Acórdão nº 08P2865 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Janeiro de 2009
Magistrado Responsável | RAÚL BORGES |
Data da Resolução | 07 de Janeiro de 2009 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 548/98.5JABRG, da Vara de Competência Mista do Círculo Judicial de Braga, foram submetidos a julgamento os arguidos AA, BB e CC, com melhores sinais identificadores constantes do processo, sendo-lhes imputada a co-autoria material de um crime de roubo, p. p. pelo artigo 210º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), do Código Penal e o arguido BB ainda de um crime de detenção ilegal de arma de defesa, p. p. pelo artigo 6º da Lei n.º 22/97, de 27-06.
Por acórdão datado de 18 de Outubro de 2002, depositado na mesma data, foram os arguidos AA e BB absolvidos e o arguido AA condenado pela prática de factos ocorridos em 22-06-1998, como autor material de um crime de roubo, p. p. pelo artigo 210º, n.º 1 e n.º 2 com referência ao artigo 204º, n.º 2, alínea f), do Código Penal, na pena de 6 anos de prisão - fls. 363 a 374.
Em 04 de Novembro de 2002 foi interposto recurso pelo condenado, sendo apresentada a motivação de fls. 382/8, visando o recorrente apenas reapreciação de matéria de facto, lançando-se mão do mecanismo previsto no artigo 412º, nº 3, do CPP.
O Tribunal da Relação de Guimarães, em acórdão de 23 de Junho de 2003, negou provimento ao recurso - fls. 446 a 459.
Em 1-10-2003 o Mº Pº na 1ª instância promove a emissão de mandado de detenção do arguido para cumprimento da pena de 6 anos de prisão, o que é determinado por despacho do dia seguinte, constante de fls. 474 v º.
O mandado de detenção veio a ser recolhido, sem cumprimento, por se desconhecer o paradeiro do condenado.
Surgindo a notícia de que constava que o arguido AA se encontraria em França - fls. 488, 491, 492 e 496 v º - foi ordenada a emissão de mandado de detenção para envio ao SEF e ofícios a todos os Consulados de Portugal em França, para obtenção de informação sobre a residência do arguido - fls. 498 e 499.
Sendo negativas as respostas de 16 postos consulares em França, veio a ser emitido um mandado de detenção europeu (MDE) dirigido a França e para difusão ao Gabinete Nacional Sirene, e, sendo aquele devolvido sem cumprimento, continuaram os autos a aguardar informações do referido Gabinete.
Tendo-se desenvolvido várias diligências com vista à captura do arguido para cumprimento de pena, desde Outubro de 2003 e ao longo dos anos de 2004, 2005 e 2006, em 07 de Fevereiro de 2007, o agente do Mº Pº junto da referida Vara Mista de Braga, a fls. 659, suscita a questão de o julgamento ter sido realizado na ausência do arguido, que não deu o consentimento para o efeito e de que o mesmo arguido ainda não fora pessoalmente notificado do acórdão condenatório, pelo que este - defendeu então - não transitara em julgado, carecendo de força executiva.
Por outro lado, promoveu em simultâneo se decretasse a prisão preventiva do mesmo arguido, bem como a emissão de mandados de detenção de âmbito nacional e europeu.
Em despacho de 14 de Fevereiro de 2007, a fls. 661/2, a Exma. Juíza titular do processo, conferindo plena aquiescência a tal posição, por ter sido o arguido em causa julgado na ausência, não ter sido até ao momento pessoalmente notificado dos acórdãos proferidos nos autos, entende impor-se a sustação do cumprimento de todos os mandados relacionados com a execução da pena imposta nos autos e a sua devolução.
Mais determinou que o arguido ficasse a aguardar os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, determinando a emissão de mandados de detenção, e que, após a detenção, deveria o arguido ser apresentado para interrogatório judicial.
Na sequência do assim determinado, o arguido CCé detido em Vila Verde em 11 de Maio de 2008 (fls. 761vº) e apresentado a interrogatório judicial no dia seguinte, sendo-lhe então imposta a prestação de novo TIR e a obrigação de apresentações semanais no OPC da área competente, determinando-se então a entrega de cópia do acórdão do Colectivo da Vara Mista, sendo o arguido de seguida restituído à liberdade - fls. 763/6.
Em 20-05-2008 o arguido interpõe recurso, requerendo a confiança do processo e a entrega de elementos contendo gravações de depoimentos e declarações prestadas em julgamento - fls. 772/3.
O que foi deferido.
Em 03-06-2008 é junta a motivação de fls. 783 a 795, com original a fls. 804 a 816, que o recorrente remata com as seguintes conclusões (em transcrição): A) O presente recurso é interposto para o S.T.J., nos temos do art°. 432°, n°. 1, alínea c) do C.P.P., uma vez que, se entende ser inútil o recurso da matéria de facto, porquanto, o Tribunal da Relação de Guimarães decidiu já acerca desta questão, embora em recurso prejudicado pelo facto do acórdão de 1ª instância não ter sido notificado ao arguido/recorrente.
B) Consta expressamente da acta de audiência de julgamento (fls. 357) que foi ordenado pelo Juiz Presidente que se procedesse à realização do julgamento na ausência do arguido, ora recorrente, nos termos do art°. 333°., n°. 2 do C.P.P., sendo este representado pelo seu defensor.
C) O Juiz Presidente não tomou as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a comparência do arguido no julgamento, quer no início, quer posteriormente, nem mesmo fundamentou, ainda que sumariamente, não ser a sua presença absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material, conforme estipula o n°. 1 do art°. 333° do C.P.C..
D) Atendendo à gravidade dos factos, à moldura penal do tipo de crime e às próprias motivações do acórdão (demonstram ter havido conluio e claro aproveitamento da ausência do recorrente), impunha-se como fundamental e indispensável para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, a presença do arguido na audiência de julgamento.
E) Não foi dada ao arguido/recorrente qualquer hipótese de se pronunciar acerca dos factos de que vinha acusado, bem como de exercer o seu direito de contraditório e defesa.
F) O despacho que ordenou a realização do julgamento na ausência do arguido, por forma até a poder controlar-se a legalidade dos actos praticados pelo juiz, tem obrigatoriamente de ser fundamentado, expondo as razões de facto e de direito pelas quais considerou a sua presença absolutamente indispensável, tanto mais que conheceu de uma questão interlocutória essencial (cf. art°. 97°, n°. 1, alínea b), n°. 2 e n°. 5 e art°. 205°, n°. 1 da C.R.P.).
G) A falta de fundamentação constitui nulidade insanável, de conhecimento oficioso, por manifesta violação dos supra citados preceitos legais, bem como por manifesta violação da alínea c) do art°. 119° do C.P.P., que determina a invalidade do julgamento, por força do disposto no art°. 122° n°. 2 do mesmo código, e a consequente repetição do mesmo com a presença do arguido/recorrente.
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A omissão das diligências com vista à comparência do arguido e de fundamentação do despacho que ordenou a realização da audiência de julgamento na ausência do arguido/recorrente, mostra-se inconstitucional por violação do direito de defesa consagrado ao arguido nos art°s. 32°, n°s. 1, 5 e 6 da C.R.P., bem como o disposto no art°. 205°, n°. 1 da C.R.P. que obriga a fundamentação das decisões dos tribunais.
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Por outro lado, ao ordenar a realização do julgamento na ausência do arguido sem qualquer justificação, motivação ou fundamentação atendível, o tribunal não logrou assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, designadamente do recorrente, violando o preceituado no art°. 202°, n°. 2 da C.R.P..
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O douto acórdão recorrido violou, entre outros, o disposto nos art°s. 333°, n°. 1, 97°, n°. 1, alínea b) e n°. 5 e 119°, alínea c), todos do C.P.P., bem como os art°s. 32°, n°s. 1, 5 e 6, 202°, n°. 1 e 205°, n°. 1 da C.R.P., que determinam a anulação ou invalidade do julgamento, nos termos do n°. 2 do art°. 122° do C.P.P., devendo ser ordenada a sua repetição com a presença do arguido/recorrente.
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Caso se entenda não existir qualquer nulidade insanável, o que só por mera hipótese se admite, sempre se dirá que, deverá nesta altura atenuar-se especialmente a pena ao recorrente, lançando mão do preceituado no art°. 72°, n°. 1, alínea d) do CP..
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Os factos constantes da acusação ocorreram em Junho de 1998 e desde então, decorridos que são 10 anos, e 10 anos é manifestamente muito tempo, em que o recorrente não praticou qualquer tipo de crime, tendo mantido uma boa conduta e modificado a sua personalidade para melhor.
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Resulta dos autos e dos documentos ora juntos com vista à aplicação da justiça e verdade material, tanto mais que, está em causa a liberdade do recorrente, que o mesmo deixou de ser divorciado, tendo contraído casamento civil no dia 5 de Abril de 2000 com Maria ..., de quem em dois filhos, ainda menores, Maria .., actualmente com 12 e 11 anos de idade, nascidos em 30 de Março de 1996 e 24 de Maio de 1997, e frequentando a C+S e a Primária de Vila Verde, respectivamente.
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A mulher do recorrente é doméstica e ele está perfeitamente inserido na sociedade, desempenhando funções profissionais na empresa P...., Lda. - Decorações Design e Construção, Lda., como director financeiro, auferindo mensalmente a quantia de ilíquida de 1.500,00 €, quantia esta que responde exclusivamente por todas as despesas do seu agregado familiar.
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O agregado familiar do arguido depende exclusivamente do seu salário, tendo o arguido alterado para muito melhor o seu carácter e personalidade.
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Atentos os factos e circunstâncias supra descritos que diminuem de forma acentuada a necessidade de uma pena de prisão muito elevada, deve a pena concreta a aplicar ao recorrente ser especialmente atenuada por força do art°. 72°, n°. 2, alínea d) do C.P., fíxando-se próxima do mínimo legal, suspensa na sua execução pelos fundamentos que abaixo se explanarão.
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Entendendo-se não haver fundamento para a atenuação especial da pena, deverá, nesta altura, pelas mesmas razões supra referidas nas conclusões M), O) e P), considerar-se exagerada e desadequada a pena de 6 anos de prisão efectiva que lhe foi aplicada, que deverá ser...
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