Acórdão nº 03B2343 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Novembro de 2003
Magistrado Responsável | SANTOS BERNARDINO |
Data da Resolução | 13 de Novembro de 2003 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1Por apenso aos autos de acção executiva para pagamento de quantia certa que lhe foi movida por A e que corre termos pela 10ª Vara Cível de Lisboa, veio a Companhia de B deduzir oposição à referida execução, por embargos de executado. O exequente, que deu à execução a decisão de 25.09.93, do tribunal arbitral constituído no Centro de Arbitragem Comercial de Lisboa, pretende haver da executada a quantia de 270.016.680$00, acrescida de juros moratórios vencidos desde 01.01.96, à taxa de 10%, e dos vincendos, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento. Entende que é aquele o preço devido pela compra de 37.390 acções de "C - Fábricas Cerâmicas, SA". A executada, por seu turno, entende que tal preço é de 210.918.227$00, fundando em tal alegação os deduzidos embargos, em cuja procedência pede seja declarada extinta a execução na parte respeitante à diferença entre os dois aludidos valores, i.e, em 69.098.453$00. Foi proferido saneador/sentença que decidiu ser de 210.918.227$00 o preço das acções em causa, em consequência do que foram julgados procedentes os embargos e declarada extinta a execução, uma vez que tal valor se mostrava coberto pelo pagamento, já efectuado nos autos de execução, da quantia de 214.212.018$00. O exequente/embargado, que recorreu, para a Relação, sem êxito, teve melhor sorte no subsequente recurso para o Supremo, que anulou o acórdão da Relação, por considerar que havia sido omitida matéria de facto. O processo baixou à 1ª instância, aí vindo a ser proferida nova decisão, com resultado idêntico ao traduzido no saneador/sentença aludido. O exequente/embargado interpôs novo recurso para a Relação, que lhe deu provimento, revogando a decisão recorrida e determinando o prosseguimento da execução. Desta vez, a reacção veio do lado da executada/embargante, que recorreu para este Supremo Tribunal. E, por seu acórdão de 16.05.2000, o Supremo mandou que os autos baixassem à Relação para ampliação da matéria de facto e novo julgamento da causa com aplicação do direito logo definido no dito acórdão. A Relação, para cumprimento do determinado, fez baixar os autos à 1ª instância. Aí foi elaborado um quesito, versando sobre a matéria aludida no acórdão do Supremo, sobre o qual veio, em audiência de julgamento, a produzir-se a prova que as partes tiveram por conveniente. Seguiu-se nova sentença na 1ª instância, sem alterações de sentido relativamente às duas decisões anteriores aí proferidas. O que deu origem a nova "ronda" de recursos: o exequente/embargado recorreu, de apelação, para a Relação, que concedeu provimento ao recurso, julgando procedentes os embargos e revogando a decisão recorrida, determinando outrossim o prosseguimento da execução, aí se ponderando o valor entretanto pago; e a executada/embargante fecha o ciclo, interpondo, do acórdão da Relação, novo recurso de revista para este Supremo Tribunal. De assinalar que o acórdão ora em recurso condenou ainda a embargante, como litigante de má fé, em multa de 90 UC, e em indemnização a favor do embargado que, após audição das partes, veio a ser fixada em € 20.000, sendo € 15.000 correspondentes a honorários do mandatário do embargado e € 5.000 por danos morais. A ora recorrente finaliza as suas alegações de recurso enunciando as seguintes CONCLUSÕES: 1ª - O acórdão recorrido fez uso dos poderes conferidos pelo art. 712º do CPC; segundo a jurisprudência constante, cabe ao STJ sindicar a actuação da Relação nesse domínio. 2ª - Ao mandar baixar os autos, o Supremo pretendeu que fosse mesmo (se possível) apurada a vontade real da recorrente: não que se elaborasse uma construção artificial, apoiada em elementos soltos. 3ª - A testemunha Dr. D é advogado do recorrido: não teve qualquer acesso ao conselho de administração da recorrente, para poder depor sobre o que lá se passasse. 4ª - Além disso, a apontada testemunha, como advogado do recorrido, não pode deixar de merecer um suplemento de criteriosa exigência: é evidente que, pelas suas próprias funções, nunca pode ser inteiramente imparcial. 5ª - O depoimento do Dr. D, por respeitável que seja, é mesmo contrariado pelos restantes depoimentos: estes documentam, de facto, a inexistência de qualquer vontade real. 6ª - Os troços soltos, produzidos em distintos momentos processuais, sobre a pretensa vontade real da recorrente, não têm esse alcance: os mandatários que as produziram não tinham, sequer, elementos pertinentes sobre tal "vontade real", nem tiveram intenção de a revelar, em tais contextos; 7ª - Com os elementos disponíveis, o quesito único não pode deixar de ficar "não provado". 8ª - Pela natureza das coisas e sendo a recorrente uma sociedade anónima, qualquer "vontade real" a ela relativa teria de ser apurada, por meios probatórios, junto do seu conselho de administração. 9ª - Cabia ao recorrido habilitar o tribunal com elementos relativos ao conselho de administração da recorrente: actas, depoimentos de administradores e de secretários que tivessem assistido às reuniões e circunstâncias elucidativas sobre as mesmas. 10ª - De todo o modo e pela natureza das coisas, a recorrente, como compradora, nunca teria uma vontade real de pagar mais do que aquilo que foi, de facto, negociado: qualquer cifra que ela tivesse em mente seria, sempre, uma cifra máxima. 11ª - A busca da vontade real seguiu um alvo errado, não se dirigindo à verdadeira sede de decisão da recorrente: por isso chegou a uma conclusão paradoxal e, salvo melhor juízo, inadmissível. 12ª - O art. 236º/2 do CC não pode ser interpretado à letra, sob pena de inutilizar institutos como o da reserva mental e o da simulação. 13ª - Tal preceito significa simplesmente: quando uma das partes use fórmulas significativas erradas e a outra tenha conhecimento do sentido realmente pretendido e com ele concorde, a errada qualificação não prejudica. 14ª - A "vontade real" é sempre uma vontade comum, não prejudicada por erradas qualificações: falsa demonstratio non nocet. 15ª - In casu, não se demonstrou nenhuma vontade real comum, favorável às pretensões do recorrido e não-coincidentes com o declarado. 16ª - O ponto 1.3 do contrato de opção dispõe claramente que o prémio de opção "acrescerá ao preço das acções": não afirma que tal prémio se integraria nesse preço. 17ª - O regime do prémio de opção não é o do preço: segundo a vontade das partes, ele seria devido mesmo que não houvesse transacção e, além disso, não garantiria determinadas qualidades da empresa cedida. 18ª - O contrato de opção foi preparado por advogados experientes: não pode deixar de ser validado o sentido que qualquer declaratário normal lhe atribuiria - a diferenciação em relação ao preço. 19ª - A recorrente tem razão: material, processual e substantiva; nunca litigou temerariamente nem, muito menos, com dolo; a condenação como litigante de má fé não deve subsistir. Com as alegações, a recorrente juntou um parecer de um ilustre Professor de Direito. O recorrido contra-alegou, pugnando pelo não provimento do recurso e pela integral manutenção do acórdão recorrido. E também ele juntou um parecer de outro ilustre Professor de Direito. Corridos os vistos legais, cumpre agora decidir. 2São os seguintes os factos que vêm dados como assentes: I - Por acórdão de 25.09.93, do Tribunal Arbitral que funcionou no Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa, em que A demandou a Companhia de B, foi esta condenada nos seguintes termos: "Julgar parcialmente...
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