Acórdão nº 07S2098 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Outubro de 2007

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução24 de Outubro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 27 de Março de 2006, no Tribunal do Trabalho de Torres Vedras, AA intentou a presente acção, com processo especial, emergente de acidente de trabalho, contra BB LIMITED e CC, pedindo que as rés fossem condenadas a pagar-lhe: (a) uma pensão anual e vitalícia de acordo com a taxa de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho que venha a ser fixada; (b) caso não se considere existir incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, uma pensão anual e vitalícia de acordo com a taxa de IPP com IPATH que venha a ser fixada; (c) a quantia de € 1.625, a título de despesas com medicamentos, sem prejuízo do acerto da quantia devida, após determinação das despesas a que se reportou o pagamento da importância de € 417,70 pela primeira ré; (d) a manutenção de assistência farmacêutica quanto aos medicamentos que tem de tomar vitaliciamente em virtude do acidente de trabalho e negligência na assistência; (e) uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 22.500; (f) juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, das quantias reclamadas em a) a c) e e).

Alegou que, em 1 de Fevereiro de 2004, quando se encontrava ao serviço da primeira ré, a bordo do navio «Black Watch», a proceder à reparação da porta de um camarote, sofreu um acidente vascular cerebral (AVC), acompanhado de problemas cardíacos, provocado pela intensidade e esforço do regime de trabalho a bordo, de que resultaram lesões que determinaram a redução da sua capacidade de trabalho e de ganho, e que, por não lhe terem sido dispensados imediatos cuidados de saúde após o acidente, sofreu e sofre de dores, incómodos e limitações à sua vida, apresenta dificuldades em falar e perdas de memória, tendo deixado de trabalhar e não podendo executar pequenas tarefas dada a sua situação de saúde.

As rés contestaram, por excepção, alegando: a incompetência absoluta dos tribunais portugueses para dirimir o presente litígio decorrente da aplicação não só da Convenção de Lugano, mas também do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000; a caducidade do direito à acção, porquanto o acidente ocorreu em 1 de Fevereiro de 2004, mas só foi participado a tribunal em 4 de Agosto de 2005, apesar do sinistrado ter sido informado da alta em 24 de Fevereiro de 2004, ou seja, muito para além do prazo de um ano previsto no n.º 1 do artigo 32.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro; e, ainda, a excepção inominada da impossibilidade de acção directa contra a segunda ré, uma vez que esta só responde perante os seus associados desde que estes tenham previamente indemnizado terceiros.

Por outro lado, impugnaram a alegada verificação de acidente de trabalho, com o fundamento de que o AVC sofrido pelo sinistrado resultou de causas naturais.

No despacho saneador, foi julgada improcedente a excepção dilatória da incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecer da acção.

  1. Inconformadas, as rés interpuseram, nessa parte, recurso de agravo, a que a Relação deu provimento, revogando a decisão recorrida, tendo julgado procedente a excepção da incompetência absoluta do Tribunal do Trabalho de Torres Vedras, em razão das regras de competência internacional, e absolvido as rés da instância.

    É contra esta decisão da Relação que o autor se insurge, mediante agravo de 2.ª instância, em que formula as seguintes conclusões: 1-A aferição da conexão mais estreita em sede de acidentes de trabalho tem de se reportar à protecção conferida pela ordem jurídica e jurisdicional portuguesa a este instituto jurídico; 2 - A legislação substantiva relativa aos acidentes de trabalho protege [e] promove valores de interesse e de ordem pública; 3 - O que se projecta também na legislação adjectiva, designadamente nas normas previstas no Código de Processo do Trabalho, directa e indirectamente, quanto a esta matéria; 4 - A competência internacional dos tribunais de trabalho portugueses quanto acções emergentes de acidentes de trabalho ou de doença profissional encontra-se prevista no art. 15.º do CPT; 5 - O n.º 2 desse normativo legal prevê que se o acidente ocorrer no estrangeiro, a acção deve ser proposta em Portugal, no tribunal do domicílio do sinistrado; 6 - As normas relativas [à] competência internacional dos tribunais de trabalho portugueses estão perfeitamente coordenadas com as convenções internacionais outorgadas por Portugal, como decorre do preâmbulo do CPT, aprovado pelo Dec. Lei 480/99; 7 - É jurisprudência pacífica que "[p]ara a determinação do Tribunal competente não releva o facto do acidente ter ocorrido no estrangeiro, nem o facto da empresa para a qual o sinistrado trabalhava ser estrangeira"; 8 - A Convenção de Lugano, no n.º 1 do artigo 5.º, dispõe que o tribunal competente, em matéria de contrato individual de trabalho, é o do local onde o trabalhador efectua habitualmente o seu trabalho; 9 - Porém, não é esse o escopo desta acção judicial, que emerge de acidente de trabalho; 10 - A Convenção de Lugano não faz referência quanto à sua aplicabilidade no que respeita a acções judiciais emergentes de acidente de trabalho, apenas mencionando aquelas que decorram de contrato individual de trabalho; 11 - O regime legal, substantivo e adjectivo, do ordenamento jurídico português diferencia claramente as acções judiciais emergentes de contrato de trabalho e de acidente de trabalho, decorrendo deste último a competência internacional dos Tribunais de Trabalho Portugueses; 12 - O alegado nas conclusões 8 a 11 supra, aplica-se, com a mesma validade e efeitos, quanto ao Regulamento 44/2001, de 22/12/2000, do Conselho; 13 - A responsabilidade que deriva para a entidade empregadora relativamente aos seus trabalhadores, poderá revestir a aparência de responsabilidade contratual - dado o facto da preexistência de um contrato de trabalho - mas de facto resulta de uma responsabilidade pelo risco, ou seja, extracontratual; 14 - Enquanto que a responsabilidade civil (a contratual) resulta da violação de um direito de crédito ou obrigação em sentido técnico, a segunda (a extracontratual) deriva da violação de deveres e vínculos gerais, isto é, de deveres de conduta impostos a todas as pessoas e que correspondem aos direitos absolutos; 15 - Paradigma da responsabilidade por risco é efectivamente a protecção legal aos acidentes de trabalho; 16 - De facto, é o risco do trabalho - e a inerente situação de possível existência de acidentes de trabalho - que é legalmente ponderado, não as obrigações resultantes do contrato e o seu cumprimento ou incumprimento; 17 - Essa protecção legal, embora possa ter o contrato de trabalho como enquadramento, não resulta, nem emerge, do contrato de trabalho, mas sim da existência do risco da actividade laboral; 18 - Tanto é assim que não é exigível a violação de deveres do empregador para a caracterização do acidente de trabalho, bastando que este ocorra no âmbito da prestação laboral, tal como definida pela lei dos acidentes de trabalho; 19 - A celebração do contrato de trabalho constitui-se como o momento em que se determina a existência da responsabilidade civil extracontratual, pelo risco, não derivando esta da existência de uma relação obrigacionista, mas sim do risco inerente à prestação de trabalho; 20 - Além disso, actualmente a existência de um contrato de trabalho não é factor decisivo para a determinação do conceito de acidente de trabalho e da responsabilidade que emerge do acidente de trabalho; 21 - A responsabilidade que para o empregador existe (e da respectiva seguradora para que está obrigado a transferir o risco) emerge do próprio conceito do acidente de trabalho, enquanto responsabilidade extracontratual; 22 - O novo regime instituído para os acidentes de trabalho, ampliou o conceito de acidente de trabalho, alargando-o inclusivamente aos trabalhadores independentes ou por conta própria, a quem impôs igualmente a celebração de contrato de seguro que, em caso de acidente de trabalho, garante aos mesmos e respectivos familiares indemnizações e prestações em condições idênticas às dos trabalhadores por conta de outrem (arts 1.º, 2.º e 3.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro); 23- Esta alteração legislativa (também jurisprudencialmente reconhecida) bem ilustra que a responsabilidade que deriva do acidente de trabalho não radica umbilicalmente no contrato de trabalho, mas sim deriva da própria autonomia do conceito juslaboral de acidente de trabalho, ou seja no decurso e derivando de actividade profissional, independentemente do vínculo contratual imanente ou sequer da existência deste; 24 - Nos termos do art. 85.º al. c) da Lei 3/99 de 13/1, que alterou a Lei 39/87, LOTJ de 23 de Dezembro, compete aos Tribunais do Trabalho conhecer das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais, não resultando daí qualquer diferenciação entre acidentes decorrentes de trabalho subordinado ou de trabalho independente; 25 - Assim, o conceito de acidente de trabalho é hoje claramente mais amplo, apelando, mais do que nunca, para a responsabilidade pelo risco; 26 - Assim, salvo o devido respeito, o douto acórdão recorrido violou, por errónea interpretação e aplicação, o art. 10.º e n.º 2 do art. 15.º do CPT e os arts. 2.º, 3.º e 5.º da Convenção de Lugano, bem como os arts. 2.º e 3.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001; 27 - Pelo exposto e com o Mui douto suprimento de V. Ex.as deve o douto acórdão ora recorrido ser revogado, sendo declarada improcedente, por não provada, a excepção de incompetência absoluta do Tribunal [do Trabalho] de Torres Vedras, devendo outrossim ser declarada a competência internacional desse Tribunal no presente pleito emergente de acidente de trabalho, devendo o processo correr os seus termos, até final.

    » As recorridas contra-alegaram, defendendo a confirmação do julgado.

    Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta, para além de referir que a questão suscitada poderia...

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