Acórdão nº 3444/11.9TBTVD.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Maio de 2014

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução15 de Maio de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA, nascida em … de Janeiro de …, na qualidade de filha e herdeira de BB, “veio intentar acção de averiguação oficiosa de maternidade, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1808º do Código Civil contra CC (em representação de DD)”, “única herdeira sobreviva de BB que se conhece”.

Pediu que se declare que BB, nascida em …de Março de …, filha de EE e de FF, era mãe de BB, sua mãe, nascida em … de Fevereiro de … e filha de “GG (‘) …”.

A ré contestou, sustentando: que a autora “não pode intentar acção de investigação oficiosa contra a ré, pois este tipo de acção é da competência do Ministério Público” e por já ter decorrido o prazo de dois anos previsto no artigo 1809º do Código Civil., ocorrendo assim manifesto “erro de meio processual utilizado”; que a petição inicial era inepta; que a autora era parte ilegítima, por ter a maternidade estabelecida – “é a sua mãe (…) quem aparenta não ter a respectiva maternidade estabelecida”; que o direito da mãe da autora, de investigar a maternidade, se extinguiu por caducidade, quando ainda era viva; que ela própria, ré, era também parte ilegítima, como resultava do artigo 1819º do Código Civil, por ser apenas “alegada sobrinha” da “alegada mãe” da autora; que nunca “poderia estar em juízo desacompanhada dos demais familiares da alegada mãe”; e que desconhecia e não tinha de conhecer os factos que a autora alega para fundar a declaração de maternidade.

A autora replicou e requereu a intervenção principal de HH, II, JJ, KK e LL, requerendo ao tribunal que “proceda às buscas nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 244º do CPC, junto das entidades e serviços de identificação civil, da segurança social, DGI e IMTT” a eles relativas e, ainda, que “se digne notificar a Ré para que venha aos autos informar os elementos de que dispõe acerca dos mesmos”.

Foi produzida antecipadamente prova testemunhal.

No despacho saneador, a autora foi absolvida da instância, por ilegitimidade, com base no disposto nos artigos 1818º e 1817º do Código Civil: Em síntese, a 1ª Instância entendeu tratar-se de uma acção de investigação da maternidade de BB, nascida em …; e que a lei aplicável era a que se encontrava em vigor à data do exercício do direito, ou seja, “o regime dos artigos 1803º e seguintes [do Código Civil], na redacção introduzida pela Lei nº 14/2009, de 1 de Abril”.

Assim, concluiu que se encontrava já esgotado o prazo resultante da conjugação entre os artigos 1817º, nº 1 e 1818º do Código Civil e que, nos termos deste último preceito, a autora não tinha legitimidade para propor a acção: “Ora, entendendo-se ser de aplicar o postulado no artigo 1817.º, n.º 1 do Código Civil, aplica-se, por conseguinte, à presente acção o prazo de caducidade de 10 anos após a maioridade ou emancipação da pretensa filha, demonstrando-se esta conclusão relevante para aferir, como supra referimos, da legitimidade da autora em propor a presente acção, uma vez que o prescrito no artigo 1818.º do Código Civil faz depender a legitimidade para intentar a acção dos descendentes do direito do pretenso filho não ter caducado.” A decisão foi confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls.151.

  1. A autora interpôs recurso de revista excepcional, que foi admitido pela decisão de fls. 233.

    Nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões: “1- O artigo 26.º da CRP prevê o direito à identidade pessoal, considerado enquanto um direito à historicidade pessoal, origem/ascendência biológica de cada um; 2- Considera a Recorrente que o direito a propor acção de investigação de maternidade (1814.º e seguintes, do CC.) não deve depender de nenhum prazo, mas apenas da vontade do filho (investigante) uma vez que se trata de um direito íntimo e pessoal.

    3- Direito esse que é transmissível ao cônjuge não separado de pessoas e bens ou aos descendentes, cfr. Artigo 1818.º do Código Civil.

    4- E que pode (e deve, dizemos nós) ser reconhecido mesmo após a morte do titular deste direito, ou seja, mesmo após a morte do filho investigante.

    5- Para além disto, a investigação da maternidade e/ou paternidade tem também um interesse geral, se pensarmos, por exemplo, nas situações, infelizmente nada raras, de doenças hereditárias, onde a informação é essencial para a cura e ou prevenção de doenças, nas situações de doenças para as quais é urgente encontrar um dador compatível de sangue, transplante de medula, ou outro. E tem também influência nas situações dos chamados "impedimentos matrimoniais".

    6- Do estabelecimento da filiação advêm, inclusivamente, vários poderes e deveres, os quais só são atendíveis se a filiação se encontrar legalmente estabelecida, vide artigo 1797.º do C.C ..

    7- Antes da entrada em vigor da Lei 14/2009, de 1 de Abril, já existiam limites temporais para o exercício do direito de acção de investigação de maternidade, os limites agora estabelecidos baseiam-se, ao fim e ao cabo, nos mesmos pressupostos que deram origem à redacção da norma do 1817.º, embora agora ligeiramente alterada.

    8- Os quais estão absolutamente desajustados à sociedade dos nosso dias e contrariam de forma gritante todo o espírito do capítulo I, do Título III, do Livro IV do Código Civil.

    9- Isto porque alegada insegurança proporcionada pela inexistência de prazo de caducidade funcionaria para os dois lados – para o investigante e para o investigado.

    10- E porque negar a possibilidade que o investigante veja reconhecida a sua condição de filho ou neto, por via de um prazo de caducidade, é nada mais, nada menos do que, premiar o pai ou a mãe pela sua irresponsabilidade, negligência e desinteresse pelo filho.

    11- No que concerne ao argumento do "interesse patrimonial" que poderia estar por de trás da propositura da acção de investigação, não podemos deixar de referir que, se o exercício e o consequente reconhecimento do parentesco entre uma mãe e um filho tem ou não, consequências, nomeadamente, ao nível sucessório, atribuindo determinados direitos patrimoniais, trata-se de uma questão secundária, mas inevitável e que também não pode ser, por via da norma do artigo 1817.º do CC, restringida.

    12- Aliás o legislador pronunciou-se quanto aos efeitos da filiação de forma bem clara e não deixando margem para dúvidas no artigo 1797.º do CC quando referiu que a filiação tem efeitos retroactivos.

    13- Não se queira por via do prazo dos dez anos limitar este efeito retroactivo do 1797.º.

    14- Mas pense-se que, para além dos benefícios patrimoniais que um filho pode vir a...

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