Acórdão nº 156/09.7TBCNT.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Novembro de 2013

Magistrado ResponsávelÁLVARO RODRIGUES
Data da Resolução14 de Novembro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: RELATÓRIO AA, Lda., propôs a presente acção contra BB – ..., S.A., ambas com os sinais dos autos, nos termos e com os fundamentos constantes da douta petição inicial, por via dos quais impetrou a condenação da demandada no pagamento da quantia global de €42.500,00 correspondente ao valor da cláusula penal contratualmente estipulada entre A. e Ré, já reduzida dos montantes creditícios de que a demandada é titular.

Em síntese, alegou a demandante que por contrato celebrado, em 1 de Maio de 2004, com a Ré – contrato esse válido pelo período de um ano mas com renovação automática por iguais e sucessivos períodos temporais, a menos que algum dos outorgantes o denunciasse com a antecedência mínima de 90 dias – foram reciprocamente assumidas as obrigações constantes desse mesmo instrumento contratual, maxime a obrigação, pela A., de produção de certas quantidades de coelhos vivos para abate destinados à Ré, e a obrigação, por esta demandada, de os comprar à A.; do mesmo passo, obrigou-se também a A. a consumir em exclusivo os produtos comercializados pela demandada, nomeadamente rações, coelhas reprodutoras para reposição e inseminação artificial.

Não havendo qualquer dúvida ou necessidade de esclarecimento entre ambas as partes, obrigaram-se as mesmas, e de modo recíproco, a uma cláusula penal de € 48.000 para as situações de incumprimento, designadamente por rescisão antecipada do contrato.

Sem que nada o fizesse prever ou justificasse, no entanto, a Ré cessou, a partir de 27 de Setembro de 2007, a aquisição de animais à demandante, assim quebrando a obrigação que, pelo aludido acordo, havia assumido e, incorrendo, portanto, em uma situação de manifesto incumprimento contratual.

No quadro fáctico acabado de descrever, e não obstante a totalidade dos prejuízos a si causados ascenderem a € 50.064,70 a título de danos emergentes e € 15.000 de lucros cessantes, em 9 de Outubro de 2008 a A. interpelou a demandada no sentido de esta vir a proceder voluntariamente ao pagamento da quantia indemnizatória devida (que, nos termos referidos pela demandante, terá de ser reduzida a € 42.500), por considerar encontrar-se legitimamente accionada a cláusula penal respectiva.

Acontece que a Ré nada fez quanto ao solicitado pagamento, antes se limitando a remeter à A. uma nota de débito datada de 31 de Dezembro de 2008, com vencimento em 15 de Fevereiro de 2009, imputando à demandante uma suposta situação de incumprimento contratual e exigindo da mesma, concomitantemente, o pagamento de € 48.000.

Perante a persistência da atitude inadimplente da demandada, à A. nada mais restou do que proceder, em 3 de Fevereiro de 2009, à denúncia do contrato.

Em suma, inexistindo justificação para uma qualquer diferente decisão, concluiu A. pela condenação da demandada nos exactos termos peticionados na causa.

Citada, a Ré contestou e deduziu pedido reconvencional, pedindo a condenação da reconvinda no pagamento de € 48.000,00 referente à cláusula penal prevista no contrato, arguindo, ainda, a excepção de representação irregular da A. em juízo (nos termos que ora se têm por integralmente reproduzidos) e defendendo-se também por impugnação.

No saneador foi julgada improcedente a excepção deduzida pela Ré e, prosseguindo os autos a sua regular tramitação, após o julgamento da acção, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo a Ré do pedido e, igualmente, julgando a reconvenção improcedente e absolveu a Reconvinda de tal pedido.

Inconformada, interpôs o Autora recurso de Apelação da sentença para o Tribunal da Relação de Coimbra que, dando provimento ao recurso, revogou a sentença recorrida e, em consequência, condenou a Ré/Apelada BB – ..., SA. a pagar, à Autora/Apelante AA Lda, a quantia pedida de € 42.500,00 (quarenta e dois mil e quinhentos euros).

Foi a vez de a Ré, BB S.A., vir interpor recurso de Revista para este Supremo Tribunal de Justiça, rematando as suas alegações, com as seguintes: CONCLUSÕES 1.

a) Autora e Ré, à data, eram sujeitos passivos de IVA (art. 2º CIVA).

b) Os sujeitos passivos deduzem, nos termos do disposto no art. 19º CIVA, ao imposto devido, o imposto pago pela aquisição de bens a outros sujeitos passivos (al. a) do nº 1 do art. 19º CIVA).

c) Para além do enunciado no nº2 do art. 19º CIVA, igualmente não pode deduzir-se o imposto que resulte de operações em que o transmitente dos bens não entregar nos cofres do Estado o imposto liquidado, e o sujeito passivo disso tenha conhecimento.

d) Entre 2004 e 2006 a Ré deduziu o imposto, IVA, que havia pago à Autora pelas mercadorias que lhe havia adquirido.

e) Em meados de 2007 a Ré é notificada pelo Fisco que não considera o seu direito ao reembolso do IVA pago à Autora entre 2004 e 2007, num valor global de 7.176,51€.

f) Em 27.09.2007 a Ré ainda comprou coelhos à Autora, mas, a 17.10.2007, a Ré é notificada pelo Fisco do constante de fls. 55.

  1. A esta data: g1) A Ré ainda não tinha sido reembolsada da quantia de 7.176,51€ que pagara à Autora a título de IVA (entre 2004 e 2007) quantia a que tinha direito.

    g2) verificava que não era verdadeira a informação que a Autora lhe transmitira no documento de fls. 263 g3) e concluía poder continuar a ter problemas com o Fisco, para poder deduzir IVA que viesse a pagar à Autora, em face dos problemas que esta ainda tinha com o Fisco e porque aí não entregava, como devia, esse imposto que liquidava e recebia.

  2. A Ré nunca recebeu (da Autora ou do Fisco) documento bastante que assegurasse a normalização da situação fiscal da Autora perante o Fisco e o direito da Ré a, finalmente, poder ver reembolsada aquela quantia de IVA que tinha direito a deduzir.

  3. A partir de 31.12.2007, e junto do Fisco, a Autora cessou, para efeitos de IVA, o exercício da sua actividade comercial. Ou seja, desde esta data a Autora estava - por razões que exclusivamente lhe são de imputar - impedida de legalmente comercializar coelho.

    2.

    A Ré só se obrigou a comprar coelhos à Autora desde que legalmente comercializados.

    3.

    A Ré, que estava impedida pelo Fisco de deduzir o IVA que entre 2004 e 2007 pagara à Autora, liquidado por esta sobre o preço dos coelhos que lhe vendera, e ao saber que a Autora tinha débitos ao Fisco, continuava a correr o risco de poder não deduzir este IVA que a Autora entretanto lhe pudesse liquidar.

    4.

    Não integra o conceito de legalmente comercializada a venda de uma qualquer mercadoria em que o adquirente tendo a isso direito como era o caso da Ré, está, e pode continuar a estar, impedido de deduzir o IVA que aí lhe é liquidado e que pagou.

    5.

    Em resultado do "...evidente "emaranhado" de "complicações" fiscais..." da Autora, a Ré viu-se (e vê-se ainda!! ...) impossibilitada de reaver do Estado as quantias que a título de IVA, e entre 2004 a 2006, foi desembolsando, e a que tinha direito! 6.

  4. Só o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor (art. 798º Cód. Civil) b) A culpa consiste na omissão reprovável de um dever de diligência que é de aferir em abstracto (a diligência de um bom pai de família) - (Vaz Serra, acima citado) c) No funcionamento prático do critério, é muito importante a distinção entre circunstâncias externas e internas - como teria procedido um bónus pater famílias colocado nas mesmas circunstâncias (Pereira Coelho e Antunes Varela - acima citados) 7.

    Como já concluíra a sentença de Primeira Instância "...não poderá assacar-se à Ré uma ideia de culpabilidade no suposto incumprimento...". Inexiste, na conduta da Ré, uma qualquer base para sustentar um juízo de incumprimento culposo.

    8.

    Quando a Autora, em 09.10.2008, interpelou a Ré para o constante do facto nº 27 ...fez mais de dez meses havia cessado, junto do Fisco, a sua actividade para efeitos de IVA. Ou seja, pelo menos entre 31.12.2007 e ... 09.10.2008, a Autora estava impedida, por razões que exclusivamente lhe assistem, de comercializar legalmente coelho ...

    9.

    A cláusula penal em apreço supõe a inexecução da obrigação e a culpa por parte do devedor. Ou seja, só pode ser efectivada se este culposamente não tiver cumprido o contrato.

    10.

    Ainda no caso em apreço, a cláusula penal peticionada, em substituição de eventual obrigação de indemnização, supõe o incumprimento definitivo.

    11.

    A Autora não fixou, nem extrajudicial, nem judicialmente, um qualquer prazo de cumprimento à Ré, um qualquer prazo admonitório.

    12.

    A Ré nunca foi interpelada, judicial ou extrajudicialmente, pela Autora, para cumprir.

    13.

    A Autora não procedeu à resolução do contrato, que, nos autos, não vem sequer peticionada.

    14.

    Dos autos não resulta qualquer incumprimento definitivo, nem - como já acima concluído - culposo, imputável à Ré.

    15 a) Para além de inexistir nos autos uma base para um juízo de incumprimento culposo imputável à Ré, o peticionado pela Autora, no contexto que decorre dos autos - muito bem salientado pela sentença da Primeira Instância - evidencia abuso de direito, que aqui se invoca, b) aqui manifestado, ainda, num venire contra factum propríum.

    16.

    a) No limite, e apenas por redobrada cautela: do nº 1 do art. 812º do Cód. Civil decorre que a cláusula penal pode ser reduzida pelo Tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente.

    b) A redução da cláusula penal pode ser exercida oficiosamente pelo Tribunal c) sendo que, para o uso de tal faculdade, além dos elementos que resultam dos factos provados que, em critério de equidade e justiça, apontam para manifesto excesso da cláusula penal, d) também, para a sua redução equitativa, será de atender-se ao grau da culpa do devedor.

    17.

    O douto Acórdão da Relação, ao revogar a decisão recorrida e, em consequência, condenar a ora Recorrente na quantia de 42.500,00€, violou o disposto nos artigos 334º, 405º, 406º, 428º, 432º e 436º, 762º e 763º, 798º, 805º e 808º, 811º e 812º, todos do Código Civil e ainda...

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