Acórdão nº 7363/07.5TBSTB.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Junho de 2014

Magistrado ResponsávelGRANJA DA FONSECA
Data da Resolução19 de Junho de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

AA intentou contra BB, CC e mulher, DD, EE e marido e FF e marido a presente acção declarativa com processo ordinário, pedindo a condenação dos Réus a reconhecerem a propriedade da Autora sobre o prédio rústico, composto de terreno de cultura, com a área de 54.750 m.

2, situado na Herdade …, denominado …, freguesia de …, concelho de Setúbal, a confrontar de norte e poente com estrada e do sul e nascente com M…., descrito na Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o n.º …/… e inscrito na respectiva matriz predial rústica da freguesia de … sob o artigo …, Secção E (parte) e a entregá-lo imediatamente à Autora livre de pessoas e bens.

Alegou, para tanto e em resumo, ter adquirido a propriedade do imóvel em causa em 11 de Julho de 2000 ao seu legítimo proprietário e possuidor, por escritura pública.

Os Réus construíram no prédio da Autora um conjunto de edificações, constituindo a habitação n.º … da Rua …, …, sem terem qualquer título, fundamento legal ou concessão ou autorização da sua legítima proprietária e recusam-se a abandonar o local.

A Autora veio desistir da instância quanto aos Réus FF, desistência homologada por sentença de 14/12/2007 (fls. 47).

Citados os restantes Réus, contestaram os Réus CC e DD, alegando terem-se instalado, há mais de trinta anos, numa parcela do terreno, localizado à beira da estrada de … – …, com a área aproximada de 3.285,40 m2.

Nessa parcela existiam, há mais de trinta anos, uns casebres, conhecidos pelo monte do …, que se encontravam em ruínas e abandonados, pelo que em 1975 ou 1976 ali se instalou o Réu, delimitando o espaço à sua volta, reconstruindo os casebres, instalou a sua família, casou e teve filhos, ficou viúvo, voltou a casar e teve mais filhos.

Melhorou o terreno, tornando-o produtivo, construiu casa de banho, constituindo assim três fogos; cultivou o terreno, para ali transportando terra arável, cultivou horta, abriu um furo, obteve o abastecimento público de fornecimento de energia eléctrica, vedou o terreno e plantou árvores de fruto.

Tudo há mais de trinta anos, de boa-fé que resulta do abandono em que o prédio se encontrava, à vista de toda a gente, de forma pública e pacífica, sempre agindo como proprietário.

Estas obras aumentaram o valor do prédio, constituindo benfeitorias úteis as quais não podem ser levantadas e cujo valor não é inferior a € 170.000.

Para além de contestar, o Réu deduz pedido reconvencional, com base nos factos supra referidos, nos seguintes termos: a) - Ser o Réu declarado proprietário a título originário, por usucapião, da parcela de terreno sita na … (…), com a área de 3.285,40 m2, no qual se encontra uma construção com um só piso, constituída por três fogos destinados a habitação com a área coberta de 180 m2, com terreno em volta com cultura hortícola, furo de abastecimento de água, 17 sobreiros, pessegueiros, laranjeiras, pereiras e várias videiras, com acesso no cruzamento entre a Estrada da … e Estrada de …-(Rua …) e que confronta a norte com Estrada do …, a sul, este e oeste com terrenos da AA (…), a qual deverá ser desanexada do prédio rústico, composto por terreno de cultura, com a área de 54.750 m2, situado na Herdade da …, denominado …, freguesia de …, do concelho de Setúbal, a confrontar a norte e poente com Estrada e do sul e nascente com Marinha das …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o n.º …/… e inscrito na respectiva matriz predial rústica da freguesia de … sob o artigo …, Secção E (parte) e inscrita a favor da Autora; b) - Condenar-se a Autora a abster-se de praticar quaisquer actos que impeçam, restrinjam ou perturbem o direito do Réu; c) - Subsidiariamente e, caso não seja reconhecido o direito de propriedade do Réu, seja a Autora condenada a pagar ao Réu, a título de benfeitorias realizadas e que não podem ser levantadas, o respectivo valor no montante de € 170.000.

A Autora replicou, invocando que adquiriu o prédio à sua anterior proprietária, GG, L.

da, sendo certo que pela Portaria 304/76 de 17/5 havia esta sido expropriada do referido prédio, tendo tal Portaria vindo a ser derrogada pela Portaria 14/92 de 27/12, com a consequente devolução do prédio aos seus anteriores legítimos proprietários, pelo que, durante todo o tempo em que o prédio esteve expropriado de 1976 a 1992, era insusceptível de ser adquirido por usucapião ou quando muito em condições diversas das invocadas pelos Réus.

Por outro lado, o terreno à data tinha a composição que tem hoje. Os casebres destinavam-se à recolha e guarda de equipamentos agrícolas e descanso ou recolha de pessoal ligado à exploração agrícola de modo que não se encontravam em 1975/76 em ruínas ou abandonados mas aguardando a utilização que a época de então tornava inútil, sofrendo as normais deteriorações desse próprio aproveitamento. Só em 2007 o Réu procedeu à delimitação do espaço em volta ao aperceber-se da oposição da Autora. O Réu limitou-se a introduzir nos casebres as beneficiações, absolutamente, indispensáveis. A sua posse baseou-se sempre na mera tolerância do proprietário. O Réu nunca agiu ou se considerou como proprietário mas sim como utilizador precário até que surgisse o proprietário e viesse a reclamar a parcela.

Impugna os restantes factos invocados pelos Réus e bem assim o valor atribuído às benfeitorias. Invoca ainda que tais obras levadas a cabo pelos Réus em nada beneficiaram a propriedade, não sendo úteis nem valorizando a mesma, antes pelo contrário a Autora é que ainda terá de suportar os encargos com a demolição das construções e a remoção do que delas restar.

Termina concluindo pela improcedência do pedido reconvencional.

Foi notificado o Réu para comprovar o registo do pedido reconvencional, o que fez (fls. 144 a 146).

Foi elaborado despacho saneador e seleccionada a matéria de facto, que não sofreu reclamação.

Por despacho de 4/4/2011 foi alterada a redacção do quesito 1º.

Da redução do pedido reconvencional.

Procedeu-se à realização de audiência de discussão e julgamento, tendo no início da mesma os Réus requerido a redução do pedido reconvencional, nos seguintes termos: 1 - Dado que a perícia efectuada não se pronunciou clara e inequivocamente quanto ao quesito que pretendia saber qual o fim principal da parte do prédio reclamado, se de habitação e se de agricultura, dando-se pela qualificação de rústico, uma vez que a área descoberta era superior à área edificada, sendo esta (a edificada) de 301,00 m2 os reconvintes reduzem para 300,00 m2 a área da parte descoberta compaginando-se esta à parte do logradouro constituído pelo caminho de acesso às traseiras das edificações e a horta com foro hertziano.

2 - Em consequência desta redução do pedido principal e tendo em conta que o pedido subsidiário foi formulado em princípio de 2008, altura em que os valores imobiliários estavam em pleno desenvolvimento, o que presentemente não ocorre, reduzem para metade do valor então reclamado, ou seja € 170.00,00 para € 85.000,00.

Tal redução foi admitida por despacho, conforme consta da acta respectiva.

Oportunamente, foi proferida sentença, tendo-se decidido: 1 - Julgar a acção procedente por provada e, em consequência, condenar os Réus a reconhecer a propriedade da Autora sobre o prédio rústico, composto de terreno de cultura, com a área de 54.750 m 2, situado na Herdade da …, denominado …, freguesia de …, concelho de Setúbal, a confrontar de norte e poente com estrada e do sul e nascente com …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o n.º …/… e inscrito na respectiva matriz predial rústica da freguesia de … sob o artigo …, Secção E (parte) e a entregá-lo imediatamente à Autora livre de pessoas e bens.

2 - Julgar improcedente o pedido reconvencional.

Os co-Réus CC e DD, não se conformando com a decisão, interpuseram recurso de revista per saltum, finalizando a alegação com as seguintes conclusões: 1ª - O pedido reconvencional dos Réus, aqui recorrentes, foi julgado improcedente pela douta sentença e da qual vai interposto o presente recurso.

  1. - Tal pedido de aquisição da identificada parcela, nos autos, de parcela de terreno do prédio rústico designado «Herdade …» e a desanexar da mesma, foi rejeitado por se considerar a posse invocada de má-fé e por durar apenas um período de tempo inferior a 16 anos.

  2. - Para tal contagem do tempo de posse da identificada parcela pelos Recorrentes foi desconsiderado todo o tempo que decorreu desde finais de 1974 até 9 de Janeiro de 1995.

  3. - Fundamentou-se tal contagem na interpretação da norma constante do artigo 21º da Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro, segundo a qual os actos ou contratos, relativos aos prédios expropriados, praticados depois do início do processo de expropriação dos quais resulte uma diminuição da área expropriável são ineficazes.

  4. - Tal norma foi interpretada no sentido de que o período de posse exercida entre 1974 e 1992 - ano em que cessou a expropriação por derrogação da portaria que a ordenou - não deve ser contado para efeitos de usucapião dado que a referida norma os considera ineficazes.

  5. - Consideram os Recorrentes que tal interpretação é redutora e vai para além da dita norma.

  6. – Com efeito, os actos e contratos referidos naquela norma são actos jurídicos e não actos materiais acompanhados ou não de uma motivação/convicção psicológica e de cuja permanência/continuidade no tempo a lei faz depender certos e determinados efeitos.

  7. - A posse, mesmo que exercida como se de proprietário se tratasse e como é o caso dos autos, enquanto não tivesse certo tempo (20 anos) e fosse invocada não teria qualquer efeito jurídico, em especial, era inapta para diminuir a área expropriável e para impedir os fins da expropriação.

  8. - Logo, tal posse não está afectada pela ineficácia estabelecida pela citada norma constante do artigo 21º da Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro.

  9. - Também a norma em causa não declara tais actos como inexistentes mas apenas ineficazes.

  10. -...

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