Acórdão nº 124/11.9GAPVL.G1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Novembro de 2013

Magistrado ResponsávelMAIA COSTA
Data da Resolução13 de Novembro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Guimarães veio interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão proferido em 7.1.2013, no processo principal, por se encontrar em oposição sobre a mesma questão de direito com o acórdão da mesma Relação de 2.7.2007, proferido no proc. nº 974/07.

Por acórdão deste Supremo Tribunal de 8.5.2013, proferido em conferência, nos termos do art. 441º, nº 1, do Código de Processo Penal (CPP), foi julgada verificada a oposição de julgados, e ordenado o prosseguimento dos autos para fixação de jurisprudência.

Cumprido o disposto no art. 442º, nº 1, do CPP, apenas o Ministério Público apresentou alegações, que se transcrevem: I - Do recurso 1.1 - O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Guimarães veio interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido nos autos em epígrafe, em 7 de Janeiro de 2013, alegando que a mesma questão de direito nele apreciada está em oposição com a de outro Aresto, proferido pelo mesmo Tribunal da Relação de Guimarães, em 2 de Julho de 2007, no processo 974/07.2, no domínio da mesma legislação, considerando a não ocorrência de qualquer modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito ora controvertida.

1.2 - Em causa, a questão de saber, tal como a coloca o Sr. Procurador-Geral Adjunto junto do Tribunal da Relação de Guimarães, se integrará crime, o crime de usurpação, p. e p. pelos artigos 195º, nº 1 e 197º, nº 1, ambos do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos, doravante CDADC) o facto de responsável por estabelecimento comercial ampliar através de colunas autónomas o som radiodifundido através dum aparelho de televisão, sem que os autores das músicas assim divulgadas ao diverso público tenham dado a sua autorização, por si ou por quem os represente.

2 - Da oposição de decisões Nestes autos de recurso extraordinário, o Supremo Tribunal de Justiça julgou verificada a oposição de julgados, considerando que ambos os acórdãos – recorrido e fundamento – assentaram em soluções de direito opostas, no domínio da mesma legislação, sobre situações de facto idênticas.

Em consequência, foi determinado o prosseguimento do recurso, nos termos e para os efeitos dos artºs 442º e sgts do CPP.

3 - Da questão de direito em confronto nos Acórdãos recorrido e fundamento.

3.1 - Em ambas as decisões em confronto, a factualidade é, fundamentalmente idêntica: 3.1.1 - No acórdão recorrido “num estabelecimento comercial (…), estava a ser reproduzida musica através de um canal televisivo, reprodução efectuada através do televisor (…), composto por leitor de cassete e CD, um amplificador, um equalizador e rádio assim como três colunas distribuídas pela área do estabelecimento, (…)”.

“A arguida não havia obtido junto da Sociedade Portuguesa de Autores as necessárias autorizações para a fixação, reprodução e eventual distribuição pública das mesmas (..)” 3.1.2 - No acórdão fundamento, foi fixada, no que ora interessa, a seguinte matéria de facto: “O arguido (…) era proprietário e único explorador de estabelecimento comercial (…), no qual, no dia 28/10/2005, pelas 00H40m estava a ser difundido aos (…) clientes que aí se encontravam um vídeo musical da cantora Madona, que estava a ser emitido de um programa de televisão MTV da TV Cabo.

“Esse programa da MTV estava a ser difundido através de um aparelho de televisão (…) e o som emitido pelo televisor estava a ser difundido pelo estabelecimento comercial através de quatro colunas de som (…).” “O arguido (…) como responsável do estabelecimento mandou instalar o referido equipamento de imagem e som e não tinha autorização da Sociedade Portuguesa de Autores para difundir essa música da cantora Madona no seu estabelecimento”.

3.2 - Com base na matéria de facto descrita, o Acórdão recorrido, concluiu que a simples recepção, em lugar público, de emissão de radiodifusão não depende de autorização dos autores das obras nem lhes atribui o direito à remuneração previsto no artº. 155º do CDADC, pelo que não se verificam, no caso, os elementos típicos do crime de usurpação.

O Acórdão fundamento, com base em matéria de facto idêntica à do Acórdão recorrido, entendeu que “o arguido não se limitou, (…), a fazer a mera recepção de um programa de televisão em público. (…) Ao ligar ao televisor as quatro colunas de som (…) estava, também ele a difundir sinais, sons e imagens”.

Em consequência, decidiu o Acórdão fundamento carecer de autorização dos respectivos autores das obras assim difundidas, pelo que o responsável do referido estabelecimento comercial, cometeu o crime de usurpação, p. e p. pelos artºs 195º, nº 1 e 197º, nº 1 do CDADC.

4 - Assim, que a questão de direito a dilucidar centra-se afinal na discussão de saber se não fazendo as colunas que ampliam o som parte integrante do televisor ou radiofonia, a distribuição do som, que por elas é feita, extravasa a mera recepção, passando a configurar uma nova transmissão do programa.

4.1 - Magistralmente, escreveu Oliveira Ascensão, “Direito Civil, Direitos de Autor e Direitos Conexos, Coimbra Editora, pag. 12, que “o homem, à semelhança de Deus, cria (…) O homem à semelhança do animal, imita (…)”.

Por isso que a criação literária e artística carece de protecção, recebe a tutela do Direito de Autor, vertida no CDADC.

Porque corresponde a uma actividade particularmente nobre, a tutela conferida pelo Direito de Autor é a mais extensa e a mais apetecida de todas as tutelas, dentro dos direitos intelectuais (mesmo autor, obra e local).

A necessidade de tutela da criação pelo autor vem-se afirmando ao longo dos últimos três séculos, alcançando consagração expressa com a lei da Rainha Ana da Grã-Bretanha, de 1710, sendo que este movimento breve alastrou por outros países europeus, nomeadamente França, que consagrou a protecção do autor, outorgando-lhe um privilégio, mesmo antes da Revolução Francesa.

Os intelectuais então vencedores conceberam o direito de autor como uma propriedade (…)” (Ibidem).

Os interesses dos autores foram inicialmente os únicos considerados. Mas, a partir de certa altura passaram a sofrer a concorrência de outros aspirantes à tutela legal, que surgiu com o progresso dos meios de comunicação utilizáveis por artistas, intérpretes e executantes, quando os meios técnicos permitiram transportar a mesma interpretação a outros círculos; quando passaram a permitir radiodifundir as interpretações, gravadas ou não.

A consagração legal dos interesses em causa fez surgir os chamados direitos conexos, afins ou vizinhos do direito de autor.

O Direito de Autor é um ramo do direito em desenvolvimento, de crescente relevância jurídica, social e económica, devendo ser caracterizado como um ramo autónomo do Direito Civil. No conteúdo dos direitos de autor e dos direitos anexos surpreendem-se faculdades de carácter pessoal e de carácter patrimonial, que se traduzem em direitos pessoais (morais) e direitos patrimoniais.

O CDADC, tutela, relativamente aos direitos conexos, os direitos pessoais e patrimoniais dos artistas, intérpretes e executantes, dos produtores de fonogramas, de videograma e dos organismos de radiodifusão.

4.2 - De entre os direitos conexos consagrados no citado Código releva para o tema que tratamos agora, os direitos dos artistas, interpretes e executantes, titulares, eles também, à semelhança do que ocorre com os direitos de autor, de direitos pessoais e patrimoniais.

Aproximando-nos da questão de direito colocada no presente recurso, importa apurar se, com a imputação da prática do crime de usurpação ao agente que amplia o som transmitido por televisor através de colunas que lhe são autónomas e dispostas em vários pontos do estabelecimento comercial, sem a devida autorização e pagamento de uma percentagem pecuniária, se está a proteger o direito patrimonial do artista, interprete ou executante ou se, afinal, esta exigência complementar não redunda na protecção de um abuso do direito destes.

5 - Paradoxalmente, ambos os Arestos em oposição ancoram a sua decisão final no Parecer 4/92, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, votado em 28/5/92 e homologado em 27 de Julho de 1992.

Aliás, sobre a mesma questão de direito evidência a jurisprudência grande divisão, clamando, no entanto, todas as decisões judiciais, ou a maior parte delas, o apoio do citado parecer, mesmo quando alcançam soluções opostas.

Decidindo em conformidade com o Acórdão ora recorrido, citem-se, a título de exemplo, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães, de 4/4/11, proc. 1130/07.3TABRG.G1, do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22/3/11, proc. 147/04.4SXLSB.L1.5ª, do Tribunal da Relação do Porto, de 19/9/12, proc. 131/11.1GEGDM.P1.

Em oposição, julgando no mesmo sentido do Acórdão fundamento, refiram-se a título exemplificativo, os Acs. do Tribunal da Relação do Porto, de 8/3/95, proc. 9311103, do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17/2/2002, proc. 85665, e de 15/5/2007, processo 72/2007-5, e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 2/7/2007, proc. 974/07.2, com voto de vencido, citado posteriormente em outras decisões, quer da 1ª instância, quer da Relação em reforço de Jurisprudência que entende não configurar a prática do crime de usurpação, p. e p. pelo artº 195º e 197º do CDADC, a recepção através de televisor ou radiofonia, de imagem e som, ampliado por colunas de som externas àqueles aparelhos.

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