Acórdão nº 1051/11.5TTSTB.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Maio de 2014

Magistrado ResponsávelANTÓNIO LEONES DANTAS
Data da Resolução28 de Maio de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I Em 21 de Dezembro de 2011, AA participou ao Ministério Público, na comarca de Setúbal, um acidente de trabalho de que tinha sido vítima, ocorrido em 6 de Dezembro de 2010, indicando como responsáveis a COMPANHIA BB, SA e CC CLUB, S.A.D.

Realizado exame médico singular na fase conciliatória do processo, foi atribuída ao sinistrado uma incapacidade permanente parcial de 8,039%, tendo a data da consolidação das lesões sido considerada fixável em 12/05/2011.

Na tentativa de conciliação não foi possível obter acordo, porquanto tanto o sinistrado como a seguradora discordaram do grau de incapacidade permanente parcial atribuído pelo perito singular.

A seguradora requereu a realização de exame por junta médica.

Efectuada a referida junta, os peritos, por maioria, consideraram que o sinistrado se encontra afectado de uma IPP de 8,039%, mediante aplicação da tabela de comutação específica dos praticantes desportivos profissionais e tendo em conta o factor de bonificação de 1,5, decorrente do artigo 5.º das Instruções Gerais da TNI. O perito da seguradora emitiu parecer divergente, atribuindo ao autor a incapacidade permanente parcial de 3%, manifestando, ainda, a sua discordância com a atribuição do factor 1,5, por contrariar as instruções da TNI.

Foi, então, proferida sentença, cuja parte decisória tem o seguinte teor: «Destarte, condeno a Ré Companhia BB, S.A. a pagar ao sinistrado AA, com efeitos a partir de 13.05.2011, na sua residência e de harmonia com os n.ºs 1 e 2 do art. 72.º da Lei 98/2009, a pensão anual e vitalícia de € 4.310.24, acrescendo juros de mora, à taxa do art. 559.º, n.º 1 do C Civil, em relação às pensões já vencidas e até integral pagamento.

Pagará, ainda, € l0,00 das despesas de deslocação.

Fixa-se à acção o valor de € 75.676,26».

Inconformada com esta decisão dela recorreu a Ré Seguradora para o Tribunal da Relação de Évora[1].

O recurso interposto veio a ser conhecido pelo Tribunal da Relação, por acórdão de 19 de Setembro de 2013, cujo dispositivo é do seguinte teor: «Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação e, em conformidade, revogam parcialmente a sentença recorrida: a) - determinando que por força da inaplicabilidade do factor de bonificação 1,5, o autor se encontra afectado de uma IPP de 5%, desde o dia seguinte ao da alta definitiva, ocorrida em 12/5/2011.

  1. - condenando a Companhia BB, S.A., no pagamento ao autor de uma pensão anual e obrigatoriamente remível de € 2.680,83, devida desde 13/5/2011, acrescida dos respectivos juros moratórias, devidos desde 13/5/2011 e até integral pagamento, à taxa anual legal; c) - no mais, mantém-se a sentença recorrida.

    Custas pela seguradora.» Irresignado com esta decisão, dela recorre o Autor, de revista, para este Supremo Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões: «

  2. O factor 1,5 é aplicável ao caso concreto.

  3. Não é correcto o entendimento do Venerando Tribunal da Relação de Évora segundo o qual o factor de bonificação 1,5 é de aplicação taxativa, só se aplicando aos casos expressamente previstos no n.º 5 das instruções gerais da TNI.

  4. Não é correcta a interpretação feita pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora de que o n.º 7 das instruções gerais da TNI apenas permite ao perito extravasar os coeficientes previstos na mesma, mas nunca alargar a aplicação do factor l,5 a situações não previstas nas alíneas a. e b. do n.º 5 daquelas instruções.

  5. O objecto do presente recurso reveste de particulares relevâncias social e jurídica, pelo que o presente recurso deve considerar-se de revista, mas também de revista excepcional.

  6. A T.N.I. (Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro) não é taxativa, não é fechada.

  7. O Tribunal recorrido não pode colocar entraves aos técnicos dizendo como devem fazer a avaliação e valoração das sequelas que o sinistrado apresenta.

  8. Os senhores peritos, desde que o justifiquem, podem ir além dos valores mencionados nas tabelas, introduzindo-lhes inclusive factores correctivos (vide n.º 7 das instruções gerais da TNI).

  9. O IML, IP dá instruções aos seus peritos e aos que têm o curso de avaliação de dano corporal de como avaliar.

  10. A aplicação do factor 1,5 feita pelos senhores peritos e pela sentença de primeira instância é correcta, legal e segue as instruções dadas pelo IML,IP.

  11. Há obrigatoriedade da aplicação do factor 1,5 por imposição do n.º 5 das Instruções gerais da TNI quando o membro/órgão sinistrado seja indispensável ao desempenho da profissão, como é o caso do joelho do recorrente.

    1) O sinistrado padece de graves sequelas fruto do acidente com diminuição de forma relevante do desempenho profissional do Sinistrado, apesar de continuar a ser profissional de futebol.

  12. O sinistrado tem uma actividade exigentíssima do ponto de vista físico, atreita a contactos físicos, pontapés na bola violentos, saltos, corrida, travagens bruscas, rápidas mudanças de direcção, quedas, exercício da profissão em terrenos e climas adversos, etc.

  13. É indispensável ao jogador de futebol encontrar-se em excelentes condições físicas, em especial não tendo problemas nos membros inferiores, o que não é o caso.

  14. O quadro clínico num jogador profissional de futebol é grave, já que o sinistrado usa as pernas e joelho como instrumento de trabalho.

  15. As sequelas que o sinistrado, futebolista, apresenta foram devidamente valoradas e bonificadas pelos senhores peritos e pelo Sr. Juiz de Primeira instância, aplicando convenientemente as regras de avaliação médica ao caso concreto.

  16. A decisão recorrida interpretou e aplicou erradamente as alíneas a) e b) do n.º 5 e o n.º 7 das instruções gerais da Tabela Nacional de Incapacidades.

  17. O n.º 7 das instruções gerais daquele diploma é claro ao permitir ao perito, sempre que circunstâncias excepcionais o justifiquem, afastar-se dos valores dos coeficientes previstos, desde que exponha claramente e fundamentando as razões para tal e indicando o sentido e a medida do desvio em relação ao coeficiente em princípio aplicável à situação concreta em avaliação.

  18. Em nenhures da TNI e, em especial no n.º 7 das Instruções gerais, se proíbe que o afastamento dos valores constantes da TNI se faça por via de aplicação correctiva do factor 1,5.

  19. Onde o legislador não diferencia, não pode o aplicador da lei/julgador fazê-lo.

  20. O legislador não impôs aos peritos a via pela qual se podem afastar dos valores constantes da TNI, nem tão pouco lhes proibiu que esse afastamento se possa realizar por via de aplicação de factor superior a 1.

  21. Não vemos nenhuma razão válida, e muito menos de ordem literal, que impossibilite os peritos médicos de aplicarem o factor 1,5 a situações não previstas no n.º 5 das instruções gerais.

  22. Violou o Tribunal recorrido em termos de interpretação e aplicação legal o n.º 7 das instruções gerais da TNI u ) Violou ainda a decisão recorrida o n.º 2 do art.º 9.º do Código Civil.

  23. Mesmo que se considerasse a lei pouco clara quanto à forma como os peritos médicos podem fugir à aplicação dos valores estabelecidos na TNI, a existência de dúvida deve conduzir o aplicador da lei a não prejudicar o sinistrado.

    z ) O entendimento do Tribunal da Relação de Évora é prejudicial ao trabalhador/ sinistrado, e, como tal, violador do princípio favor laboratoris.

    a

  24. O entendimento do Tribunal recorrido de que o n.º 5, alíneas a) e b) das instruções gerais da TNI são de aplicação taxativa é ilegal e constitui violação do princípio da igualdade, previsto no art.º 13.º da CRP, que manda tratar por igual o que é igual, e de modo diferente o que é diferente.

    ab) Violou ainda, consequentemente, os art.ºs 9° e 10.º do Código Civil.

    ac) Caso a instrução geral n.º 5 da TNI fosse de carácter taxativo, no caso de um jogador profissional de futebol, jamais seria possível a aplicação do factor 1,5 por força da questão etária, o que é um tratamento de desfavor face à generalidade dos trabalhadores, e, por conseguinte, violador do princípio constitucional da igualdade previsto no art.º 13°, n.ºs 1 e 2 da CRP.

    ad) O Tribunal recorrido não fez uma correcta interpretação legal, não soube como lhe competia, permitir a aplicação analógica de um preceito que corrigiria a injustiça da situação e que se enquadra no espírito do legislador e daquilo que pretendeu salvaguardar com o n.º 7 das instruções gerais da TNI.

    ae) Do ponto de vista da interpretação analógica para integração de lacuna, devia o Tribunal recorrido ter entendido que as razões invocadas nos relatórios periciais, como expressas na decisão de primeira instância são exactamente as mesmas que levaram a aplicação do factor 1,5 às situações de alteração visível do aspecto físico, consideradas expressamente na alínea b) da instrução geral n.º 5 da TNI.

    af) A decisão recorrida ao retirar a aplicação do factor 1,5 e diminuir para 5% a I.P.P. do sinistrado sem fundamentar de facto e de direito a aplicação desse valor é nula, nos termos do art. 666.º e 615.º, n.º1, b) do C.P.C, ou pelo menos encontra-se em oposição com a matéria de facto dada por provada de que as lesões de que o sinistrado ficou a padecer são graves e afectam de forma muito relevante o seu desempenho profissional, o que conduz à nulidade prevista nos art.º 666.º e 615.º, n.º 1, c) do C.P.C. ag) O Tribunal recorrido devia no mínimo ordenar a repetição de junta médica (pois é nela que se estriba a sentença), ou ordenar ao Tribunal de primeira instância que se pronunciasse/avaliasse fundamentadamente as lesões constatadas, sem aplicação do factor 1,5.

    ah) A decisão do Tribunal recorrido é também nula por violação dos art.ºs 666.º e 615°, n.º 1 a1ínea d) do CPC.

    ai) Apesar do Tribunal ser livre na apreciação do meios de prova e da relevância que dá aos juízos técnicos, está-lhe vedado intrometer-se nesses juízos, cindindo partes que por natureza são indivisíveis: a avaliação deve ser vista como um todo.

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