Acórdão nº 06S4612 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Setembro de 2007

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução26 de Setembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Nesta acção emergente de contrato de trabalho, instaurada, em 19 de Abril de 2004, por AA, no Tribunal do Trabalho do Porto, contra "Empresa-A, Engenharia e Construção, SA", o Autor pediu a condenação da Ré a pagar-lhe a importância total de € 19.379,72, compreendendo: - A indemnização por antiguidade por rescisão com justa causa do contrato de trabalho, no valor de € 3.726,81; - Diferenças de subsídios de férias e de Natal, no valor de € 2.284,00; e - Remuneração de trabalho prestado fora do horário normal, no valor de € 13.666,12.

  1. Na primeira instância, a acção foi julgada parcialmente procedente e a Ré condenada a pagar ao Autor: [...]

    1. As quatro (4) primeiras horas de trabalho extraordinário prestado semanalmente, no período de 06.09.2002 a 03.04.2004, pelo facto de sempre ter cumprido um horário de trabalho semanal de 44 horas quando o horário de trabalho semanal era de 40 horas, quantia essa a apurar em execução de sentença.

    2. As diferenças verificadas nos subsídios de férias e de natal pagos ao autor, decorrentes da não inclusão no cálculo desses subsídios das quantias pagas (e a pagar) a título de trabalho extraordinário no mesmo período e com base na média dos doze (12) meses anteriores ao mês em que eram devidos, também a apurar em execução de sentença.

    [...] Foi, outrossim, decidido condenar o Autor, por litigância de má fé, na multa de 10 UCs, equivalente a € 890,00.

  2. Da sentença recorreram, em via principal, a Ré e, subordinadamente, o Autor, vindo o Tribunal da Relação do Porto, no conhecimento de ambos recursos, a declarar sem efeito a condenação do Autor como litigante de má fé e a rematar o seu acórdão com o seguinte dispositivo: [...] Acorda-se em, concedendo parcial provimento ao recurso da Ré e provimento integral ao recurso subordinado do Autor, revogar a sentença, assim condenando a Ré a pagar ao Autor a indemnização de € 3.429,60 (três mil quatrocentos e vinte e nove euros e sessenta cêntimos), acrescida das diferenças verificadas nos subsídios de férias e de Natal pagos ao A. decorrentes da não inclusão no cálculo desses subsídios do que vier a apurar-se, em sede de liquidação, corresponder a 50% das quantias que lhe foram pagas mensalmente sob a designação de "ajudas de custo".

    No demais peticionado, julga-se improcedente a acção, absolvendo a Ré dos pedidos.

    [...] Inconformados, Autor e Ré vieram pedir revista, terminando as respectivas alegações com as conclusões assim redigidas: No recurso do Autor: 1.ª O Recorrente foi contratado em Portugal, local onde reside, para prestar serviço em Angola; 2.ª Assim, a relação jurídica laboral estabelecida entre Recorrente - trabalhador português a residir em Portugal - e Recorrida - empresa portuguesa com sede em Portugal, é aplicável a lei portuguesa (art. 42.º, n.º 1, do Código Civil); 3.ª O limite máximo do período normal de trabalho ao caso aplicável é o da Lei Portuguesa, ou seja, o de oito horas por dia e 40 horas por semana - art. 5.º/1 do D.L. n.º 409/71, de 27/9; 4.ª Por outro lado, não poderia deixar de entender-se que, mesmo a observar-se o horário de trabalho com a carga semanal vigente no País estrangeiro, o trabalhador, que celebrou contrato sujeito em Portugal, onde ambas as partes têm a sua residência e sede, não poderia ser negativamente discriminado em relação à lei portuguesa, que é aplicável às obrigações decorrentes do vínculo juslaboral, "ex vi" do art. 42.º/1, 2.ª parte, do Código Civil.

    1. Conforme muito bem se decidiu no acórdão da Relação do Porto, a Recorrida violou culposamente as garantias legais do Recorrente, constituindo justa causa para a resolução do contrato de trabalho nos termos do art. 441.º, n.os 1 e 2, alínea b), do CT, uma vez que, ao transferir o Recorrente para Portugal em desrespeito ao acordado no contrato de trabalho, afectou consideravelmente o Recorrente ao nível da retribuição auferida.

    2. Ora, uma vez que a Recorrida não pagou ao Recorrente as quatro horas semanais, ao motivo supra referido, para a resolução do contrato de trabalho com justa causa, acresce o alegado motivo da falta de pagamento do trabalho suplementar.

    3. O douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 42.º do Código Civil [e] 5.º, n.º 1, do D.L: 409/71, de 27/9.

      Termos em que [...] deve o presente recurso ser julgado procedente [...] e por via dele: Ser revogado o douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto, na parte em que considerou aplicável o regime jurídico Angolano à questão do horário de trabalho e ser confirmada, nesta parte a decisão proferida em primeira instância.

      No recurso do Ré:

      1. QUANTO À NATUREZA RETRIBUTIVA DAS AJUDAS DE CUSTO E SUA UTILIZAÇÃO, ACRESCIDA DA REMUNERAÇÃO DO TRABALHO SUPLEMENTAR, COMO BASE DE CÁLCULO DOS SUBSÍDIOS DE FÉRIAS E NATAL: 1.ª A douta sentença do Tribunal do Trabalho do Porto coloca a tónica da questão da retribuição-base para efeitos de pagamento do subsídio de férias e de Natal na inclusão, ou não, da remuneração do trabalho suplementar nessa base de cálculo. Não se pronuncia concretamente sobre a inclusão na mesma retribuição- -base das ajudas de custo pagas pela Ré ao Autor, e por este sempre entendidas, desejadas e tratadas como tal.

    4. Aliás, já em sede de reposta ao pedido de aclaração da sentença, havia a ora Recorrente alertado para a circunstância de a douta sentença apenas considerar "(São pois) devidas pela ré ao autor as quantias resultantes das diferenças entre as importâncias efectivamente devidas (i.e., por referência à média anual da remuneração do trabalho suplementar) e as importâncias efectivamente pagas a título de subsídio de férias e de Natal, nos termos acabados de referir." 3.ª Sucede que, apesar da Primeira Instância ter decidido nada haver a aclarar ou rectificar nesta parte da sua decisão, no seu recurso (subordinado) interposto para o Tribunal da Relação, o Autor não se insurgiu - quer pela via da normal apelação, quer, eventualmente, pela da nulidade da decisão por omissão de pronúncia - contra a posição vertida na douta sentença quanto à não inclusão das ajudas de custo por si recebidas na retribuição-base.

    5. Assim, em obediência à força jurídica do caso julgado formal, e salvo o devido respeito, não poderia agora o Tribunal da Relação do Porto abordar a questão da natureza jurídica das ajudas de custo, porquanto, por via do teor da decisão da Primeira Instância nesta parte, e da subsequente sua não discordância pelo Autor, consolidou-se na Ordem Jurídica o entendimento (válido para este caso) de que só a remuneração do trabalho suplementar poderá, quando muito, contar para efeitos de diferenças de subsídios de férias e de Natal.

    6. Pelo que, face ao exposto, à luz das regras dos efeitos da sentença (arts. 671º e 672º do Código de Processo Civil), são ilegais as considerações vertidas a este propósito pelo Tribunal a quo, v.g., a fls. 25 do douto Acórdão recorrido, devendo nesta medida ser totalmente desconsideradas.

      A título subsidiário, dir-se-á o seguinte: 6.ª Nada se diz nos autos se, efectivamente, o Autor tinha ou não outras despesas pessoais, nomeadamente fora dos tempos de trabalho: alimentação à noite e/ou fins de semana, deslocações e estadias de lazer, etc. Pelo que, carece de fundamento factual a conclusão de que as ajudas de custo pagas pela Ré ao Autor se não destinavam a custear quaisquer despesas deste.

    7. A retribuição do Autor é a que expressamente vem indicada como remuneração base no contrato de trabalho e nos sucessivos recibos de vencimento, acrescida de duodécimos de subsídios de férias e de Natal.

    8. Resulta do ponto nº 3 al. b) dos factos provados, que as ajudas de custo são devidas pela duração da estadia em Angola, à razão de 22,10 euros por cada dia.

    9. Não se trata de qualquer contrapartida do trabalho do Autor, mas antes a contribuição da entidade patronal relativamente às despesas pessoais daquele, e sempre segundo os critérios e limites consagrados anualmente para as deslocações dos funcionários públicos. Representam apenas um encargo financeiro da entidade empregadora, que visa dotar o trabalhador de um fundo de maneio para fazer face às despesas pessoais que o mesmo decida desembolsar, apenas enquanto (e por causa da) sua situação de deslocado em Angola.

    10. É verdade que a Ré concede e fornece aos seus trabalhadores em Angola condições mínimas em termos de alojamento, transporte e alimentação. Mas, naturalmente, elas não são as melhores, pois tratam-se de meras condições de estaleiro, asseguradas pela entidade patronal num contexto de conferir um mínimo de logística a quem vai a trabalhar em local, país e continente distante, que não conhece, onde não dispõe de contactos, e, como se sabe, escasseiam (para não dizer que inexistem) no mercado os meios de 1ª necessidade.

    11. O facto de a empresa garantir, em termos mínimos, as deslocações em serviço, alojamento e alimentação aos seus trabalhadores, nunca impediu que estes obtenham e usufruam de condições objectivamente melhores - e, claro, mais caras -, caso em que terão que fazer face às respectivas despesas por recurso às ajudas de custo concertadas. Trata-se de uma mera opção que o trabalhador terá que tomar: suportar condições vida muito rudimentares, sem confortos ou qualidade, asseguradas pela empresa, ou melhoria dessas mesmas condições (transporte individual, habitação arrendada, alimentação em restaurantes), custeadas então pelo próprio trabalhador, e, neste caso, sem qualquer acréscimo de retribuição, ou, sequer, contrapartida ou comparticipação adicional da empresa.

    12. As muito básicas condições apresentadas pela empresa apenas constituem uma componente de apoio à chegada ao local do colaborador, representando a sua eventual permanência em tais condições, um acto de sacrifício pessoal, dada a má qualidade da alimentação no estaleiro e dos dormitórios, e, bem assim, da inexistência de transporte fornecido pela empresa para as suas deslocações pessoais. As ajudas de custo recebidas...

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