Acórdão nº 07S2096 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Outubro de 2007

Magistrado ResponsávelBRAVO SERRA
Data da Resolução17 de Outubro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Pelo Tribunal do Trabalho do Funchal intentou AA contra Empresa-A, S.A.

, e Empresa-B, S.A.

, acção com processo comum, solicitando a condenação da ré Empresa-A a reintegrar a autora como Técnica Postal e de Gestão, com efeitos desde 17 de Maio de 1999, e a pagar-lhe as retribuições vencidas, no montante de € 780,40, e vincendas até ao trânsito em julgado da decisão ou, assim não se entendendo, a condenação da ré Empresa-B a reintegrar a autora com efeitos desde 15 de Novembro de 2001 e a pagar-lhe as retribuições vencidas, no referido montante, e as vincendas até ao dito trânsito.

Em súmula, para estear a sua pretensão, a autora invocou que: - - em 17 de Maio de 1999 foi admitida para trabalhar, pelo prazo de cento e sessenta e cinco dias, sob a autoridade e direcção da ré (Empresa-A), com vista ao desempenho de determinadas funções, que indicou, invocando-se nesse contrato que a contratação intentava suprir necessidades transitórias de serviço por motivo de substituição de férias de certos técnicos postais e de gestão, vindo, em 29 de Outubro desse ano, a assinar com a mesma ré um contrato de trabalho a termo incerto, para o mencionado desempenho, na Estação dos Correios Calouste Gulbenkian, no Funchal, com a justificação, aposta no contrato, de substituir determinada técnica postal e de gestão, e, em 3 de Maio de 2000, a assinar outro, desta feita a termo certo, pelo período de cento e oitenta a nove dias, para exercer idênticas funções no Centro de Agrupamento de Reserva Contínua Zarco, na mesma cidade, com invocação similar à constante do contrato de 17 de Maio de 1999; - ela, autora, celebrou com a empresa Empresa-C, S.A.

, dezoito contratos de trabalho temporário, sempre visando o desempenho das referidas funções nas Estações de Correio da ré Empresa-A sitas na Madeira, e com invocações de necessidade de substituição de trabalhadores ausentes por doença ou para prestarem assistência a familiares ou por acréscimo temporário e imprevisto de actividade; - a autora celebrou com a ré Empresa-B, em 29 de Março de 2001, 30 de Março de 2001 e 2 de Abril de 2001, três contratos de trabalho temporário por, respectivamente, um dia, um dia e oito dias, para desempenho das aludidas funções na já mencionada Estação de Correios Calouste Gulbenkian; - em 2 de Maio de 2001 a autora celebrou um contrato a termo certo com a ré (Empresa-A), pelo período de cento e noventa e dois dias, ainda visando o exercício de semelhantes funções na Estação dos Correios Zarco, invocando-se em todos esses contratos o suprimento de necessidades transitórias de serviço e de substituição de técnicos postais e de gestão; - a autora celebrou com a ré Empresa-B setenta e dois contratos de trabalho temporário, também para o desempenho daquelas funções, em Estações dos Correios da Madeira, invocando-se um acréscimo temporário do tráfego; - em 3 de Maio de 2004, a autora celebrou com a ré Empresa-A um contrato de trabalho a termo certo, por cento e oitenta dias, para exercer as referenciadas funções no indicado Centro de Agrupamento de Reserva Contínua, nele se apondo que se visavam suprir necessidades transitórias de serviço por motivos de substituição de técnicos postais e de gestão em gozo de férias; - por carta datada de 12 de Outubro de 2004, a ré (Empresa-A) comunicou à autora a não renovação do contrato, com efeitos a partir de 29 de Outubro desse ano, vindo, porém, em 3 de Janeiro e 3 de Fevereiro de 2005, a celebrar com a ré Empresa-B dois contratos de trabalho temporário para o desempenho de tais funções, neles se invocando, uma vez mais, o acréscimo temporário de tráfego; - assim, a autora prestou serviço à ré (Empresa-A) de 17 de Maio de 1999 até 7 de Fevereiro de 2005, sendo certo que, não obstante as invocações ínsitas nos contratos, a contratação da autora visou assegurar necessidades normais e permanentes da mesma ré.

Prosseguindo os autos seus termos, veio, em 21 de Dezembro de 2005, a ser proferida sentença que absolveu a ré Empresa-A dos pedidos e declarou a autora como trabalhadora permanente da ré Empresa-B desde 3 de Janeiro de 2005, consequentemente declarando ilícito o despedimento daquela, por não ter sido precedido de processo disciplinar, e condenando esta última ré a pagar à autora as retribuições vencidas até à decisão final e as vincendas até à efectiva reintegração.

Inconformadas, apelaram a autora e a ré Empresa-B, vindo o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 31 de Janeiro de 2004, a absolver dos pedidos a ré apelante e, no provimento parcial da apelação da autora, a declarar que ela era trabalhadora por tempo indeterminado da ré Empresa-A desde 3 de Janeiro de 2005, sendo ilícito, por não ter sido precedido de processo disciplinar, o seu despedimento, tendo, na decorrência dessa declaração, condenado a ré Empresa-A a reintegrar a autora no seu posto de trabalho com as funções e antiguidade que deteria se não tivesse ocorrido o despedimento e a condená-la a pagar as retribuições vencidas até à decisão final e as vincendas até à efectiva reintegração.

  1. É daquele aresto que a ré Empresa-A vem agora pedir revista, rematando a alegação adrede produzida com o seguinte quadro conclusivo: - "A - Não deve o entendimento preconizado pelo acórdão da douta Relação de Lisboa proceder porquanto tem por base, apenas, dois contratos de trabalho temporário assinados com a R. Empresa-B, SA, em virtude dos quais a A. prestou funções como Técnica Postal e de Gestão, ambos juntos aos autos como DOC 100 e 101 da p.i., no âmbito dos quais a ora Recorrente não teve qualquer tipo de oportunidade de intervenção ou supervisão; B - Tais contratos de trabalho foram fundamentados num ‘acréscimo temporário de tráfego', acréscimos esses, saliente-se, que foram dados por assentes.

    C - O motivo justificativo mencionado nos contratos de trabalho temporário traduzem exactamente os factos que justificaram a necessidade de contratação. Tanto assim é que, salvo melhor opinião, para um qualquer colega da Recorrida, nas mesmas funções, a menção ao aumento do ‘tráfego' tem uma e só uma interpretação possível: o aumento do fluxo de correspondência. A apreciação realizada pelo Tribunal parece-nos distante na medida em que desconsidera a utilização por parte da Recorrente, no seu dia-a-dia e por parte da Empresa-B SA, nos respectivos contratos, de termos que são total e integralmente apreensíveis pela Recorrida e que são já parte da prática desta actividade. Nenhum Técnico Postal e de Gestão terá qualquer dúvida sobre que factos se encontram subsumidos ao conceito de ‘tráfego' e ao seu respectivo aumento.

    D - Ao admitir da Recorrida este tipo de argumentação, é, sem sombra de dúvidas, um grave desvio aos princípios da justiça e da boa-fé. Fará sentido admitir que nunca a Recorrida tenha posto em causa a validade deste vínculo junto da R. Empresa-B SA, sua efectiva entidade patronal? Fará sentido impor à ora Recorrente uma condenação assente sobre argumentos no sentido de que a trabalhadora Recorrida desconhece a razão de ser para a celebração dos contratos de trabalho temporário celebrados com a R. Empresa-B SA? Fará sentido admitir, na mesma medida, de um Técnico Postal e de Gestão que hoje venha reclamar do Tribunal que este se digne consagrar a reintegração na Recorrente, tendo em conta que, naquela data, desconhecia o que significava um aumento de tráfego? É que, assumindo tais funções, a necessidade da sua prestação de trabalho por motivo de aumento de tráfego não poderia ter outra interpretação que não fosse o aumento do fluxo de correspondência postal a que esta teria de dar resposta nos períodos ao abrigo dos quais foram celebrados os contratos de trabalho temporário.

    E - Ao consagrar tudo isto, andou, salvo o devido respeito, mal o Tribunal da Relação de Lisboa ao consagrar aquilo que de outra forma não poderá ser classificado como uma clara e manifesta tentativa por parte da Recorrida de se fazer valer, abusivamente, de um direito.

    F - Ignorando total e completamente que a principal prejudicada de tal juízo é precisamente a única parte que não teve qualquer intervenção na elaboração dos contratos de trabalho temporário com base nos quais se sustenta a presente decisão validar com tão superior chancela o entendimento preconizado pela Recorrida nos autos em referência, representa assim para a Recorrente uma incomportável consequência com a qual não pode, nunca, contentar-se.

    G - Do ponto de vista material, colocando-se o Julgador na posição da trabalhadora ora Recorrida, não se pode sequer conceber como poderia est[a] deixar de reconhecer o substrato material e factual que nos contratos de trabalho temporário surgia evidenciado. Para alguém cuja função será o manuseamento e a gestão de correspondência, mais a mais no caso dos presentes autos, que dúvidas se poderão admitir ao nível da natureza do ‘tráfego' em causa ..? H - Salvo o devido respeito, não nos parece correcta a configuração oferecida pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa ao considerar ‘(...) a omissão dos motivos que justificam a celebração do contrato de trabalho temporário (...) ‘. Salvo melhor opinião, para um homem médio, receptor da proposta negocial constante dos documentos acima identificados e juntos aos autos como DOC 100 101, a verdade é que não restariam quaisquer dúvidas sobre os fundamentos da sua contratação.

    I - Ainda que assim não fosse, o que por mera hipótese cumpre agora admitir, o certo é que ainda assim se discorda, salvo o devido respeito, das conclusões a que chegou o Douto acórdão da Relação de Lisboa, na medida em que de forma incompreensível estabeleceu com a ora Recorrente, o nexo contratual legalmente imposto em consequência de uma invalidade formal ao nível de um contrato no qual não teve qualquer intervenção, nem sequer esta lhe era por qualquer forma exigível, ainda que através de um procedimento de mera fiscalização.

    J - A consequência que em virtude do acórdão ora Recorrido se...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT