Acórdão nº 4612/05.8TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Dezembro de 2013

Magistrado ResponsávelÁLVARO RODRIGUES
Data da Resolução02 de Dezembro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: RELATÓRIO AA, Lda., devidamente identificada nos autos, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra: Administração do Condomínio sito na Rua ..., n° …, em Lisboa, RTP, SGPS, SA., BB, CC e cônjuge DD, EE, FF e cônjuge GG, HH e cônjuge II, JJ e cônjuge KK, LL, MM, NN e OO e PP e cônjuge QQ, todos com os sinais dos autos, pedindo: 1– a declaração de nulidade da deliberação da Assembleia de Condóminos de 31.1.1998, que aprovou o Regulamento Geral do Condomínio; 2 – a declaração de nulidade do Regulamento Geral do Condomínio; 3 – a declaração de que pertence à fracção "B" a escada de acesso à dita fracção e a condenação dos réus na elaboração de um regulamento de condomínio.

Para tanto, invocou, em síntese, o seguinte: – a garagem constitui uma parte comum; – a escada de acesso é de utilização exclusiva da fracção B.

Os Réus apresentaram contestação onde concluíram pela improcedência dos pedidos deduzidos pela A..

A Autora replicou reafirmando o antes peticionado (fls.417 a 428).

Foram deduzidos incidentes de intervenção de terceiros e de habilitação, de forma a estarem representados na presente acção todos os actuais proprietários das diversas fracções autónomas que compõem o edifício.

Após a legal tramitação, procedeu-se ao julgamento com observância das legais formalidades, tendo sido proferida sentença que julgou improcedente a acção e, em consequência, absolveu os RR do pedido.

Inconformada, interpôs a Autora, sem sucesso, recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, com um voto de vencido, julgou improcedente a Apelação, mantendo a decisão recorrida.

Ainda irresignada, a mesma veio interpor recurso de Revista para este Supremo Tribunal de Justiça, rematando as suas alegações, com as seguintes: CONCLUSÕES 1ª O Acórdão recorrido deve ser revogado, porquanto, proferido sobre questões da propriedade horizontal, modificou-lhe o título, fracturou o seu regime legal, sendo certo que, conforme Assento do STJ de 10.05.89 "a sua modificação apenas pode ser efectuada de acordo com o preceituado no artº 1419°, n° 1 do CC, e nunca através de decisão judicial".

  1. No auto de vistoria realizado em 20 de Novembro de 1974, junto a fls. 435-436, emitido pela Câmara Municipal de Lisboa em 6.3.1975, é declarado o seguinte: "A cave, na parte para trás deste compartimento, destina-se a outra ocupação, para estacionamento privativo dos utentes do prédio,..." É declarado ainda o seguinte: "Partes comuns: 1 habitação com 1 divisão assoalhada (porteira); 1 ocupação com mais de 100 metros quadrados (estacionamento privativo dos utentes do prédio)." Consta ainda que "verificou a Comissão que se trata de um prédio de construção moderna, o qual de harmonia com os respectivos projectos aprovados..." 3ª Aos requisitos legais de constituição da propriedade horizontal, previstos no art. 1415.° do CC, acrescem requisitos administrativos, impostos pelo RGEU, tendo o legislador, com a alteração dos n°s 2 e 3 do art. 1418.° do CC, operada pelo DL n° 267/94, de 25-10, deixado claro que, subjacente à disciplina imposta por aqueles diplomas de natureza administrativa, está em causa o cumprimento de normas de direito público, de interesse e ordem pública, sendo que o título constitutivo da PH, foi elaborado por escritura pública, tendo em conta o que resulta das telas finais, sendo que nestas não consta a divisão da garagem, além disso, está marcada sobre a ocupação, mais tarde designada por fracção B, uma porta com utilidade de aceder, directamente à garagem, sinal visível e permanente, quando é certo que as fracções habitacionais têm que vir à rua para acederem à garagem.

    Na verdade, como refere o ac. do STJ de 6 de Novembro de 2012, " O Regulamento Geral das Edificações Urbanas, em especial, o respectivo artº. 8°, nº 1, impõe uma especial exigência de conformidade das obras com o projecto aprovado.

    O negócio jurídico constitutivo da propriedade horizontal que desrespeita o que ficou consagrado no projecto de construção, ofendendo o preceituado pelo supracitado normativo legal, viola preceitos regulamentares, de interesse e ordem pública, pelo que, verificando-se a ofensa de uma disposição legal de carácter imperativo, ocorre a sua nulidade (...)", in Col. Jur. ano XX, pág. 107.

  2. O título constitutivo da propriedade horizontal teve por base um negócio jurídico formalizado por escritura pública, celebrada no Cartório Notarial de Sintra, em 2.4.1975 e essa escritura foi levada a registo, pela apresentação n° 8, de 14 de Outubro de 1975, como consta da Certidão da Ia Conservatória do Registo Predial, junta com a petição, (doe. n° 8) e junta ainda com a Contestação, como doc. n° 2, pelo que o título constitutivo da propriedade horizontal, designadamente, o fim das partes comuns, tem eficácia erga omnes.

  3. Nesta escritura pública, foi atribuída a cada uma das fracções autónomas C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M e N a percentagem de 6,06; à fracção A, a percentagem de 15,16 e à fracção B, a percentagem de 12,12. (alínea L da especificação) 6ª Nas descrições de cada fracção autónoma realizadas na referida escritura pública de PH, não é feita referência à cave do edifício.

  4. O acórdão recorrido, colando-se à sentença, nada disse sobre a inscrição e descrição da propriedade horizontal no respectivo registo predial e dele constar "estacionamento privativo dos utentes", sendo certo que a segurança do comércio jurídico imobiliário, garantido pelo artº. 1º do C. Registo Predial tem, como suporte constitucional, o disposto nos artºs 2° e 3º da Constituição, sendo que resultando de certidão, emitida pela competente conservatória do registo predial que o condomínio está constituído e devidamente registado, o tribunal recorrido não podia deixar de admitir tal facto que se impõe de per si, a qualquer instância, pelo que o acórdão recorrido desprezou o art° 4º da Lei n° 3/99, de 13 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais) que determina o julgamento segundo a Constituição e a lei.

    8ª No documento n° 12, junto com a PI, é referido que, em 31 de Janeiro de 1998, se realizou a Assembleia de Condóminos em 2ª Convocação em que estiveram presentes 6 condóminos que detinham, no prédio, a percentagem de capital de 36,36= (6.06 X 6), constando da acta dessa Assembleia que «TAMBÉM FICOU APROVADO O REGULAMENTO GERAL DO CONDOMÍNIO».

  5. O regulamento no seu artigo 3°, com a epígrafe "PARTES COMUNS DO PRÉDIO, DOS SERVIÇOS DE INTERESSE COMUM E RESPECTIVOS CUSTOS", refere, entre o mais, que a entrada principal, o átrio, a escada e o patamar de acesso às habitações, bem como as lâmpadas e respectivos globos, a arrecadação situada no átrio sob o primeiro lance de escadas, o fogo destinado à habitação da porteira, localizada no último piso do prédio, com uma divisão, uma casa de banho e uma cozinha, o portão da garagem, a garagem, as instalações de electricidade e água, bem como a escada de acesso à fracção "B" são partes comuns das fracções correspondentes às habitações, excluindo as duas fracções correspondentes às lojas.

  6. Essa Assembleia em que estiveram presentes 6 condóminos que detinham, no prédio a percentagem de capital de 36,36= (6.06 X 6) não tinha quorum suficiente, para com a deliberação, aprovar o Regulamento que, inclusivamente, alterou o título constitutivo da Propriedade horizontal, sendo, portanto nula e consequentemente nulo o Regulamento, por violarem o interesse público do registo da constituição da propriedade horizontal e de ofenderem a segurança jurídica, bem como por violarem os preceitos de natureza imperativa, aplicáveis à compropriedade e propriedade horizontal, nomeadamente, os artigos 294°, 1406°, n° 1, 1421°, 1422°, 1432°, todos do CC.

    A deliberação e o consequente Regulamento são de conteúdo contrário às mencionadas normas imperativas e ao título constitutivo da Propriedade Horizontal, pelo que, a sanção é de nulidade, sendo tal vício invocável a todo o tempo, por qualquer interessado, nos termos do disposto no artigo 286° do CC.

  7. O acórdão recorrido, decalcando a sentença, nada disse sobre a questão da nulidade da deliberação da assembleia de condóminos, realizada em 31 de Janeiro de 1998 e não fez a ligação entre a assembleia e o regulamento, pois sendo nula a assembleia, o regulamento aí aprovado pela minoria de 36,36, é também nulo, pelo que há falta de pronúncia, geradora de nulidade do acórdão recorrido, prevista no art. 668° -1, al d) e art. 716° do CPC.

  8. A escada de acesso à fracção "B" está afectada ao uso exclusivo dessa fracção, pelo que, nos termos do n° 2 al. e) do artigo 1421° do Código Civil, é parte daquela fracção e não é parte comum do edifício nem tão pouco como pretendem os RR no art° 3 do Regulamento, partes comuns aos condóminos habitacionais, sendo nula a deliberação e o regulamento. Contudo, essa pretensão, infelizmente, foi acolhida pelo acórdão recorrido que, decidindo assim, violou a lei expressa, o n° 2 al. e) do artigo 1421° do Código Civil, sendo, consequentemente nula.

  9. Quanto aos pedidos da Autora de má-fé dos RR, o acórdão recorrido limita-se a dizer que "consignasse que não há qualquer conduta das partes susceptível de litigância de má fé, sendo certo que as questões dirimidas são, sobretudo, de ordem jurídica", pelo que o acórdão recorrido, não se pronunciou sobre os factos resultantes dos comportamentos processuais dos RR, arredados dos princípios de colaboração e cooperação para com o tribunal e para com a Autora e contribuíram para entorpecerem, na Ia instância, todo o processo, durante cerca de 7 anos, com o fim de impedirem a descoberta da verdade, com violação dos princípios da cooperação e da boa fé processual, previstos nos artigos 266° e 266°-A do CPC e obrigaram a Autora a requerer diligências que se vieram a tornar inúteis, além de ter de pagar a taxa de justiça e multas, sem qualquer necessidade e sem qualquer proveito. Além do mais, os RR, na Contestação vieram juntar o...

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