Acórdão nº 07P2279 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Julho de 2007

Magistrado ResponsávelSIMAS SANTOS
Data da Resolução05 de Julho de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. O Tribunal Colectivo de Albufeira (Proc. n.º 121/99.0 TBABF - 2º Juízo) decidiu condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio do art. 131.º do C. Penal, na pena de 15 anos e 6 meses de prisão.

    Inconformado recorreu o arguido para a Relação de Évora que, por acórdão de 23.1.2007 (proc. n.º 633/06), negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.

    Recorre agora o arguido a este Supremo Tribunal de Justiça, concluindo longamente na sua motivação: I. O mesmo tribunal que condenou o arguido numa pena de prisão próxima dos máximos legais, em medida superior a anterior condenação, reconhece que as testemunhas em que funda a sua convicção mentem deliberadamente para o enganar.

    1. É o tribunal que o afirma, não foi a defesa que o invocou, que essa mentira deliberada teve por único fito garantir a condenação do arguido. E com base nestes depoimentos reconhecidamente mentirosos, determinados pela sede de vingança; e com base nestas testemunhas que não têm pejo em mentir, que não hesitam em enganar o tribunal para garantirem a pesada condenação de uma pessoa que o tribunal funda uma decisão condenatória.

    2. Este trabalho porfiado de construção de justificações para cada incongruência, para cada mentira destinou-se exclusivamente a servir dois objectivos - salvar os depoimentos que incriminavam o arguido garantindo a respectiva condenação e evitar a anulação do julgamento que aconteceria inevitavelmente se se considerasse provada a história que as testemunhas incriminatórias contam.

    3. E a decisão do Tribunal da Relação de que se recorre premiou este esforço de construção modular de justificações para mentiras e incongruências, levando até mais longe o raciocínio.

    4. O tribunal superior, usando citação descontextualizada chega mesmo a concluir que a viúva nunca afirmou ter visto os tiros serem disparadas pelas e nas costas e, por isso, ao contrário do que a defesa afirma nunca mentiu.

    5. Esqueceu-se o acórdão ora recorrido que é o próprio tribunal que consigna a mentira e o motivo: " Como tal, percebe-se que, ao contrário do que afirmou (para ter a certeza de que o tribunal assim decida) e muito embora tivesse percepcionado a forma como devem ter ocorrido os tiros iniciais por lhes ter visto a conclusão, a assistente estaria de costas para o local de onde se dispararam esses primeiros quatro tiros...".

    6. Daí não se conformar quando o tribunal recorrido escreve que o tribunal de V Instância não teve qualquer hesitação quanto à valoração dos depoimentos, ou seja, não teve qualquer dúvida.

    7. Mas, embora não o afirmando expressamente, o Tribunal de ia Instância, (contrariamente ao referido pelo acórdão ora recorrido), reconhecem também as enormes discrepâncias destes depoimentos em pormenores essenciais no confronto com os elementos objectivos dizendo mesmo na sequência que se cita: ‘No entanto, resultando claro que não viram os quatro primeiros tiros serem disparados" IX. É que o Tribunal, agora o da Relação de Évora, (com a transcrição integral da prova gravada), não devia ignorar o relatório da autópsia e os preclaros esclarecimentos prestados pelo Ex.mo Perito em audiência que desmentem de forma categórica e veemente a versão da viúva dos tiros pelas costas; não podia ignorar o croquis de fls.34 e o depoimento do inspector da P3 que desmentem de forma categórica e veemente tiros pelas costas de surpresa e queda no local dos disparos, apontando disparos com a vítima em movimento de fuga e indícios de luta e queda em local diverso dos primeiros disparos.

    8. Ou seja, em síntese, o Tribunal reconhece que nenhuma das três testemunhas em que faz fé pode ter visto serem desfechados os quatro primeiros tiros porque quem diz ter visto e quem conta o que lhe disseram ter sido visto localiza os tiros nas costas quando eles foram provadamente dados de frente, mas se as três testemunhas viram o arguido desfechar o quinto tiro então, dedução um, foi também ele que desfechou os quatro anteriores, dedução dois, as testemunhas dizem costas mas estavam elas de costas e só se voltaram no quinto tiro.

    9. Não podem, por isso, as testemunhas ter visto um disparo que não aconteceu nos termos em que o descrevem, donde mentiram também quanto a este último disparo.

    10. E a pedra angular em que o tribunal fundou todo o seu edifício dedutivo - o último tiro - esboroa-se à primeira verificação objectiva e faz desmoronar o edifício construído com afinco, capacidade inventiva e algum cuidado na sobrevalorização de pequenas e naturais imprecisões e na desvalorização de gritantes desconformidades.

    11. A impossibilidade lógica supra apontada que redunda nestas e em muitas outras contradições insanáveis não é uma invenção da defesa é a consequência inevitável do depoimento das familiares da vítima.

    12. O arguido recorrente enunciou expressamente, no requerimento de interposição de recurso, os meios de ataque à decisão deixando claro que pretendia interpor recurso da decisão sobre matéria de facto nos termos do art°412° n°3 do C.P.P.

    13. Na Motivação do recurso dedicou toda a parte II a esse recurso indicando nos termos do artigo 412.° n° 3 alínea a) do C.P.P. os Pontos de facto que o recorrente considerou incorrectamente julgados e indicando nos termos da respectiva aI. b) as provas que impunham decisão diversa da recorrida.

    14. Indicou como factos incorrectamente considerados provados os constantes dos parágrafos 1° a 110 e o do 150 XVII. Indicou o leque de recursos probatórios à disposição do Tribunal a quo para o efeito de sustentar a convicção quanto à matéria de facto, nomeadamente, para além dos depoimentos e declarações, os elementos de prova constantes de fls. 14, 73 a 76, 33 e 34, 61, 100 a 118, 316, 680, CRC's de fls. 200, 209 e 1269 dos autos; os autos de fls. 17, 135, 142, 154, 167 e fichas policiais de fls. 46 e 316 a 322 dos autos e a prova pericial de fls. 73 a 76 (autópsia), fls. 123 (balística), fls. 680 (documento) e 182 (exame directo); que não permitiam que o Tribunal a quo desse como assente a factualidade supra exposta.

    15. Indicou os factos que, de acordo com a prova por si considerada relevante (o relatório de autópsia, o relatório de exame dos projécteis e ainda o croquis de fls. 34), podiam e deviam ser dados como provados.

    16. Sobre essas perto de 100 páginas do recurso (págs. 17 a 108), sobre esse recurso devidamente identificado e individualizado o acórdão recorrido proferido pelo Tribunal da Relação de Évora pronunciou-se tão só no sentido constante a fls. 89 do douto acórdão recorrido.

    17. Tivesse o Tribunal da Relação, como lhe competia, analisado e fazendo um exame critico (por determinação do decidido pelo Supremo tribunal de Justiça) especificando cada um dos pontos de facto impugnados «e as provas indicadas pelo recorrente» e não concluiria com tanta facilidade pela desvalorização do "croquis" nesta matéria de certeza quanto à visualização pelas testemunhas do último tiro e não usaria da simplicidade argumentativa que usou para a sua desvalorização.

    18. É que nesse recurso sobre matéria de facto para além da invocação do "croquis" fez-se expresso apelo a um meio de prova que foi aqui, mais uma vez, ignorado pelo Tribunal da Relação - os esclarecimentos do perito médico-legal.

    19. Assim, ao não conhecer criticamente do recurso de matéria de facto interposto pelo arguido recorrente, omitindo qualquer análise ou referência sobre os meios de prova invocados pelo recorrente, o Venerando Tribunal da Relação de Évora incorreu, mais uma vez, salvo o devido respeito por superior e melhor opinião, na nulidade de omissão de pronúncia prevista no art° 379° al. c) do C.P.P.

    20. Tal omissão de conhecimento do recurso de matéria de facto configura ainda uma clara inconstitucionalidade por violação do direito ao recurso e ao duplo grau de jurisdição salvaguardados pelo art° 32° n° 1 da C.R.P.

    21. Donde não tendo o acórdão recorrido apreciado o recurso na referida dimensão, imposta pela respectiva motivação, e ordenada pelo Supremo tribunal de Justiça, omitiu pronúncia sobre questões de que era obrigado a conhecer, razão porque entendemos que está ferido de nulidade, nos termos dos artigos 428.º n.º 1, 431.º, 425.º, n.º 4 e 379.º, n.º 1 al.c) do CPP.

    22. Deve, em consequência, o julgamento realizado no Venerando Tribunal da Relação de Évora ser anulado, incluindo-se nessa decisão de anulação o respectivo acórdão.

    23. O tribunal de 1ª instância procurou explicar cada contradição, procurou justificar cada discrepância e quando confrontado com contradições insanáveis inventou explicações que chegam à imputação de mentira deliberada, adoptando um raciocínio modular invertido.

    24. Partiu da conclusão, que é só convicção, que as testemunhas estiveram no local e viram o arguido e tentou encaixar o que as testemunhas dizem ter visto no que provadamente aconteceu.

    25. Como nada do que as testemunhas dizem ter visto aconteceu, o exame crítico da prova é apenas um exercício de justificação das desconformidades e não, como a lei impõe, uma apreciação dos meios de prova e da respectiva relevância.

    26. Por seu turno o tribunal da Relação seguiu o mesmo modelo, agora por referência ao recurso.

    27. Socorrendo-se de excertos de depoimentos, numa análise limitada, como expressamente referiu no respectivo início, pelo texto da decisão recorrida, levou até mais longe que o tribunal de l instância o exercício de justificação.

    28. A viúva disse ter visto os tiros serem disparados pelas costas da vítima, é o próprio tribunal de 1.ª instância que o reconhece: Como tal, percebe-se que, ao contrário do que afirmou (para ter a certeza de que o tribunal assim decida) e muito embora tivesse percepcionado a forma como devem ter ocorrido os tiros iniciais por lhes ter visto a conclusão, a assistente esta ria de costas para o local de onde se dispararam esses primeiros quatro tiros... " XXXII. O Tribunal da Relação, no exercício de justificação parcelada e segmentada que procura credibilizar o depoimento das testemunhas afirma...

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