Acórdão nº 8476/03.8TBCSC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Abril de 2014

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução10 de Abril de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc.8476/03.8TBCSC.L1.S1.

R-446[1] Revista Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA e BB instauraram, em 21.10.2003, no Tribunal Judicial da Comarca de Cascais – 3º Juízo Cível – acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra: Companhia de Seguros “CC, S.A.

Pedindo que a Ré seja condenada no pagamento do valor por eles entregue e do lucro que deixaram de obter, além dos juros, por ser a Ré seguradora da sociedade de mediação imobiliária.

Para fundamentarem a sua pretensão alegam, em síntese, que acordaram com a sociedade de mediação imobiliária “DD, Lda.”, através do seu empregado EE, um negócio de investimento que consistiu na celebração de três contratos promessa de compra e venda de fracções de um imóvel em construção, que aquela sociedade se comprometeu depois a comercializar com um lucro, para os AA., de € 10.000,00 por fracção.

Assim, os AA. entregaram, ao referido empregado da mediadora, um cheque no valor de € 56.862,96 de sinal referente aos três contratos, que foram também subscritos em momentos diferentes e através da mediadora, pela construtora do imóvel, a sociedade “FF, Lda.”.

Vieram depois a saber que esse cheque não foi entregue à construtora do imóvel, tendo sido levantado pelo referido empregado da mediadora.

Regularmente citada, veio a Ré contestar, referindo que poderá estar em causa apenas o cumprimento dos contratos promessa e não qualquer responsabilidade derivada da actividade da sua segurada.

A Ré veio requerer a intervenção principal das sociedades “DD, Lda.” e “FF, Lda.

”, e ainda de EE.

O pedido foi deferido em relação às duas sociedades e indeferido quanto ao último.

A Ré Companhia de Seguros “CC, S.A.”, inconformada com a decisão que indeferiu a intervenção principal de EE, dela interpôs recurso de agravo.

A interveniente “DD, Ldª” apresentou contestação, defendendo-se por excepção e por impugnação.

Em sede de excepção, invocou a incompetência territorial do Tribunal, em virtude da existência de uma queixa-crime.

Em impugnação, alegou que o EE não era seu empregado, que desconhece os factos e que não fez suas as quantias indicadas pelos Autores.

Os AA. replicaram, mantendo a posição já defendida na petição inicial.

Foi proferido despacho saneador a julgar improcedente a excepção de incompetência do Tribunal e a seleccionar a matéria de facto provada e a provar.

*** A final foi proferida sentença que decretou: “Nestes termos e com os fundamentos mencionados, julga-se a acção parcialmente procedente por provada e condenam-se as Rés Companhia de Seguros CC e “DD” no pagamento aos Autores da quantia de € 56.862,96, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até pagamento, absolvendo-se do restante pedido. […].

” *** A Ré Companhia de Seguros “CC, S.A.” apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por Acórdão de 29.10.2013 – fls. 420 a 439: - Negou provimento ao agravo interposto pela Ré Companhia de Seguros “CC, S.A.”, confirmando a decisão recorrida.

- Negou provimento ao recurso de apelação interposto pela Ré Companhia de Seguros “CC, S.A.”, confirmando na íntegra a Sentença recorrida.

*** De novo inconformada, a Ré seguradora recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça e a, alegando, formulou as seguintes conclusões: a) O negócio celebrado entre a segurada da ora recorrente e os ora recorridos não foi de mediação imobiliária, tendo em consideração a definição legal e os requisitos da actividade de mediação dada pela doutrina.

b) Tal negócio traduziu-se, como se diz no Acórdão recorrido, num investimento, traduzido no pagamento de uma quantia por cada fracção a construir num certo prédio, com posterior recebimento, pelos ora recorridos, dos valores assim investidos acrescidos de uma margem de lucro e quando as mesmas fracções fossem vendidas a outrem.

  1. Tal negócio não tem os contornos da prática de actos materiais com vista ao encontro de vontades entre eventuais contraentes com vista à celebração de um negócio entre ambos.

  2. Porque assim é, o contrato de seguro dos autos não abrange os danos eventualmente causados pela DD na concretização de tal negócio, visto que aquele apenas garante os danos emergentes da actividade de mediação imobiliária.

  3. Porque os alegados danos dos AA. não resultaram do exercício pela DD de uma actividade classificável como de mediação imobiliária, aqueles não estão garantidos pelo contrato de seguro ajuizado.

  4. Os ora recorridos celebraram, porém, três contratos-promessa de compra e venda, cada um relativo a uma fracção a constituir num prédio ainda em construção. Ora, g) Ou tais contratos são válidos — e os ora recorridos não podem, ou não podiam, deixar de os cumprir — ou tais contratos não são válidos pela exclusiva razão de terem sido celebrados com reserva mental pelos ora recorridos.

  5. No primeiro caso — serem os contratos válidos —, deveriam os AA. ter promovido o seu cumprimento, marcando as respectivas escrituras e convocando a FF para nestas comparecer e celebrar os negócios prometidos.

  6. Se o não fizeram, tornaram-se os AA. os incumpridores, já que a eles cabia a marcação das escrituras.

  7. De qualquer modo, não se alegou nem demonstrou nos autos que os ora recorridos tivessem pretendido cumprir os contratos — e que os mesmos não foram cumpridos pela FF — do que resulta que estes ainda podem ser cumpridos ou, não o podendo, tal só pode dever-se à conduta dos próprios recorridos por não terem cumpridos as obrigações que para si decorriam desses contratos-promessa, como a de marcar as escrituras e convocar a promitente-vendedora para as mesmas.

  8. Numa situação como noutra, os AA. não têm o direito de repetir o que prestaram.

  9. Se os contratos-promessa são inválidos face à reserva mental dos próprios AA. — e outra causa não se vislumbra — então não se vê porque haja dano por parte de quem deu causa a essa invalidade.

  10. Com o que, também por abuso de direito, não teriam os ora recorridos direito a qualquer indemnização.

  11. O Acórdão recorrido, como já o fizera a sentença recorrida, não enumera quais os actos ou omissões concretamente praticados pela DD e que possam ter sido geradores de responsabilidade sua e, menos ainda, que a mesma estivesse transferida para a ora recorrente.

  12. A menção ao art. 24°, n°2, alínea c), do Decreto-Lei n° 77/99, de 16 de Março, não supre essa falta, já porque aí se definem garantias de responsabilidades dos mediadores imobiliários — e não a génese de tais responsabilidades —, já porque tais actos ou omissões estão tipificados no art. 18° desse diploma, aí se definindo as obrigações que, violadas por actos ou omissões, geram as responsabilidades a garantir nos termos das normas citadas.

  13. Ora, não se vislumbra que actos ou omissões foram praticados pela DD de forma a gerarem uma responsabilidade civil desta.

  14. Até porque não resulta dos factos assentes quem realmente recebeu os sinais prestados — se a DD, se o EE, se o sócio-gerente da FF em nome de quem os cheques estavam endossados, ou até mesmo se as quantias não foram recebidas pela FF, já que a única coisa que ficou demonstrada foi que esta nunca pediu a entrega de tais quantias — facto 22°.

  15. E não se podendo afirmar que a DD ou o EE se apoderaram desses valores, não há como responsabilizar a primeira e, menos ainda, a ora recorrente pela devolução dessas quantias.

  16. Como quer que seja, a garantia dessa eventual responsabilidade da DD, a enquadrar então na violação da alínea f) do n° 1 do art. 18° do diploma aqui em causa, só subsidiariamente, e no que excedesse a caução necessária ao exercício da actividade de mediação imobiliária, seria o seguro de responsabilidade civil ajuizado.

  17. Isto é, a garantia dessa eventual responsabilidade estaria prevista, não na alínea c), mas na alínea a) do n° 2 do art. 24° do diploma em causa, pelo que os ora recorridos apenas teriam direito a ser ressarcidos por força do contrato de seguro ajuizado após e se se esgotasse a caução prestada pela DD.

  18. Com o que, também com estes fundamentos a acção teria de improceder.

  19. Foram violadas as normas dos arts. 244°, 334°, 410° e seguintes, 483° e seguintes, 562° e seguintes e 879°, todos do Código Civil, e 3°, 18°, 19°, 23° e 24° do Decreto-Lei n° 77/99, de 16 de Março.

Termos em que deve ser revogado o Acórdão recorrido e, julgando-se a acção improcedente por não provada, deve a ora recorrente ser absolvida do pedido.

Não houve contra-alegações.

*** Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos: 1) - A Ré celebrou com a Associação Portuguesa GG um contrato de seguro titulado pela apólice nº …, cuja cópia consta de fls. 60, com o limite de 50.000.000$00 por período de seguro e sinistro, ao qual aderiu a Ré “DD – …, Lda.”, seguro regulado pelas condições da “Apólice Uniforme de Responsabilidade Civil das Entidades Mediadoras Imobiliárias”.

2) - Nos primeiros meses do ano de 2000, nos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT