Acórdão nº 2889/08.6TBCSC-B.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Junho de 2014

Magistrado ResponsávelGRANJA DA FONSECA
Data da Resolução26 de Junho de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA, Ldª, veio, na providência cautelar, requerida por BB, SA, contra CC e mulher, DD, a correr termos no 1o Juízo Cível de Cascais, deduzir embargos de terceiro, pedindo a restituição da respectiva posse sobre prédio, do qual é proprietária, objecto de diligência ali ordenada.

Contestou apenas a primeira embargada, alegando, em síntese, que, em 2004, CC e DD eram arrendatários de uma fracção do imóvel objecto destes autos, os quais, como os demais inquilinos, foram notificados pelos então proprietários da sua intenção de venda do dito prédio.

Nessa sequência, a embargada BB e os embargados CC e DD acordaram verbalmente que estes exerceriam o direito de preferência na aquisição do prédio e que o venderiam à sociedade embargada, quando esta quisesse, pelo mesmo preço, contra a entrega de € 100.000, a título de ganho no acto pelo qual lhe vendessem o imóvel. Mais se obrigou a embargada BB a entregar entretanto todos os meios necessários para os embargados CC e DD fazerem face aos encargos com a promessa de compra e venda e com a venda respectiva, assumindo também efectuar a gestão do imóvel e suportar todos os encargos enquanto os CC e DD fossem seus proprietários.

Em 22/12/2004, na sequência deste acordo, CC e DD celebraram com os então proprietários do imóvel um contrato promessa de compra e venda do prédio, na qualidade de promitentes - compradores e celebraram com a sociedade embargada um contrato promessa de compra e venda do mesmo prédio, na qualidade de promitentes vendedores, acordando-se em ambos o mesmo preço da compra e venda.

Ficou acordado e clausulado em sede de contrato promessa que a venda prometida pelos CC e DD seria celebrada, quando a embargada BB quisesse, a partir da data em que aqueles adquirissem a propriedade do imóvel e que a mesma poderia ser realizada no mesmo acto em que fosse celebrada a escritura pela qual os promitentes vendedores comprassem o imóvel e que, se assim não fosse, os promitentes vendedores se obrigavam a atribuir eficácia real à promessa de venda à aqui sociedade embargada ou a constituírem um registo provisório de aquisição do prédio a favor da promitente compradora, se e na medida em que esta o pretendesse.

Ficou acordado também que a marcação da escritura pública de compra e venda prometida incumbia à promitente compradora, que deveria, para o efeito, avisar os promitentes vendedores por carta remetida até ao dia 31/10/2005.

Em 3/03/2005 foi celebrada a escritura pública pela qual os embargados CC e DD adquiriram o imóvel, tendo a sociedade embargada entregue àqueles € 350.000 para pagamento do preço de tal aquisição e das despesas da compra e venda.

Realizada a escritura de compra e venda, a embargada recebeu das mãos dos CC e DD as chaves do edifício e dos apartamentos devolutos, também para que pudesse executar diversos trabalhos, designadamente os ordenados pela Câmara Municipal de Lisboa, trabalhos que vieram a ser iniciados em 7/03/2005, com subsequente continuação por determinação da embargada, que já pagou à empreiteira € 53.797,24.

A embargada pagou ainda diversas outras quantias, sendo que o fez, ao longo de um período de mais de dois anos, no âmbito ou em consequência do contrato promessa por si celebrado.

Entretanto, os embargados CC e DD declararam resolver, de forma ilícita, o contrato promessa que haviam celebrado com a BB, imputando a tal sociedade o seu incumprimento, em virtude de, como invocam, ter ocorrido incumprimento culposo atinente à ultrapassagem do prazo limite acordado para a celebração da escritura de compra e venda (31/10/2005), com a consequente resolução do contrato promessa por caducidade.

A ora embargada respondeu à declaração de resolução, salientando que a data aludida foi acordada para o efeito de comunicação da data em que a escritura seria celebrada e não como prazo limite para outorga de tal escritura, a qual poderia vir a ser celebrada em qualquer data determinada pela embargada, sem restrições temporais, pronunciando-a, por isso, ilícita.

Invocou, ainda, que, até 27/02/2007, havia sofrido prejuízos no valor de € 2.859.697,85, cujo pagamento pediu à contraparte, declarando também que estava a exercer o direito de retenção do imóvel.

Na madrugada de 23 para 24 de Fevereiro de 2007, a mando dos embargados CC e DD, foram arrombadas as portas e substituídas as fechaduras de portas dos apartamentos, sendo que então o valor do imóvel ascendia a € 2.500.000.

Conclui, pedindo a improcedência dos embargos.

A embargante replicou, pronunciando-se quanto ao invocado direito de retenção, impugnando a factualidade alegada pela embargada. Mantém as suas posições já expendidas e alega, no essencial, que a tutela do direito não protege simulações, reservas mentais ou negócios encobertos ou ocultos, sendo que a sociedade embargada, se tinha a seu favor quaisquer posições jurídicas e direitos, devia tê-los registado, por forma a dar-lhes publicidade e proteger-se através do registo.

Acrescenta que a embargada nunca teve qualquer posse, nem simples detenção, pelo que não lhe assiste qualquer direito de retenção e que a sociedade embargada, bem como o seu mandatário, ao deduzirem excepção, cuja falta de fundamento eles bem conheciam, omitindo deliberadamente factos por si conhecidos, litigam de má-fé, pelo que deverão ser condenados como litigantes de má-fé, no pagamento de indemnização a liquidar em execução de sentença.

Conclui pela improcedência da excepção deduzida.

Efectuado julgamento, foi proferida sentença que, considerando os embargos procedentes, determinou a entrega do aludido prédio à embargante.

Inconformada, veio a embargada BB interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 12/09/2013, revogou a decisão recorrida, julgando improcedentes os embargos e sem efeito a determinada entrega.

Agora, inconformada, veio a embargante AA recorrer de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, finalizando as alegações com as seguintes conclusões: 1ª - A decisão recorrida não qualificou o contrato em apreço sendo requisito essencial e determinante para a correcta interpretação do direito a aplicar; 2ª - Porquanto não nos encontramos em face de um contrato promessa de compra e venda mas perante um contrato promessa atípico meramente executório que integra um duplo mandato cruzado sem representação e como tal dos seus efeitos nunca poderia resultar o direito de retenção invocado; 3ª - Porquanto não existe qualquer crédito que possa fundamentar o mesmo, nomeadamente respeitando os requisitos exigidos para que se verifique o direito de retenção.

  1. - Ao decidir deste modo o Acórdão recorrido aplicou mal o disposto no artigo 755º, nº 1, alínea f) do Código Civil, face à factualidade dada como provada nas respostas aos quesitos 16º, 21º, 24º, 26º, 28º, 30º, 36º, 37º e 38º.

  2. - A decisão recorrida, violou o disposto no artigo 615º, nº 1, alínea b) do CPC, ao não fundamentar devidamente, como lhe competia, nomeadamente quanto à interpretação a dar à matéria provada no quesito 16º; 6ª - Havendo total ausência de fundamentação quanto à opção do tribunal a quo pela presunção da traditio resultante da entrega da chave, entendendo-a como simbólica, ignorando que as referidas chaves "(…) foram entregues por CC à embargada e à empreiteira EE, Ldª de modo a esta poder executar os trabalhos ordenados pela CML, factualidade de sentido inverso ao decidido.

  3. - Não tendo o cônjuge DD entregue ou autorizado a entrega de chaves do prédio à Embargada BB, imóvel que fazia parte do património comum do casal CC e DD, nunca poderia ter sido conferida a posse por falta de legitimidade por violação do disposto no artigo 1682º-A do Código Civil e, consequentemente, não se materializou a retenção.

  4. - Como também não pode haver retenção por não ter havido publicidade de quaisquer actos materiais praticados pela BB sobre o imóvel, exigíveis para uma posse pública, o que impediu a cognoscibilidade por parte de terceiros, violando o disposto nos artigos 1251º e 1262º do Código Civil.

  5. - A ausência por ocultação da invocada posse que consubstancia a retenção, decorreu de uma acção dolosa de omissão por parte da Embargada BB e dos Embargados CC e DD, violando os princípios da boa-fé.

  6. - A Embargada BB, ao peticionar a restituição de uma posse que não existiu ou que ela própria manteve deliberadamente oculta aos olhos de terceiros de boa-fé, nomeadamente da Embargante e inquilinos, invocando o direito de retenção, age com abuso de direito nos termos do artigo 334º do Código Civil.

  7. - A decisão assenta numa premissa de que a resolução contratual operada pelos Embargados CC e DD foi ilícita, sem contudo ponderar que os CC e DD e a BB, ambos Embargados na presente acção, não têm posições processuais que lhes possibilite o exercício do contraditório entre si, nem resulta da factualidade dada por provada qualquer fundamento que demonstre a ilicitude, o que importou na violação do disposto no artigo 3º e do artigo 607º, n.

    os 3 e 4, ambos do CPC.

  8. - Não permitindo em consequência que a Embargante, enquanto terceira de boa-fé e interessada, também possa sobre esta matéria exercer o contraditório.

  9. - O contraditório sobre a licitude ou ilicitude da resolução e a factualidade provada poderá importar em decisão diferente quanto à questão da retenção.

    Nestes termos e nos mais de Direito, deve o Acórdão proferido ser parcialmente revogado, concedendo provimento ao recurso, sendo proferido novo Acórdão que julgue procedentes os Embargos, determinando a entrega do prédio urbano sito na …, nº … a …, da freguesia de …, Concelho de Lisboa, descrito na 9ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº … da referida freguesia, à Embargante, ora Recorrente.

    Contra – alegou a BB, finalizando com as seguintes conclusões: 1ª - A Recorrida e os Embargados CC e DD celebraram um contrato de mandato sem representação e um contrato-promessa de compra e venda.

  10. - O contrato-promessa de compra e venda...

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