Acórdão nº 1445/08.3TTPRT.P2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Dezembro de 2013

Magistrado ResponsávelFERNANDES DA SILVA
Data da Resolução02 de Dezembro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I.

Relatório 1.

AA, com os sinais dos Autos, instaurou, em 17.09.2008, no Tribunal do Trabalho do Porto, acção de impugnação do despedimento contra a sociedade «BB – … Ld.ª», pedindo, a final, que seja declarado insubsistente, proferido sem justa causa e ilícito, o despedimento promovido pela Ré e, consequentemente, a condenação desta: a) - No pagamento das retribuições que se vencerem desde a data da propositura da acção e até ao trânsito em julgado da decisão final; b) - No pagamento da quantia de € 52.695,00, a título de indemnização por despedimento sem justa causa, ressarcimento de danos não patrimoniais, retribuição de trabalho suplementar, diuturnidades e férias não gozadas, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal.

Alegou para o efeito, em síntese útil, ter sido admitido, em Janeiro de 1980, ao serviço de seu pai, o qual era dono de um restaurante, sendo que em finais de 2001 passou a trabalhar para a aqui Ré (a qual adquiriu ao pai do A. o referido restaurante), como empregado de mesa.

Na sequência da instauração de processo disciplinar, a Ré despediu o Autor, despedimento que é ilícito, por inexistência de justa causa.

A Ré contestou, defendendo a licitude do despedimento e pedindo a condenação do A. como litigante de má fé.

O Autor respondeu, pedindo, também, por sua vez, a condenação da Ré como litigante de má fé.

Discutida a causa, proferiu-se sentença a julgar a acção parcialmente procedente, declarando ilícito o despedimento do A. e condenando a Ré a pagar-lhe: - Uma indemnização em substituição da reintegração, correspondente a 30 dias de remuneração-base e diuturnidades por cada ano de serviço (€ 655,50), contada desde Dezembro de 1983 e até ao trânsito em julgado da decisão, ascendendo a parte já vencida à quantia de € 18.354,00; - As retribuições que o A. deixou de auferir em virtude do despedimento, desde 17.09.2008 e até ao trânsito em julgado da sentença, à razão mensal de € 655,50, encontrando-se já vencida a quantia global de € 15.732,00; - A quantia de € 30,00, a título de diuturnidades vencidas e não paga desde 01.01.2007; - A quantia que se vier a apurar em sede de liquidação de sentença, relativa a 11 horas semanais de trabalho suplementar, prestadas pelo A. durante o ano de 2005, e relativa a 7 horas e meia de trabalho suplementar prestadas pelo Autor a partir de Janeiro de 2006 e até ao seu despedimento; - A quantia de € 21,85, a título de um dia de férias não gozado, das que se venceram no dia 01.01.2007; - Os juros de mora, à taxa de 4%, sobre as referidas quantias, a contarem da citação até integral pagamento.

2.

A Ré, inconformada, interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, que, pelo Acórdão prolatado a fls. 662-686, lhe concedeu parcial provimento. E, revogando a sentença na parte em que declarou ilícito o despedimento do A. e condenou a R. a pagar-lhe os valores correspondentes, acima discriminados, julgou o despedimento lícito, absolvendo a R. de tais pedidos, mais revogando a decisão recorrida …na parte em que condenou a ré a pagar juros de mora a contar ad citação, relativamente à quantia que se apurar em sede de liquidação de sentença, relativa ao trabalho suplementar prestado, e se substitui pelo presente acórdão e, em consequência, se declara que os juros, nesta parte, são devidos nos termos do art. 805.º, n.º 3, 1.ª parte, do Cód. Civil.

(Sic).

Quanto ao mais, confirmou a sentença recorrida.

___ É o A. – e de seguida a R., subordinadamente – que, irresignado, se rebela contra a deliberação sujeita, mediante a presente Revista, cuja motivação fecha com a formulação destas conclusões: 1.ª - Logo na petição inicial, o Autor, aqui recorrente, protestou a ilicitude e a invalidade do despedimento – arts. 33° a 50° daquele articulado.

  1. - Reza o art. 415.º do Código do Trabalho, na versão aplicável (cuja identificação doravante omitiremos quando aludirmos a este mesmo diploma): "2 - A decisão deve ser fundamentada e constar de documento escrito.

    3 - Na decisão são ponderadas as circunstâncias do caso, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador, … não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa, nem referidos na defesa escrita, salvo se atenuarem ou diminuírem a responsabilidade".

  2. - Na nota de culpa são imputados os seguintes factos: "1. O Trabalhador, no dia 27 de Novembro, por volta das 15:00h, retirou, sem qualquer autorização da gerência, 2 garrafas pertencentes ao restaurante e levou-as para sua casa, que se situa por cima do local de trabalho.

    1. Na mesma hora e local o Trabalhador, sem qualquer razão aparente ou instrução da gerência, foi ao armazém buscar outras duas garrafas, que colocou dentro do balcão frigorífico que está situado no pátio, na parede contígua à cozinha, com o intuito de repor as que tinha retirado do restaurante, de forma a que não se desse pela falta das que tinha retirado anteriormente".

  3. - Não constam da decisão, discriminadamente, quais os factos imputados ao trabalhador e que, no decurso do processo disciplinar, tenham sido dados como provados.

  4. - Também não se vê fundamentação, quanto ao apuramento da matéria de facto, que não seja o "prevalecer" das "declarações e depoimentos prestados pelas pessoas inquiridas, sendo, uma delas, o Gerente da Entidade Patronal".

  5. - O depoimento de um gerente da Ré é inábil para produzir qualquer prova.

  6. - O único depoimento, de CC, é completamente omisso quanto ao facto de o Autor ter agido sem a autorização da gerência.

  7. - Na resposta à nota de culpa, o Autor invocou expressamente o conhecimento dos factos por parte da gerência e, nem por isso, foram considerados provados os factos que constam dos pontos 7, 8, 9,11 ou 16 daquela resposta.

    9.ª - Nem a ré fundamentou a recusa em ter em conta tal conhecimento pessoal, em violação do disposto no art. 414.º, n.º 1.

  8. - A entidade patronal conclui que o trabalhador cometeu um crime de furto, sendo que a nota de culpa é completamente omissa quanto à imputação de qualquer facto que consubstancie a intenção ilegítima de fazer seus os objectos que foi acusado de ter levado para casa.

  9. - A aqui recorrida não discriminou circunstanciadamente todos os factos que vieram a servir de base à decisão ou os que considerou provados, não fundamentou a decisão, não fez qualquer ponderação das circunstâncias do caso, não emitiu qualquer consideração relativamente à adequação da sanção aos factos, não sopesou adequadamente a prova produzida e omitiu a que o trabalhador requerera… 12.ª - E, na conclusão genérica de que estariam "provados todos os factos apresentados na nota de culpa", alguns há acerca dos quais não foi efectuada qualquer prova, designada e principalmente, que o autor agiu sem consentimento da gerência.

  10. - A ilicitude e invalidade do procedimento resultam do disposto nos arts 429.º, alínea a) e 430.º, n.º 2, alíneas a) a c).

  11. - Na douta decisão da Primeira Instância, o Meritíssimo Juiz optou por apreciar em primeiro lugar a questão do ponto de vista da sua substância, o que prejudicou a questão da validade formal.

  12. - Nas suas contra-alegações do recurso de apelação, o autor tornou à questão -ponto 4 e suas conclusões 17.ª a 23.ª.

  13. - No douto acórdão ora em crise, tal questão não é minimamente abordada em termos de fundamentação, nem proferida qualquer decisão a tal propósito, o que, salvo o devido respeito, entendemos que foi cometida, por omissão, a nulidade prevista no art. 668.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil.

  14. - Cuja arguição aqui fazemos, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo.

  15. - Tendo presente que a matéria de facto ficou definitivamente assente nos termos do decidido pelo douto acórdão em crise, cremos que fundamentam a decisão de que se recorre os seguintes factos: KK - O Autor retirou duas garrafas de vinho do frigorífico do restaurante, que levou para sua casa, onde as consumiu.

    AAA – Após o mencionado em KK, ao regressar da sua casa, o Autor foi ao armazém buscar outras duas garrafas que colocou junto do balcão frigorífico que está situado no pátio.

    DDD - O Autor não tinha autorização da Ré para retirar as duas garrafas do frigorífico e para as levar para casa.

  16. - Nos termos do disposto no art. 415.º, n.º 3, na decisão não podem ser invocados factos não constantes da nota de culpa nem referidos na defesa, a não ser que atenuem ou diminuam a responsabilidade.

  17. - Dos reproduzidos na conclusão 18.ª, não constam da nota de culpa: - Que o Autor tenha consumido as garrafas ou o seu conteúdo; - Que as garrafas tivessem vinho ou outro qualquer conteúdo.

  18. - Se os factos não tiverem podido (como não puderam) sustentar a decisão disciplinar, não poderão também fundamentar decisão judicial pela subsistência do despedimento.

  19. - A acção de impugnação de despedimento não é apta a produzir prova que, na instância disciplinar, não tenha sido lograda.

  20. - Por outro lado, como bem nota o Digno Procurador da República junto do Tribunal da Relação, a fls 5 do seu parecer, nos termos do art. 435.º, n.º 3, "o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador".

  21. - Pelo que a matéria que pode servir para aferirmos da bondade do despedimento é, tão-somente, a seguinte: - O Autor retirou duas garrafas do frigorífico do restaurante, que levou para sua casa.

    - Após o mencionado em KK, ao regressar da sua casa, o Autor foi ao armazém buscar outras duas garrafas que colocou junto do balcão frigorífico que está situado no pátio.

    - O Autor não tinha autorização da Ré para retirar as duas garrafas do frigorífico e para as levar para casa.

  22. - Como estaria, então, demonstrada a transferência do que quer que fosse da esfera patrimonial da Ré para a do Autor? Onde estaria demonstrada a intenção de apropriação ilegítima? 26.ª - Acresce ainda que, porque no processo disciplinar a ré não provou que o autor não tinha autorização para retirar as garrafas...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
6 temas prácticos
6 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT