ré Seguradora até ao limite da respectiva apólice.

- Para tanto, a A. Seguradora "Fidelidade" alegou que tinha celebrado contrato de seguro do ramo marítimo (casco e responsabilidades), pelo valor global de Esc. 34. 460.000$00, com os proprietários da embarcação "Paz da Vida", tendo esta sido perdida em virtude de abalroação e afundamento imputável exclusivamente ao mestre da embarcação "Meireles Novo" (Réu CC).

- Em cumprimento do contrato de seguro a A. liquidou aos seus segurados a quantia de Esc. 34.460.000$00, ou seja, o valor do capital.

- E assim, assiste à A, por sub-rogação contratual e legal, o direito de reclamar dos responsáveis pela perda da embarcação, os RR., o pagamento da quantia despendida em consequência do ressarcimento dos danos sofridos pelos seus segurados pelo afundamento da embarcação, nos termos agora peticionados.

A Ré "Mútua dos Pescadores" contestou a acção alegando que a abalroação se ficou a dever a caso puramente fortuito e que não há direito a indemnização por parte de qualquer dos navios envolvidos - cf. fls. 89.

Mais alegou que o contrato de seguro invocado pela A. não cobre os danos emergentes de abalroamento culposo, mas tão-somente o abalroamento fortuito, a que acresce o facto que, de acordo com a apólice, o seguro está limitado ao valor de Esc. 31.040.000$00.

Os restantes RR. vieram igualmente contestar a demanda, alegando, em síntese, que a abalroação foi fortuita e que o mestre da embarcação "Paz da Vida" contribuiu para o afundamento da mesma ao não cuidar de a manter a navegar durante a operação de reboque - cf. fls. 304.

Os proprietários da embarcação "Paz da Vida" - EE e FF - intervieram espontaneamente na referida acção, a título principal, e demandaram igualmente os ora Requerentes pedindo a condenação dos RR. AA e mulher BB, e da R. "Mútua dos Pescadores-Sociedade Mútua de Seguros" - esta última nos termos das responsabilidades transferidas pelo contrato de seguro - no pagamento da quantia global de Esc. 47.086.770$00, acrescida de juros de mora vincendos desde a citação até integral pagamento - cf. fls. 347.

Para tanto, os intervenientes alegaram que, em resultado do naufrágio, perderam a embarcação "Paz da Vida", segura pela "Fidelidade", e sofreram, com tal facto, danos patrimoniais emergentes e lucros cessantes que não se encontravam cobertos por qualquer seguro e que ainda se encontram por indemnizar.

Designada data para realização de julgamento, no início da respectiva audiência foi determinada, no âmbito deste processo, a suspensão da instância até ser decidido o requerimento de constituição de um Fundo de Limitação de Responsabilidade que entretanto dera entrada.

Foi também determinado pelo Tribunal "a quo" a apensação da acção ao processo de constituição do referido Fundo.

Realizada audiência de discussão e julgamento, foi, em 06.02.27, proferida sentença na qual o Tribunal "a quo" julgou: 1) Quanto ao abalroamento - que se verificou um problema grave no plano da vigilância visual e, secundariamente, no plano da velocidade; - a distracção dos vigias da embarcação "Meireles Novo" não permitiu a detecção atempada da presença de uma embarcação fundeada com os faróis regulamentares; - a partir de certo momento, mercê da referida distracção, a velocidade praticada por tal embarcação acabou por se revelar excessiva, porque não permitiu qualquer manobra para evitar o abalroamento quando os vigias se aperceberam da presença da embarcação "Paz da Vida" e da eminência da colisão; - tal omissão dos vigias da "Meireles Novo" é manifestamente culposa por estar em causa a inobservância de regras de cuidado e de navegação que estavam especialmente obrigados a observar; - o abalroamento não pode ser considerado fortuito porque houve uma conduta náutica ilícita e culposa da tripulação do "Meireles Novo" que conduziu directamente a esse abalroamento; - assim, o respectivo armador responde pelos danos derivados dessa omissão nos termos em que o comitente responde pelos actos do comissário; - estando em causa a colisão entre dois navios governados pelos respectivos mestres, não é aplicável ao caso a presunção legal de culpa, quanto ao mestre do "Meireles Novo", por força do disposto no art. 5º do Decreto-Lei nº 384/99, de 23 de Setembro; - não foi provada nenhuma actuação ilícita dolosa ou negligente do capitão da "Meireles Novo"; - não há qualquer culpa imputável à embarcação "Paz da Vida" ou a qualquer outro navio, pelo que, tendo sido a abalroação causada por culpa exclusiva de um dos navios os prejuízos sofridos terão de ser suportados pelo navio abalroador - o "Meireles Novo"(art. 665º do Cod. Com.); - o armador responde pelas faltas cometidas, quer sejam do capitão, quer da tripulação ou pelo próprio armador; - a culpa do navio basta-se com a culpa da tripulação, emergindo então a responsabilidade objectiva do armador.

2) Quanto à responsabilidade Em face do que antecede o Tribunal "a quo" decidiu que: - o proprietário da embarcação "Meireles Novo" é responsável pelos prejuízos causados pela abalroação; - havendo culpa do navio abalroador isso não significa que haja culpa pessoal do armador, porquanto: - haverá culpa pessoal do armador, por exemplo, nas situações de falta de navegabilidade do navio; - já não haverá culpa pessoal do armador nas situações em que as faltas sejam exclusivamente imputáveis à tripulação, ainda que o armador seja responsável pelas mesmas; - a abalroação não resultou de culpa pessoal do proprietário da embarcação "Meireles Novo".

E concluiu na sentença nos seguintes termos: * assiste ao proprietário da "Meireles Novo" o direito de limitar a sua responsabilidade em relação aos pedidos de indemnização reclamados, nos termos em que já foi decidido na fase liminar da presente acção (art. 1º, nº 1, da Convenção Internacional sobre o Limite de Responsabilidade dos Proprietários de Navios de Alto Mar, assinada em Bruxelas, em 10 de Outubro de 1957); * ao proprietário do navio não poderá deixar de ser equiparado o seu segurador quando lhe seja reclamado o pagamento de um crédito sujeito a limitação de responsabilidade, na medida em que o segurador tenderá a gozar dos mesmos privilégios de que dispõe o segurado perante o respectivo credor; * a Requerente Seguradora "Mútua" não pode opor à credora "Fidelidade" a falta de cobertura do contrato de seguro celebrado por esta última com os proprietários da embarcação "Paz da Vida", na medida em que não constitui matéria de defesa tudo o que se prenda com a forma do contrato, sendo interpretado ou executado pelas partes; * acresce, a tudo isso, que houve inequivocamente lugar a uma sub-rogação de fonte voluntária, para além da sub-rogação legal prevista no art. 442º do Cod. Com. e art. 589º do CC.

3) Quanto ao Fundo de Limitação de Responsabilidade: - Atento o que antecede o Tribunal "a quo" procedeu, por fim, à repartição do fundo de limitação de responsabilidade constituído no montante de 8.267,41 Euros, e considerou como reconhecidos e verificados os seguintes créditos:

  1. Seguradora "Fidelidade - Mundial" : 154.826,87 Euros (70,18%) b) EE e FF : 54.681,24 Euros (24,79%) c) EE : 7.070,00 Euros (3,20%).

Inconformados com as decisões proferidas nos autos, foram interpostos dois recursos de apelação: - um, pelos requerentes AA e CC; - outro, pelos intervenientes EE e FF.

Ambos os recorrentes apresentaram alegações e respectivas conclusões.

No recurso interposto pelos intervenientes, houve contra alegações por parte da Mútua dos Pescadores.

Por acórdão da Relação de Lisboa de 07.04.19, foi - negado provimento ao agravo; - julgada procedente a apelação interposta por AAe CC; - julgada improcedente a apelação interposta pelos intervenientes EE e FF.

Novamente inconformados, estes deduziram a presente revista, apresentando alegações e respectivas conclusões.

Os recorridos contra alegaram.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

As questões Tendo em conta que - o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo...

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