Acórdão nº 08P3855 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Janeiro de 2009

Magistrado ResponsávelFERNANDO FRÓIS
Data da Resolução21 de Janeiro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: No processo sumário nº 1/2000 do Julgado de Instrução nº 1 de Sevilha, Espanha, foi o cidadão português AA, identificado nos autos, alegadamente residente na Rua ..................., em Palmela, condenado, por acórdão transitado em julgado em 24.05.2002, proferido no âmbito do ................/2001, nas seguintes penas: - Na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de violação, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 181º-3 e 182º-§ 1º, por referência ao artigo 74º-1 e 3, do Código Penal espanhol; - Na pena de 6 meses de prisão pela prática de um crime de maus tratos, p. e p. pelo artigo 173º do Código Penal espanhol; - Na pena de 4 anos de prisão pela prática de um crime de sequestro, p. e p. pelo artigo 163º-1, do Código Penal espanhol.

Na sequência dessa condenação, por despacho de 01 de Julho de 2004, da Exmª Sr.ª Ministra da Justiça, foi admitido o pedido de execução em Portugal, da referida sentença espanhola.

Por isso, o Exmº Magistrado do MºPº junto do Tribunal da Relação de Évora, ao abrigo do disposto noi artigo 236º do Código de Processo Penal (português), requereu a revisão e confirmação daquela sentença penal espanhola condenatória, imposta ao referido cidadão nacional AA.

E, por acórdão de 23 de Setembro de 2008, da Relação de Évora, foi revista e confirmada a sentença proferida pela Audiência Provincial de Sevilha - 1ª Secção - proferida no processo nº 644/2001 e efectuado o cúmulo jurídico das penas aplicadas, tendo sido o requerido AA, condenado na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Notificado desse acórdão - de revisão e confirmação da sentença estrangeira - veio o requerido AA interpor o presente recurso para este STJ, pugnado pela revogação daquele acórdão e pela sua absolvição.

Termina a respectiva motivação com extensas conclusões que a seguir se transcrevem: 1 - Entende o arguido, sempre com o maior e devido respeito a todos os Tribunais, e apesar do recurso perante o venerando supremo Tribunal de Justiça apenas poder incidir sobre matéria de direito, que o venerando Tribunal da Relação decidiu em primeira instância, e logo lança mão do disposto no artO 434° do cpena1, ou seja a matéria de facto também deve ser apreciada em sede de recurso.

2 - Assim, sempre no humilde entendimento do Arguido o Acórdão do venerando Tribunal da Relação de Évora revela uma manifesta insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, havendo ainda contradição insanável entre a fundamentação de facto e a decisão, e também erro notório na apreciação da prova, e a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.

3 - A ver do arguido a revisão, e confirmação duma sentença estrangeira não pode, nem deve ser restrita, a um mero "cotejamento" de institutos jurídicos, sem ofensa, como se fosse uma simples transposição de nomenclaturas jurídicas, mas antes devem ser apreciados todos os factos verosímeis, e integrá-los na ordem jurídica portuguesa, como se o julgamento tivesse ocorrido em Portugal.

4 - Perante a inconsistência, e incoerência, e a inverosimilhança dos factos dados como provados pelo Tribunal espanhol, colocam-se as questões de saber se o arguido seria condenado, em Portugal a oito anos de prisão, e em presença da referida inconsistência, e controversa prova, se os factos integram os crimes de violação, maus tratos e sequestro, à luz do direito penal português? 5. O processo de revisão e confirmação da sentença estrangeira deve desenrolar-se a partir da resposta a essas questões.

  1. Deve ser feita uma criteriosa apreciação dos factos considerados como provados pelo tribunal espanhol.

  2. Sendo de outra forma, o Poder Judicial espanhol substitui-se ao poder Judicial português, e então os cidadãos espanhóis estariam a entrar em Portugal pela porta dos tribunais portugueses, o que significaria um atentado à soberania nacional portuguesa.

  3. Em rigor, pode defender-se que o Acórdão recorrido viola a soberania nacional.

  4. O arguido entregou documentos no Tribunal recorrido onde é possível perceber o ambiente em que aquele e a cidadã espanhola, BB Rodrigues, viviam.

  5. Viviam maritalmente, é verdade.

  6. Tinham planos ou projectos de casamento, ou pelo menos assim o entendeu a BB.

  7. O Arguido é extremamente conceituado no lugar onde nasceu e reside, Palmela.

  8. É oriundo de boas famílias.

  9. Tem bom nome na praça.

  10. Havia quem o considerasse um empresário de sucesso na Espanha.

  11. Diziam que era pessoa rica.

  12. A família vivia numa nobre mansão em Palmela.

  13. A BB conheceu o arguido e visitou-o na casa de família em Portugal.

  14. Encheu o olho, e arquitectou um plano.

  15. A cidadã espanhola está na fase da meia idade, momento em que a dependência começa a acentuar-se.

  16. Começaram a existir desavindas entre o casal.

  17. O projecto de casamento, se existiu, foi desfeito, e a cidadã espanhola, nos "jogos do apanha", no caso um marido.

  18. Estava à vista a perda do putativo marido.

  19. Desenrola-se toda uma sucessão de cenas tendentes à construção da alegada prática dos crimes de que o arguido vem sendo acusado.

  20. O arguido estava num pais estrangeiro.

  21. A cidadã espanhola usou todas as armas que teve ao seu alcance, e fez a sua montagem dos factos.

  22. A cidadã espanhola, é uma mulher muito interessante, e uma pessoa dotada de uma inteligência brilhante.

  23. O arguido é um homem bom, simples, terra a terra, chão, trata os bois pelos nomes, reconhece que é um pedacinho impulsivo, mas é respeitador, humano, carinhoso e muito apaixonado.

  24. Por razões que só o casal sabe, o arguido e a cidadã espanhola, BB, sabem, como acontece a qualquer casal, a união amorosa desfez-se.

  25. Ficam sempre mágoas, rancores e dores, que nuns casos tomam proporções gigantescas .

  26. É o caso dos presentes autos.

  27. A cidadã espanhola, BB, arrastou o caso para a barra dos tribunais intencionalmente, e dolosamente.

  28. Todavia, por razões que só ambos conhecem, a relação fracassou.

  29. O arguido jamais lhe faria, ou causou algum mal.

  30. O arguido também ficou com sérias feridas na sua sensibilidade, e psicologicamente, mas isso não é razão para acusar a BB de maus tratos e muito menos de violação, ou ainda de sequestro! 36. A forma como decorreu o julgamento em Espanha e tudo o que a BB montou à sua volta, terá sido fruto do recalcamento, da vingança, do despeito, nunca de violação, maus tratos ou sequestro.

  31. Tudo o que se passou entre o casal foi consentido, e com muito amor, e carinho, enquanto a relação não foi deteriorada.

  32. O venerando Tribunal da Relação de Évora não apreciou, e integrou devidamente esses factos no direito penal português.

  33. Em suma, são estes os vícios que o Acórdão recorrido revela e que estão previstos no artO 410°, nº 2 do C. P. Penal.

  34. À luz deste "cenário", a experiência comum, a ambiência num país estranho, com as suas instituições, que estava à vista do venerando Tribunal da Relação de Évora, o Arguido não descortina onde estão os factos que podem integrar a violação, sabendo-se que o casal vivia maritalmente e que as relações sexuais sempre foram consentidas por BB.

  35. A verdade é exactamente o inverso, foi devido ao facto de o Arguido ter-se negado a continuar o namoro, e desfeito a união, e não querer manter os contactos sexuais, que levaram a BB a sentir-se "violada" e "violentada".

  36. Se tal não tivesse acontecido ainda hoje o casal teria relações sexuais.

  37. O venerando Tribunal da Relação de Évora "operou" como que uma transposição dos institutos jurídico-penais, sem atender ao devido enquadramento legal dos factos verosímeis, perante aquele quadro em concreto.

  38. Sobre a alegada prática do crime de maus tratos valem aqui as razões que antecedem.

  39. Em relação ao sequestro, o arguido ainda tem mais dificuldades em perceber a decisão do venerando Tribunal da Relação.

  40. Mais uma vez, tendo em conta a experiência comum, a ambiência local, as instituições e personagens, onde os factos ocorreram, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, com o devido respeito, não explicita onde estão os factos integradores da prática do alegado crime de sequestro praticado pelo arguido.

  41. A putativa queixosa, BB, em que circunstâncias de local e modo foi sequestrada? 48. A BB assediava o arguido com o propósito de conseguir um casamento interesseiro.

  42. A BB considerava-se sequestrada porque o arguido lhe forneceu um telemóvel, quando é o telemóvel o meio mais rápido e fácil que permite a comunicação com as autoridades locais, estando em perigo! 50...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT