Acórdão nº 06S1619 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Setembro de 2007

Magistrado ResponsávelMÁRIO PEREIRA
Data da Resolução26 de Setembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em plenário, na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I - As autoras AA e BB intentaram acções de processo comum autónomas, ulteriormente apensadas, contra a R.

CC, pedindo a condenação desta a pagar-lhes uma indemnização por antiguidade, em substituição da reintegração, conforme opção feita em audiência (fls. 166 e 168 dos autos), bem como os salários intercalares devidos desde 30 dias antes da instauração das acções, até à decisão final, incluindo férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, sendo os vencidos no montante de 749,99€ relativamente à Autora AA e de 642,85€ relativamente à Autora BB, quantias a que acrescem os juros contados à taxa legal de 7% ao ano, calculados desde a citação da R. e até integral pagamento.

Alegaram, em síntese: A R. é proprietária da Escola DD.

As AA. foram admitidas ao serviço da Ré, naquela Escola, respectivamente, em 1 de Setembro de 1989 e 1 de Outubro de 1989, desempenhando, desde então, as funções de professoras no âmbito de contrato de trabalho subordinado.

No dia 17 de Julho de 2002, a R. informou as AA. que estavam despedidas a partir do final de Agosto de 2002, cessando nessa data entre as partes o contrato de trabalho.

Invocou a R. que tal cessação era lícita porquanto as AA. estavam a exercer aquelas funções em acumulação com funções docentes que exerciam no ensino oficial.

Acontece que o despedimento assim declarado é nulo e de nenhum efeito.

A Ré contestou invocando, em síntese: À data da celebração dos primeiros contratos com a Ré, as AA. eram professoras em escolas do ensino público e, neste momento, são professoras efectivas dessas escolas.

Assim, as AA. foram admitidas ao serviço da Ré como professoras, mas em regime de acumulação de funções com o ensino oficial, de acordo com a legislação especial daquele regime, pelo que obtiveram, nos termos da legislação vigente, as autorizações anuais de que careciam para o desempenho das suas funções no referido regime.

Para o ano lectivo de 2002/2003, o total de tempos lectivos semanais de Geografia foi, na Escola da Ré, de 66 tempos e esse total de 66 tempos lectivos semanais permite três horários completos (entre 22h e 25h semanais), sem sequer haver necessidade de horas extraordinárias.

No ano lectivo de 2001/2002, como nos anos lectivos imediatamente anteriores, esta Escola da Ré tinha ao seu serviço, como professores de Geografia, três docentes em regime de tempo inteiro, pertencentes aos seus quadros (Ana ..., Bárbara ... e Rosa ...) e ainda as ora AA, contratadas em regime de acumulação.

A Ré constatou, pois, que não tendo, por força da nova organização curricular, tantos tempos lectivos de Geografia, não teria serviço para esses cinco docentes.

A Ré verificou, igualmente, que, na vigência da actual organização curricular, que se aplicou pela primeira vez ao ano lectivo 2002/2003, não necessitaria de recorrer a professores de outras Escolas, porque satisfaria as suas necessidades lectivas com os seus próprios quadros.

Assim sendo, a Ré não celebrou novo contrato anual com as AA. para o ano lectivo 2002/2003, informando-as de que o não faria e constatando a caducidade daquele que, relativamente a cada uma, tinha vigorado até final do ano lectivo anterior.

Concluiu pela sua absolvição do pedido.

As AA. responderam, mantendo a posição assumida na petição inicial.

Saneada, instruída e discutida a causa, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a R. dos pedidos.

Dela apelaram as AA, tendo a Relação de Lisboa, por seu douto acórdão, julgado improcedente o recurso, remetendo, nos termos do art.º 713º, n.º 5 do CPC, para a fundamentação da sentença.

II - De novo inconformadas, as AA. interpuseram a presente revista, com as seguintes conclusões: 1ª. No caso dos presentes autos a R. fez cessar o contrato de trabalho existente com as A.A. e ao abrigo do qual as mesmas. exerciam funções docentes, invocando que aquelas cessações eram lícitas porquanto as A.A. estavam a exercer aquelas funções em acumulação com funções docentes que exerciam no ensino oficial, cessação que as A.A. vieram impugnar na acção por entenderem que o despedimento assim declarado era nulo e de nenhum efeito, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 3º, 12º e 13º do Dec-Lei 64 -A/89; 2ª. Quanto ao desempenho de funções de natureza privada pelos funcionários públicos estatui o art. 269º, nº 5, da Constituição, que a lei determina as incompatibilidades entre o exercício de empregos ou cargos públicos e o de outras actividades; 3ª. As autorizações de acumulação eram necessárias até à entrada em vigor do Dec.- Lei 139-A/90 que aprovou o Estatuto da Carreira Docente do Ensino Básico e Secundário, embora não se aceite que tal conferisse ao contrato uma natureza distinta que excluísse as regras aplicáveis ao contrato de trabalho; 4ª. No que respeita ao ensino, o regime de incompatibilidades de exercício de outras funções por docentes da função pública estava regulado pelos Decs.-Lei 266/77 e 300/81, mas aqueles diplomas foram revogados de modo expresso pelo art. 6º do Dec.-Lei 139-A/90, diploma que aprovou o Estatuto da Carreira Docente dos Educadores de Infância e dos Professores do Ensino Básico e Secundário; 5ª. E o Estatuto previa no seu art. 111º, nº 4, que o exercício em acumulação de funções por docentes da função pública seria regulado por Portaria Conjunta dos Ministros das Finanças e da Educação, Portaria essa que só veio a surgir em 14 de Agosto de 1999 - Portaria 652/99; 6ª. Quer isto dizer que, entre a publicação do Dec.-Lei 139-A/90 e o aparecimento da Portaria 652/99, nenhuma incompatibilidade existia que impossibilitasse o exercício de actividades de natureza privada dos docentes da função pública; 7ª. E depois da entrada em vigor da Portaria 652/99, o que se visava com essa regulamentação era o interesse do Estado e não o interesse dos particulares que tivessem contratado em regime de acumulação com docentes da função pública - ver o preâmbulo daquela Portaria; 8ª. Mas isso em nada afectava as relações jurídicas estabelecidas com entidades privadas ainda que em violação daquele regime condicionador do exercício de funções em acumulação pois o docente teria a faculdade de optar pela cessação ou suspensão da função pública, mantendo a actividade privada até aí exercida em acumulação, deixar a actividade privada e mantendo por isso o vínculo de natureza pública, ou, em última instância, manter a situação de acumulação e sujeitar-se à aplicação das sanções previstas no Estatuto Disciplinar - art. 47º, nº 1, da Constituição; 9ª. Em qualquer das opções o empregador privado não tinha o direito de interferir ou de condicionar a manutenção do vínculo de trabalho privado àquela autorização de acumulação - Ver os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13 de Dezembro de 2000 ( Pº 8.981/00 da 4ª Secção , a que corresponde o Pº 357/99 - AS, da 1ª Secção do 2º Juizo do Tribunal do Trabalho de Lisboa ), de ( Pº) e de ( Pº) e do Supremo Tribunal de Justiça, nºs 497/01 e 3666/01, estando o primeiro deles disponível em www.dgsi.pt, com o nº de documento SJ200211130004974 e o segundo publicado na Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do STJ, ano X, tomo III, pág. 279, e de 2 de Fevereiro de 2006 - Pº 3495/05 - 4; 10ª. E à luz do único entendimento admissível, que é o que decorre dos arts. 3º, 12º e 13º do Dec-Lei 64-A/89, e 53º da Constituição, a cessação do contrato de trabalho vigente entre o A. e a R. tem de se considerar ilícita com as consequências previstas no art. 13º citado; 11ª. A douta sentença de 1ª instância e o Acórdão recorrido que a manteve apropriando-se da respectiva fundamentação, ao considerar lícito o despedimento violou por isso os arts. 3º, 12º e 13º do Dec-Lei 64-A/89, o art. 6º do Dec-Lei 139-A/90, o art. 111º do Estatuto da Carreira Docente, aprovado por este último diploma, e os arts. 47º, nº 1, e 53º da Constituição.

Pede que seja revogada a decisão recorrida com a consequente condenação da R. no pedido.

A R. contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.

Ulteriormente, o Ex.mo Juiz Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça determinou, a sugestão do Ex.mo Presidente da Secção, que se procedesse ao julgamento alargado da revista.

No seu douto Parecer, emitido nos termos do art.º 733º- B, n.º 1 do CPC, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo pronunciou-se no sentido de ser negada a revista e propôs a seguinte formulação para a uniformização de jurisprudência: « 1) O contrato de trabalho celebrado na modalidade de acumulação por docente do ensino oficial prevista no artigo 67º do Dec-Lei nº 553/80 de 21.11. e no artigo 111º do Dec-Lei n.º 139-A/90 de 28 de Abril está sujeito a um regime especial de caducidade anual.

2) A especificidade deste regime de caducidade decorre de autorização oficial que pode ou não ser concedida para cada ano escolar consoante a apresentação dos específicos requisitos constantes naqueles diplomas e que o Despacho 92/ME/88 do Ministro da Educação de 17.05.1988 e a Portaria nº 652/99 de 14 de Agosto vieram a seu tempo pormenorizar.

3) Dada a natureza especial do regime de caducidade deste contrato de trabalho, designadamente em matéria do ensino oficial da anualidade escolar é-lhe inaplicável o regime geral decorrente do Dec-Lei n.º 64-A/89 de 24 de Fevereiro».

III - Cumpridas as formalidades legais, cabe decidir.

As instâncias deram como provados os seguintes factos, que aqui se aceitam por não haver fundamento legal para os alterar: 1. A R. é proprietária da Escola DD, sita na Rua ..., s/n, em Alcabideche.

  1. A A. AA foi admitida ao serviço da R. naquela Escola em 1 de Setembro de 1989, desempenhando desde então as funções de professor.

  2. Auferia ultimamente por mês a retribuição mensal de 749,99 €, correspondente ao nível A 8 do CCT para o Ensino Particular.

  3. A A. BB foi admitida ao serviço da R. naquela Escola em 1 de Setembro de 1991, desempenhando desde então as funções de professor.

  4. Auferia ultimamente...

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