Acórdão nº 08A3600 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Dezembro de 2008
Magistrado Responsável | PAULO SÁ |
Data da Resolução | 02 de Dezembro de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - Por apenso à execução n.º 32435/05.744PRT, interposta no 2.º Juízo de Execução do Porto, em que figura como executado, sendo exequente AA, SA.
veio BB deduzir oposição.
Para tanto alega, em síntese: Deve considerar-se válida a denúncia de toda e qualquer convenção de preenchimento de livrança - tácita ou expressa, operada pela carta que remeteu à exequente, devendo considerar-se a obrigação "ad aeternum" contrária à ordem pública, nos termos do artigo 280.º, n.º 2, do Código Civil, constituindo flagrante e brutal abuso de direito a manutenção de uma livrança em branco, em carteira, para a preencher quando der "na real gana" do seu possuidor.
Notificada da aludida oposição, contestou a exequente, pugnando pela improcedência das invocadas excepções e nulidades e pela manutenção do título dado à execução, salientando, também em resumo e no essencial, que a livrança exequenda foi preenchida em conformidade com a respectiva convenção.
Foi dispensada a realização de audiência preliminar e foi proferido saneador-sentença, no qual se decidiu julgar procedente, por provada a oposição à execução e determinou-se, em consequência, a extinção da execução contra o opoente.
Inconformado, interpôs recurso de apelação o exequente, tendo a Relação do Porto vindo a julgar a apelação procedente, revogando a decisão recorrida.
Desse acórdão veio o opoente interpor recurso, ora de revista, recurso que foi admitido.
Nas conclusões com que remata as suas alegações, diz o recorrente: I. A ponderação das consequências da decisão constitui um factor relevante da realização do direito, habilitando as regras da "interpretação sinépica" o intérpreteaplicador a pensar "através de consequências" que permitem, pelo conhecimento e ponderação dos efeitos das decisões, repudiar qualquer resultado injusto, ainda que de conformidade formal, assim prosseguindo, na vida jurídica, a realização integral do direito.
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Sendo o Recorrente a parte fraca, por débil economicamente e a menos preparada tecnicamente, de uma relação concluída com um contraente profissional, dever-lhe-á ser amplamente permitido o recurso a todos os meios de defesa, como forma de o proteger face à sua evidente fragilidade.
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Mostra-se violado o disposto no n.º 3 do art. 9.º do C. Civil, em cujos termos a solução injusta no resultado não pode ser entendida como vontade da lei; III. Pelos motivos invocados na precedente conclusão, o banco, enquanto parte forte, económica e juridicamente, dispondo de quadros com uma preparação e formação muito superior à média, estava obrigado, ao receber a carta do recorrente solicitando a retirada do seu aval a partir daquela data, a responder-lhe, informando-o de que não iria considerar o seu pedido, ao invés de se remeter ao silêncio concupisciente, e, contando com o aval cuja pretensão de retirada fora manifestada, prosseguir em sucessivas renovações do contrato, efectuando novos financiamentos à empresa do avalizado, sem o informar de qualquer destes actos.
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Mostra-se violado o n.º 2 do art. 762.º do C. Civil e o princípio geral da boa-fé que nele se contém, de onde decorre a obrigação de informação que, uma vez violada, implica a libertação da responsabilidade do recorrente em relação ao aval cuja retirada solicitou; IV. A relação que intercede entre o avalista do subscritor e o beneficiário de uma livrança é uma relação imediata, na medida em que a obrigação daquele encontra como primeiro credor o beneficiário, o qual assim se lhe opõe directamente.
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Mostra-se incorrectamente interpretado o regime jurídico das letras e livranças, mormente o art. 17.º da Lei Uniforme respectiva, o qual postula interpretação como a que se contém na precedente conclusão.
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Deve considerar-se perfeitamente válida e eficaz, pelo menos para a não renovação do contrato, declaração de um dos seus subscritores a solicitar a retirada do seu aval, quando o contrato depende em absoluto da prestação do aval de todos os intervenientes, sempre teve prazo certo e nele se prevê, desde o início, que qualquer das partes, por sua iniciativa, pode denunciá-lo através do meio usado pelo recorrente (carta registada com aviso de recepção). Sendo este contrato que funda o pacto de preenchimento de livrança invocado para este acto no título dado à execução, a denúncia daquela forma operada implica a caducidade da autorização de preenchimento da livrança no que aos recorrentes concerne.
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Mostra-se violado o art. 10.º da LULL, do qual resulta a contrario sensu, que o preenchimento da letra pelo subscritor do pacto respectivo, contra este pacto - no caso, para além da sua vigência, no que ao recorrente concerne - pode ser-lhe oposta, já que demonstra inequívoca má-fé e, logicamente, falta grave.
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Mesmo que inexistissem as cláusulas referidas na conclusão anterior, deve sempre considerar-se válida a desvinculação ad nutum do avalista, face a eventual inexistência de convénio ou acordo nesse sentido, atenta a "repugnância, retratada no n.º 2 do art. 280.º do C. Civil", da lei pelas obrigações "ad aeternum", devendo julgar-se inerente às relações jurídicas de duração indeterminada a faculdade de se lhes pôr termo mediante denúncia.
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Mostra-se violado o n.º 2 do art. 280.º do Código Civil, já que a tese de que o aval é irrevogável, convertendo-o assim em obrigação desprovida de limite de tempo é contrária à ordem pública, bem como a al. j) do art. 18.º do D. L. N.º 446/85 (Lei das Cláusulas Contratuais Gerais) que expressamente proíbe em absoluto a existência de cláusulas com tal conteúdo.
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A decisão que se pretende ver repudiada e se acusa nas anteriores conclusões IV e V, encerra uma interpretação inconstitucional do regime jurídico das letras e livranças, nomeadamente dos artigos 10.º e 17.º da Lei Uniforme respectiva, já que qualquer delas conduz à sonegação do acesso, pelo avalista, à tutela judiciária efectiva, deixando-o totalmente à mercê do avalizado e do credor, os quais, assim, até se podem conluiar para o prejudicarem a seu bel-prazer, sem que lhe seja permitido qualquer controle.
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Mostra-se violado o Art. 20.º da C.R.P., o qual impunha a interpretação que se propugna nas conclusões referidas no corpo desta.
Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentação II.A.
De Facto II.A.1.
Foram dados como provados pelas instâncias os...
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