Acórdão nº 08A2924 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Dezembro de 2008

Magistrado ResponsávelGARCIA CALEJO
Data da Resolução09 de Dezembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I- Relatório: 1-1- Nas Varas Cíveis de Lisboa, o Banco AA, S.A.

, com sede na Avenida 24 de Julho, n.º 98, em Lisboa, propôs a presente acção com processo ordinário contra BB, residente na Estrada de ....., Nacional 398, n.º 75, R/C Dto., em Olhão, pedindo a condenação desta no pagamento da importância (a título de capital) de € 21.225,82, acrescida de €4.398,56 de juros vencidos, de €175,94 de imposto de selo calculado sobre esses juros (à taxa de 4%), e ainda dos juros que sobre a aludida importância em dívida se vencerem (calculados à taxa anual de 20,01%), desde a propositura da acção até efectivo e integral pagamento, bem como o quantitativo respeitante a imposto de selo que, à taxa de 4%, sobre os mesmos recair.

Fundamenta este pedido, em síntese, alegando que, no exercício da sua actividade comercial, em 9/01/2004, celebrou com a R. o acordo escrito junto a fls. 10 a 12 (contrato de mútuo n.º 672739), acordo esse que tinha por objecto a aquisição por esta última, de um veículo automóvel da marca Mitsubishi, modelo L200 2.5 Strakar, com a matrícula 00-00-PA. Nos termos do acordo, a A. entregou à R. a importância de €17.445,91, comprometendo-se, esta última, ao pagamento de 72 rendas mensais e sucessivas, no valor de € 433,18 (cada), aí se integrando capital e juros, vencendo-se a primeira no dia 10 de Fevereiro de 2004, e as seguintes nos dias 10 dos meses subsequentes. O indicado valor das prestações deveria ser pago, na respectiva data de vencimento, mediante transferência bancária, para a conta à ordem titulada pela autora na Caixa de Crédito Agrícola Mútuo n.º 400000000, sendo que a falta de pagamento de qualquer uma das prestações implicaria o vencimento imediato das demais. Sucede que a R., das prestações referidas, não pagou a 22ª e seguintes, com vencimento em 10 de Novembro de 2005, nem as subsequentes, com excepção das 23ª e 30ª. Sobre os montantes omitidos recaem juros de mora à taxa de juro acordada de 16,01%, acrescida de 4%, a título de cláusula penal, sendo ainda devido o pagamento de imposto de selo, à taxa de 4% ao ano, sobre o montante dos juros vencidos e vincendos. Pretende o pagamento das aludidas importâncias, que calcula, à data da propositura da acção (23/11/2006), em €25.800,32 (vinte e cinco mil e oitocentos euros e trinta e dois cêntimos).

A R. não contestou, tendo-se, por isso, dado cumprimento ao disposto no artigo 484º, n.º 2 do CPC, nada tendo sido alegado por qualquer das partes.

Remeteram-se após os autos para o Tribunal Judicial de Olhão, por se entender ser o territorialmente competente para a apreciação do presente litígio.

Foi então proferida sentença, em que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou-se a R. BB a pagar ao A., Banco AA S.A, a quantia a liquidar ulteriormente correspondente às quarenta e nove prestações de capital, sobre a qual incidirá, a título de cláusula penal, a taxa de 20,01% ao ano, desde 10 de Novembro de 2005, até efectivo e integral pagamento, e ainda no pagamento dos custos atinentes ao imposto de selo, sobre esta incidente, à taxa legal de 4%.

Não se conformando com esta decisão, dela recorreu A., Banco AA, de apelação para o Tribunal da Relação de Évora, tendo-se aí, por acórdão de 15-5-2008, julgado improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

1-2- Irresignado com este acórdão, dele recorreu o A. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.

O recorrente alegou, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões: 1ª- É errado o "entendimento" perfilhado no acórdão recorrido no sentido de que o vencimento de todas as prestações do contrato de mútuo dos autos pela falta de pagamento de uma delas (quer nos termos do disposto no artigo 781º do Código Civil que nos termos do contrato dos autos) apenas abrange a divida de capital e não também o juros remuneratórios ou outras quantias que estavam já incluídas em cada prestação, pelo que o A. apenas teria direito a peticionar e receber o montante do capital acrescido de juros moratórios mas não já o montante correspondente a todas as prestações não pagas, por nela se incluírem os juros remuneratórios acordados 2ª- Na verdade, e salvo o devido respeito, é desde logo errado e infundado o "entendimento" de que o vencimento antecipado das prestações de um contrato de mútuo oneroso por via do artigo 781º do Código Civil, apenas importa o vencimento das fracções da divida de capital e não dos respectivos juros remuneratórios, porquanto o referido preceito legal não faz, nem permite fazer, qualquer distinção entre o vencimento de fracções de capital ou o vencimento de fracções de juros, ou aliás do que quer que seja, bem como não diz ou sequer indicia, por exemplo, que apenas se aplica aos mútuos gratuitos (em que não há juros), e não aos mútuos onerosos (em que há juros), ou vice-versa.

3ª- Mas antes fala, pura e simplesmente, o referido preceito legal em "obrigação", "prestações" e no "vencimento" de todas as prestações mediante a falta de realização de uma delas, e aplica-se, para além do mais, a todos os tipos de mútuo, excepto se for afastada pelas partes, já que se trata de norma supletiva, pelo que não se vê, nem há, pois, qualquer fundamento para se entender que o disposto no artigo 781º do Código Civil distingue entre fracções de capital ou fracções de juros, e menos ainda, que apenas se aplica a fracções de capital ou apenas a fracções de juros. Aliás, muito pelo contrário até.

4ª- Com efeito, qual é a "obrigação" do mutuário para com o mutuante num mútuo oneroso? Será apenas a restituição da quantia ou da coisa mutuada? NÃO, obviamente que não. Isso é a obrigação do mutuário num mútuo gratuito.

5ª- Num mútuo oneroso a "obrigação" do mutuário para com o mutuante é precisamente a restituição da quantia ou da coisa mutuada, mais a retribuição do empréstimo que as partes acordaram, ou seja, habitualmente, os juros (que tanto podem ser constituídos por dinheiro como por qualquer outra coisa fungível), mas não só, pois que a retribuição pode incluir, para além dos juros, outras facetas como os prémios, sendo que não é sequer obrigatória a correspondência entre a coisa mutuada e os juros. Ou seja, a obrigação do mutuário num mútuo oneroso é, desde logo, aliás, a restituição da quantia ou da coisa mutuada e a respectiva retribuição acordada, precisamente pela cedência do dinheiro ou da coisa posta à disposição do mutuário, enquanto que, a obrigação do mutuário num mútuo gratuito é, apenas, a restituição da quantia ou da coisa mutuada cedida ou posta à disposição do mutuário.

6ª- Assim, no caso de mútuo oneroso liquidável em prestações, é a obrigação do mutuário (restituição da coisa mutuada + retribuição do mútuo acordada) que é repartida por tantas fracções (prestações) quantas as partes acordarem, e que, senão "ad initio" (como o recorrente entende que é), pelo menos em caso de incumprimento de uma delas se vencem na totalidade.

7ª- Pelo que, num contrato de mútuo oneroso em que as partes acordaram no cumprimento da obrigação do mutuário (restituição da quantia ou coisa mutuada + retribuição do mútuo) em prestações, é manifestamente errado e contra a própria natureza jurídica do mútuo oneroso, querer proceder-se a qualquer distinção entre "capital" e "juros", ou melhor, entre restituição da quantia ou coisa mutuada e a respectiva remuneração do mútuo acordada, tanto mais que, pela sua própria natureza a obrigação do mutuário num mútuo oneroso é só UMA! - (restituição da quantia ou coisa mutuada + retribuição do mútuo) 8ª- Aliás, ao fazer-se tal distinção está-se, errada, indevida e artificialmente, a equiparar as consequências do incumprimento de um mútuo oneroso com as de um mútuo gratuito, porquanto, se o incumprimento, pelo mutuário, de um mútuo gratuito, dá, por lei (cfr. n.º 2 do artigo 1145º do Código Civil), lugar a mora e ao pagamento de juros moratórios ao mutuante a incidir sobre a quantia ou a coisa mutuada, o "entendimento" de que o incumprimento, pelo mutuário, de um mútuo oneroso, obriga a distinguir entre "capital" e "juros", ou melhor, entre restituição da quantia ou coisa mutuada e a respectiva remuneração acordada do mútuo (remuneração que, assim, deixa de existir)...

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